Em nosso artigo anterior, Governança e tomada de decisões: Fatores individuais que afetam escolhas colegiadas discorremos sobre um conjunto de armadilhas mentais de indivíduos, que podem emergir em tomada de decisões, afetando as percepções de integrantes de Conselhos de Administração, entre outras instâncias colegiadas que existem nas organizações, como as Diretorias Executivas. Focalizamos as diferentes percepções de dois conselheiros de administração, diante de uma situação hipotética, na qual ambos deveriam opinar, no contexto de uma tomada de decisão colegiada, ilustrando, por meio de exemplos singelos, como esses profissionais poderiam ser afetados.

Neste artigo, apresentamos alguns mecanismos que podem ajudar a lidar com as armadilhas mencionadas, sem pretender esgotar as várias possibilidades existentes. Nosso foco são os Conselhos de Administração, mas o que expomos pode ajudar em outras situações.

Consideremos as práticas-exemplo abaixo, não exaustivas, as quais podem ajudar a lidar com variadas armadilhas mentais:

  1. Letramento. É viabilizado por meio de profissionais capacitados, que podem prover o conhecimento aos conselheiros sobre as armadilhas mentais e vieses que podem afetar percepções de indivíduos, discorrendo sobre tomada de decisões e os fatores humanos que as afetam. Abrange a disponibilização de ferramentas permanentes, no site do Conselho, podendo ser acessadas por novos conselheiros ou por aqueles que desejarem entender ou repassar esses conceitos. O letramento é dinâmico e deve ser aprimorado e realimentado tempestivamente. Como referência, sugerimos a (re)leitura do artigo citado no início do presente.
  2. Criação de comitês do Conselho. Importante prática de governança, os comitês são compostos por profissionais que se aprofundam nos projetos propostos, prevenindo e até blindando algumas das armadilhas mentais de indivíduos. Conforme a dinâmica de operação, os comitês favorecerão a efetiva compreensão de problemas e demonstrações financeiras, corporativas ou por empresa/negócio, criando discussões embasadas, ricas e relevantes para a tomada de decisão. Considerando que as reuniões do Conselho de Administração, com várias pautas para analisar, poderão ser insuficientes para os necessários debates, a criação dos comitês é uma boa prática.
  3. Lideranças competentes. Líderes preparados nos comitês e Conselho de Administração fazem a diferença em reuniões de trabalho, pois adotam método, têm organização, capacidade de ouvir e habilidade de integrar raciocínios, criando consensos e favorecendo o embasamento de decisões. Utilizam mecanismos e/ou técnicas específicas para liderar reuniões, que podem contribuir para o letramento mencionado anteriormente.
  4. Ambiente favorável ao debate e ao contraditório. Os trabalhos dos comitês e Conselho de Administração devem ser desenvolvidos em um ambiente de livre pensar, de exposição de dúvidas e opiniões, com discussões aprofundadas e pautadas pela integridade intelectual. A postura receptiva de sócios controladores e sócios de referência é fundamental.
  5. Postura de aprendizado contínuo. Destaca-se a importância da abertura dos integrantes dos comitês e Conselho de Administração para a escuta ativa de pessoas com visões distintas, sem julgamento prévio; de ouvir além dos profissionais de vários níveis hierárquicos da organização, experts externos, capazes de trazer insights e novas experiências. Tomando o cuidado com o efeito de contraste (risco: quem avalia, ser influenciado, principalmente, por opiniões externas recentes e desconsiderar a expertise interna).
  6. Avaliação e análise crítica de projetos. Apresentações para conselheiros devem ser bem elaboradas, em conteúdo e forma. É importante atentar ao risco das armadilhas da ancoragem, isto é, de quem avalia apegar-se às primeiras informações recebidas e a elas se ancorar, e da formulação ou formatação, ou seja, de o avaliador acolher, sem questionar, informações apresentadas em formato sedutor. Ponderação, senso crítico, aprofundamento e debate são condições sine qua non à tomada de decisões assertiva.
  7. Análises econômico-financeiras e de cenários de riscos de projetos. As análises em questão, clássicas, incluindo cenários de estresse, têm sido instrumentos importantes, aplicados a projetos realmente importantes para organizações. As metodologias usadas (Valor Presente Líquido, Taxa Interna de Retorno e várias outras) são substancialmente conhecidas, mas chamamos a atenção para a questão dos cenários. Há que haver criticidade em relação aos inputs, o que vale tanto para fluxos de caixa quanto para taxas de desconto a estes aplicadas. Projetos podem ser típicos do negócio que se considera, mas também podem ter especificidades e exigirem taxas de desconto específicas. Outro ponto relevante são as questões ESG – Environmental, Social and Governance: elas estão sendo contempladas nos vários cenários? Se positivo, de que forma?
  8. Designação de um (ou mais de um) advogado do diabo. Esta personagem questionará os projetos apresentados para análise do Conselho em premissas críticas para o seu sucesso. O profissional escolhido para tal papel – pode ser um conselheiro diferente, a cada projeto – poderá elaborar uma lista de perguntas para questionar a fundo premissas citadas, tais como: i) O que nos dá razoável segurança de que os investimentos previstos estão realmente bem dimensionados neste caso específico? Os riscos ambientais não seriam diferentes daqueles com os quais temos lidado? ii) O que nos dá razoável segurança de que as receitas e as despesas do projeto tendem a ser aquelas previstas no caso base? Conhecemos realmente as características do mercado de que estamos tratando? iii) Questões ESG estão sendo devidamente tratadas no projeto? Estamos deixando de considerar algo relevante em nossa apreciação?
  9. Adoção de critérios objetivos relacionados ao binômio risco-retorno. A adoção desses critérios pode eliminar consideráveis dúvidas sobre recomendar ou não um projeto ao conjunto dos sócios pelos conselhos de administração. Os próprios sócios podem criar tais critérios, com fundamentação em bases técnicas apresentadas pelo Conselho e a Diretoria Executiva. Exemplificando: um projeto somente será interessante para implementação pela empresa se a sua taxa interna de retorno (TIR) for superior à taxa desconto, não apenas igual a esta.
  10. Acompanhamento de projetos aprovados, em implantação e operação. O acompanhamento de projetos, com o apoio da tecnologia, é fundamental. As decisões tomadas devem ser realimentadas com informações sobre o que realmente ocorreu com projetos já aprovados, especialmente aqueles críticos para as estratégias corporativa e de negócios, pois trata-se de oportunidade de aprendizado, de evitar que erros passados se repitam.

Refletindo, novamente, sobre decisões colegiadas

Conforme afirmamos no artigo anterior, decisões colegiadas podem dar certo por variadas razões, todas elas resumidas em boas práticas de trabalho de conselhos de administração. No presente artigo, apresentamos algumas práticas não exaustivas que, todavia, nos parecem adequadas para impedir ou blindar vieses na tomada de decisões.

Note-se que certas práticas exigem recursos humanos e tecnológicos; outras, determinadas características de quem atua (por vezes, ambos os requisitos). O acompanhamento de projetos, por exemplo, requer equipes especializadas e sistemas informatizados. Já o exercício da liderança e a elaboração de análises econômico-financeiras e de riscos requerem profissionais muito qualificados para sua concretização.  

Finalizamos reiterando que este artigo pressupõe Conselhos de Administração, diretorias executivas e todo o sistema de governança da empresa operando de maneira ética. Isto porque se a ética não estiver presente, o contexto de decisões será outro.

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