Quando nós, seres humanos, tomamos decisões, nossos cinco sentidos entram em ação. Recebemos, processamos e organizamos informações e criamos, em nossas mentes, um quadro mental que, para nós, faz sentido.

De acordo com o professor Nélio Oliveira, da PUC Minas, a tomada de uma decisão importante dependerá daquele que analisa, do objeto e do contexto de análise. Por meio de um exemplo, torna-se mais fácil entender como os fatores acima se manifestam em uma situação prática de tomada de decisões. Nosso exemplo focaliza conselheiros de administração, mas suas conclusões seriam aplicáveis a outros grupos de decisores.

Imaginemos um projeto de investimento, relacionado à expansão de atividades empresariais no exterior, apreciado em nível do Conselho de Administração de uma grande empresa nacional. Tal projeto coaduna-se com a estratégia aprovada pelo próprio Conselho, a qual preconiza a internacionalização de atividades nos próximos anos.

Dois conselheiros com distintas vivências podem ter as seguintes percepções sobre o projeto em questão, que prevê a aquisição de uma empresa em um país da América Latina: 

 FATORES QUE IMPACTAM A PERCEPÇÃO DO INDIVÍDUO    PERCEPÇÃO DO CONSELHEIRO 1  PERCEPÇÃO DO CONSELHEIRO 2
  1 – Objeto sob análise:       o projeto de aquisição de empresa    O Conselheiro 1 considera o projeto com ótimo retorno econômico      O Conselheiro 2, mesmo reconhecendo o retorno econômico, considera que o projeto colide fortemente com a cultura organizacional  
  2 – Contexto de avaliação: a empresa se internacionalizará       nos próximos anos    O Conselheiro 1 entende que o projeto é consistente com a estratégia corporativa, está estruturado e os riscos estão adequadamente avaliados    O Conselheiro 2 entende que a empresa não está madura para o projeto em questão, devendo iniciar sua internacionalização de maneira menos impactante, deixando a aquisição para um segundo momento  

As percepções dos Conselheiros 1 e 2, bem diferentes, permitem indagar: estão sendo afetadas por armadilhas mentais específicas? Sim, isto é possível. Inspiradas nos ensinamentos do professor Nélio Oliveira e de outros importantes estudiosos sobre o tema decisões, apresentamos, a seguir, muito sucintamente, algumas dessas armadilhas, distribuídas entre três blocos: atalhos mentais, simplificação de julgamentos e erros de atribuição.

1 – Sobre os atalhos mentais

Os atalhos mentais que podem moldar decisões humanas são vastos. Consideraremos aqui os 10 exemplos do quadro seguinte:

ATALHOS MENTAIS    O INDIVÍDUO PODE…  FRASE ILUSTRATIVA
Ancoragem… apegar-se às primeiras informações recebidas e a elas se ancorar  Gostei mais do que vi primeiramente, pareceu-me mais relevante  
Status quo… optar por manter uma situação existente, por isso ser o mais cômodoEm time que está ganhando, não se mexe  
Custo afundado (sunk cost)… manter decisões passadas, mesmo inválidas no presente, por medo de ser julgado  Já começamos, temos que seguir em frente
Escalada do comprometimento ou custo afundado turbinado  … apegar-se a uma decisão anterior de maneira assertiva. A pessoa pode se sentir responsável pelo fracasso  Já começamos, temos que seguir em frente. Nem pensar em mudar
Confirmação de evidências… selecionar evidências que favorecem uma decisão preferida pelo próprio indivíduo  Chamam-me a atenção as informações específicas sobre o retorno econômico esperado, que me parecem alvissareiras  
Formulação ou formatação… acolher, sem questionar, informações apresentadas em formato sedutorImpressionante esta apresentação; realmente, estou impressionado e animado com este projeto  
Excesso de confiança  … entender que, mesmo conhecendo superficialmente o assunto, está  plenamente apto a se decidir sobre ele (efeito de Dunning-Kruger, em função de estudos realizados por David Dunning e Justin Kruger, pesquisadores da Universidade Cornell, EUA, sobre decisões)  Tenho a convicção de que este projeto será um sucesso
Viés de disponibilidade  … decidir-se com base nas informações mais facilmente disponíveis, deixando de investir no imprescindível aprofundamento do caso  A meu ver, as informações apresentadas nos permitem decidir sobre o projeto
Aversão ao risco  … percebendo risco, evitá-lo a todo o custo; o que pode ocorrer, também, após uma fase inicial de confiança  Simplesmente não podemos correr os riscos que este projeto impõe à nossa empresa
10. Compreensão tardia… após a ocorrência de um evento, ter a falsa impressão de que sabia o que ocorreria  Tive certeza de que a tentativa da empresa X fracassaria

No que respeita ao quadro acima, é importante destacar que as frases ilustradoras são meros exemplos, que dependerão, naturalmente, do caso concreto que se considera. Proferir uma dessas frases ou outras similares não significa, necessariamente, que o decisor incorre em um atalho mental.

Retornemos ao quadro inicial: quais desses atalhos mentais poderiam afetar as percepções dos Conselheiros 1 e 2? Vários, e ao mesmo tempo. Escolhemos aqui, apenas para ilustrar, um exemplo, para cada um dos conselheiros. Sendo assim, o Conselheiro 1 pode estar afetado pelo excesso de confiança (item 7); quanto ao Conselheiro 2, pela aversão ao risco (item 9). Mas várias outras possibilidades concomitantes são possíveis.

2 – Sobre a simplificação de julgamentos

As possibilidades de simplificação de julgamentos são menores, mas mesmo assim, robusto, conforme demonstra o quadro seguinte:

  SIMPLIFICAÇÃO DE JULGAMENTOS    O INDIVÍDUO PODE…  FRASE ILUSTRATIVA
Percepção seletiva  … selecionar apenas estímulos que a ele chegam pelos seus cinco sentidos, em função de experiências passadas, expectativas, interesses e outros tópicos  Já vivenciei esse tipo de situação e sei bem o que teremos que enfrentar
Efeito de contraste  … ser influenciado por pessoas por ele encontradas recentemente  João, cuja palestra acabei de ver em um Congresso, está mais atualizado do que a nossa equipe  
Efeito de halo  … avaliar outros indivíduos a partir de uma única caraterística, deixando de ver o conjunto de atributos da pessoa  José entende a fundo de gestão de processos; tem alguns defeitos no relacionamento com pessoas, mas irrelevantes  
Esteriotipagem  … avaliar outros indivíduos a partir de sua visão sobre o grupo da qual essa pessoa faz parte  Pedro é como todos os especialistas em marketing: somente vê vendas diante de si, não se preocupa com o lucro efetivo  

Note-se que o quadro acima, relacionado à simplificação de julgamentos, não é inconsistente com o quadro referente aos atalhos mentais, sendo que ambos podem ser combinados. E retornando aos Conselheiros 1 e 2: ambos podem ser afetados pela simplificação de julgamentos.

3 – Sobre os erros de atribuição – alguns vieses

Há vieses humanos que merecem ser conhecidos, pois podem afetar decisões. Como assim? Vejamos estes exemplos, relacionados a culpa, responsabilidade:

  1. Se alguém não foi bem-sucedido(a) em algo, poderemos ter a tendência de “culpar” essa pessoa (ela não teria se dedicado o bastante). Todavia, se tivermos sido mal-sucedidos, a “culpa”, por vezes, será atribuída a outros fatores (o clima não ajudou). Ao mesmo tempo, se obtivermos sucesso, poderemos acreditar que o mérito foi apenas nosso (afinal, enfrentei sozinho grandes obstáculos), esquecendo-nos de outros que contribuíram para que o caso tivesse um bom desfecho.
  2. Se o indivíduo sempre chega atrasado, o problema reside nele; se ele sempre chega na hora marcada, mas se atrasa no dia de hoje, o problema foi criado por outrem. E se todos chegam atrasados e um indivíduo também, então o problema não foi criado por ninguém, há uma causa externa. Ocorre que a realidade pode ser bem diferente desses três exemplos.

Refletindo, por fim, sobre decisões colegiadas

Se os fatores que podem afetar decisões individuais podem ser tantos, conforme demonstrado anteriormente, por que mesmo as decisões colegiadas podem dar certo? Por variadas razões, mas principalmente porque com boas práticas de trabalho das Diretorias e dos Conselhos de Administração (e de outros grupos), que mereceriam outro artigo, é possível prevenir e mesmo cercar várias das armadilhas mentais anteriormente mencionadas, estimulando o debate intelectualmente honesto e respeitoso entre os membros do colegiado que se considera. As decisões e seus desdobramentos poderão ser excepcionalmente bons.

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