Embora eu já tenha usado esse vocábulo, “pedra”, em algumas de minhas crônicas anteriores nesses sete anos de Inv (Inversa), algum leitor mais recente pode não saber a que estou me referindo.

Quando, em 1968, após ter regressado de Nova York, comecei a trabalhar como operador de pregão na Bolsa de Valores do Rio, as cotações das diversas ações eram anotadas numa pedra (mais explicitamente um quadro-negro).

Dois operadores fechavam um negócio. O auxiliar do comprador entregava o boleto num balcão da Bolsa, que por sua vez repassava a cotação para um rapazote. Este, mais do que depressa, galgava uma escada cujo topo se apoiava num corrimão (como esses das farmácias antigas) e subia para uma plataforma estreita junto a… junto à “pedra”.

No quadradinho correspondente ao papel negociado, o clerk apagava o preço anterior e escrevia o novo.

Lá embaixo, na agitação do trading floor, um operador poderia estar perguntando a outro:

Qual foi a última da Belgo (Cia. Siderúrgica Belgo Mineira)?”

Acabei de chegar aqui (respondia o colega), mas lá na pedra (ele dava uma olhada para o quadro negro, que era verde) está a 17.

Por 17 ele poderia estar querendo dizer, por exemplo, 8 cruzeiros e dezessete centavos, porque ninguém perdia tempo dizendo o prefixo, no caso CR$8, já que isso era uma coisa óbvia.

A expressão “pedra” não surgiu à toa, pois as primeiras bolsas de valores funcionavam nas cidades de Bruges e Amsterdã, junto a um muro de pedra. Daí usar-se “pedra”. Não por acaso, a mais importante bolsa de valores do mundo funciona em Wall Street (Rua do Muro).

Tudo isso é história. Hoje em dia, se vê as cotações em laptops, tablets e celulares. Restam poucos trogloditas, como é o meu caso, que já perscrutaram os preços numa pedra.

Durante décadas e mais décadas, a NYSE usou uma ticker tape, com furinhos, como as fitas de telex e de pianolas (estou muito anacrônico na crônica de hoje).

Nas sociedades corretoras, os traders manuseavam a fita, resultado da impressão dos códigos dos furinhos, para ver as cotações, não raro com grande atraso em relação ao momento em que o negócio fora fechado no pregão da Bolsa.

Na capa de meu livro “Os mercadores da noite”, edição da Inversa, são exibidos diversos recortes desses tickers.

Então era assim: os gringos lá com suas ticker tapes e nós com as anotações no quadro-negro (verde).

Se hoje ainda existissem essas metodologias, podíamos dizer, sem sombra de dúvidas, que Wall Street é o dono da pedra.

Sim porque, nos últimos tempos, a B3 não faz outra coisa a não ser seguir a tendência do S&P500, do Índice Nasdaq e do Industrial Dow Jones.

A recíproca não é verdadeira. São Paulo pode levar um tombo cavalar, ou experimentar um bull run colossal, que a “Rua” de Lower Manhattan não fica nem sabendo.

Nem sempre foi assim, com os yankees dando as cartas, 

Durante o bull market 1968/1971, a gente nem olhava as cotações de Nova York. O que interessava mesmo era o que acontecia aqui.

A primeira vez que vi a então Bovespa sofrer um tombaço lastreado em Nova York foi na terça-feira 20 de outubro de 1987.

Na véspera, a Bolsa de Valores de Nova York, representada pelo S&P500 e pelo Dow Jones (o índice Nasdaq já existia mas não tinha a menor importância), perdera um quarto de seu valor, no famoso crash de 1987.

A partir daí, não foram poucas as vezes nas quais a Rua do Muro derrubou, ou puxou, o Ibovespa.

Tanto é assim que os especuladores, gestores e analistas brasileiros acompanham tudo que acontece nos Estados Unidos.

A maior influência ocorreu nos dias subsequentes aos atentados de 11 de setembro de 2001.

Unemployment, US non-farm payroll jobs, PPI, CPI, Beige Book, Housing Starts, Building Permits, New Home Sales, Durable Good Orders, Retail Sales, Trade Balance, tudo isso tem a mesma importância para os profissionais brasileiros do que nossos boletins Focus, IPCs, IPCAs, IPAs, etc.

Isso sem falar das reuniões do FOMC (Federal Open Market Committee – Comitê Federal de Mercado Aberto, do Banco da Reserva Federal), das coletivas de imprensa do chairman do FED e das atas das reuniões do colegiado americano.

Nos últimos tempos, depois que o FED decidiu que a inflação nos Estados Unidos tem de retornar ao patamar de dois por cento ao ano, e está agindo de acordo com essa meta, com raras exceções a B3 segue Nova York.

Hoje mesmo, quarta-feira, 27 de agosto, enquanto escrevo esta crônica, a B3 até que começou bem, nem que seja por causa de um short covering de realização de lucros, tão violentas foram as quedas nos últimos dias e semanas.

A alegria dos touros durou pouco. Logo o Dono da Pedra, ou Dono da Rua, mostrou quem manda.

Pode ser que um dia essa influência diminua, ou mesmo acabe. Ou, finalmente, quem sabe, passe para o mercado chinês, mercado esse que já tem grande importância no Brasil, pois se trata de nosso maior parceiro comercial.

Mas por enquanto isso ainda está longe de acontecer. A pedra daqui espelha a de Nova York, a Dona da Pedra.

Um bom fim de semana para os amigos leitores.

Ivan Sant’Anna

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