Onze anos após a instituição oficial do Dia da Consciência Negra no Brasil, a inclusão de pessoas negras avança em ritmo lento no mercado corporativo. Prova disso é que apesar de as pessoas pretas e pardas representarem 53,8% da força de trabalho no Brasil, elas ocupam apenas 29,5% dos cargos gerenciais, segundo estudo feito em 2021 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É preciso políticas inclusivas.

Uma das formas para empresas reverterem esse cenário, são as ações afirmativas inclusivas. Para Arlane Gonçalves, fundadora e CEO da AG Consultoria, consultora da Dínamo – parceira institucional do Movimento Mulher 360 e uma das Top Voices do LinkedIn em 2020, esse tipo de iniciativa é importante, mas precisa ir além do processo seletivo para que mulheres e homens negros se sintam incluídos e cresçam em suas carreiras.

“São ações temporárias que visam igualar patamares de acesso a direitos e oportunidades. O objetivo é que, com o tempo, não precisemos mais delas. É fundamental ressaltar também que ações afirmativas se aplicam a promoções e à formação de pipeline, e a quaisquer outros processos organizacionais”, diz a consultora em diversidade e cultura inclusiva.

“Equidade não é um trabalho de boa vontade, nem um trabalho voluntário resumido a eventos e engajamento. Podem até ser os pontos de partida – mas, são isso: pontos de partida. O trabalho é realmente sério e precisa avançar, amadurecer e impactar”, complementa.

Imagem: Pexels

Entrevista com Arlane

Em entrevista ao Movimento Mulher 360, Arlane Gonçalves fala sobre o tema e indica caminhos para que empresas, em diferentes estágios na jornada de equidade racial e de gênero, possam avançar nessas pautas inclusivas e impulsionar mudanças não apenas no universo corporativo, mas, também, na sociedade em geral. Confira.

MM360 – Programas com vagas afirmativas para pessoas negras ganharam destaque nos últimos anos, mas ainda há quem se incomode com esse posicionamento nas empresas. Como esse tipo de ação impacta o mercado de trabalho e como podemos fazer com que essas pessoas que se incomodam, entendam os benefícios de ambientes mais equitativos nas corporações?

Ao conversar com lideranças, começo sempre falando sobre igualdade. Nós aprendemos e repetimos a vida toda que “somos todos iguais”, e esta é uma resposta muito rápida e simplista para um país tão desigual como o nosso.

Na nossa pirâmide socioeconômica, por exemplo, homens brancos encontram-se no topo, seguidos por mulheres brancas, que são seguidas por homens negros, e, por último, mulheres negras. Esta realidade não se dá por acaso, mas sim como o resultado de acumulados fenômenos excludentes (como a exclusão do acesso à educação e ao mercado de trabalho) que afetam com mais frequência e mais intensidade determinados grupos sociais – dentre eles, pessoas negras e mulheres. Ou seja, estão atrelados à identidade.

As ações afirmativas são uma das ferramentas necessárias para reverter os efeitos de tais fenômenos excludentes. São ações temporárias que visam igualar patamares de acesso a direitos e oportunidades, por meio de tratamento diferenciado direcionado a grupos historicamente discriminados.

O objetivo é que, com o tempo, não precisemos mais delas. Com o tempo, esta pirâmide não será mais uma pirâmide e estará “achatada”, com nenhum grupo social dominante e nenhum grupo subserviente a outro (aí, talvez, a gente possa de fato dizer que somos todos iguais).

Pensar esta nova realidade, é pensar numa sociedade na qual todas as pessoas tenham a real oportunidade de exercer seus plenos potenciais. Isso implica dizer também que teremos negócios mais prósperos, inovadores e com reais oportunidades de exercer seus potenciais.

MM360 – Pessoas negras ainda são minoria nas organizações e precisam lidar constantemente com microagressões no ambiente de trabalho. Quais ações são necessárias para reverter esse cenário?

A educação é o primeiro e mais contínuo passo. Uma educação provocadora, propositiva e transformadora.

Precisamos educar a organização, precisamos educar a liderança. A educação precisa ser usada como uma ferramenta dinâmica, sendo renovada enquanto a organização existir. Enquanto o racismo for parte da estrutura da sociedade, ele será parte das organizações e precisará ser combatido por meio da educação, dando oportunidades a todas as pessoas de reverem seus comportamentos e concepções.

Ao mesmo tempo, é necessário revisar processos. Mecanismos precisam ser implementados para garantir que sejam minimizadas as possibilidades de reprodução de vieses e microagressões nos processos e práticas formais. Da mesma forma, canais de denúncia e outras ferramentas de responsabilização devem ser preparados para endereçar essas questões com propriedade.

Além disso, lideranças precisam ser colocadas na posição de responsáveis pelo desenvolvimento de uma cultura de pertencimento, atrelando, por exemplo, objetivos e demandas relacionadas em suas avaliações.

Três práticas inclusivas

MM360 – Quais são as melhores práticas para garantir que mais mulheres e pessoas negras ocupem cargos de liderança?

Podemos citar três. A primeira de todas com certeza é a educação, como mencionei anteriormente. A organização e a liderança precisam ser preparadas para atuar de forma intencionalmente inclusiva.

Depois disso, vêm as ações afirmativas, que podem começar pelos processos seletivos para posições de base, mas não param por aí. Eles precisam incluir também as demais posições hierárquicas e chegar até o topo.

Uma terceira prática que pode ser adotada é o Programa de Desenvolvimento Afirmativo, voltado para promover o desenvolvimento de habilidades relacionais e de negócio das pessoas negras e mulheres da organização. Combinado com Mentoria, por exemplo, ele pode ser uma prática bastante aceleradora.

É fundamental ressaltar, também, que ações afirmativas se aplicam a promoções e à formação de pipeline, e a quaisquer outros processos organizacionais.

MM360 – Há uma das datas marco em diversidade, o Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro. Como essa agenda pode contribuir, de fato, para avançarmos na equidade racial e de gênero como sociedade?

Este momento pode ser usado com uma oportunidade de iniciar a conversa sobre o tema com organizações e lideranças que ainda não tenham começado. Tem muita, muita gente, muita empresa, muita organização pública, muita organização da sociedade civil… muita gente mesmo que ainda não se confrontou e não se desafiou a fazer algo em prol da equidade racial. Então, temos que usar com muita estratégia o mês da Consciência Negra como marco significativo para engajar cada agente que compõe a sociedade brasileira.

Uma vez compartilhada a parte inicial desta educação ou, como chamamos, do letramento racial, é hora de cobrar ações. Reais, efetivas. Estruturalmente transformadoras. E, elas, claro, não se restringem apenas a novembro. Mas devem acontecer intencionalmente, em todos os lugares, o tempo todo.

MM360 – Quais recomendações você sugere para as empresas que estão iniciando na jornada de equidade racial e de gênero? E para as que já estão mais avançadas nestas pautas?

Para todas as empresas, minha principal mensagem é: o trabalho pela equidade é institucional como o de qualquer outra área da organização. Isso significa dizer que demanda profissionais específicos dedicados, orçamento alocado, planejamento estratégico, conexão direta com a alta liderança, autoridade e permeabilidade para atravessar processos de outras áreas, conexão direta com as metas da organização.

Equidade não é um trabalho de boa vontade, nem um trabalho voluntário resumido a eventos e engajamento. Podem até ser os pontos de partida – mas, são isso: pontos de partida. O trabalho é realmente sério e precisa avançar, amadurecer e impactar.

Dicas

Para as organizações que estão começando, destaco que esta é, acima de tudo, uma jornada. Leva tempo mesmo. As demandas são, sim, urgentes e legítimas. Mas as transformações culturais não acontecem da noite para o dia. Invistam em educação para transformar mentes e corações, e conheçam as boas práticas de outras organizações para identificar por onde vocês podem começar a agir no cenário de vocês.

Para as organizações já avançadas, destaco que o trabalho em prol da equidade não é apenas interno – ele perpassa toda a cadeia de valor. Então, é também sobre suas relações com fornecedores. Como vocês têm impulsionado e priorizado os negócios de pessoas negras e de mulheres? E negócios de mulheres negras?

O trabalho em prol da equidade é também sobre suas influências políticas, suas relações com agentes públicos. Sobre os eventos e mensagens que vocês endossam. É também sobre as suas grandes decisões de negócio e os impactos que vocês têm sobre toda a sociedade, incluindo o meio ambiente e populações como comunidades ribeirinhas, quilombolas e indígenas.

Ser uma organização equitativa e inclusiva é um novo paradigma de negócio. Todas as suas decisões e seus investimentos precisam ser realizados a partir de uma mentalidade de sustentabilidade e de responsabilização pelo “achatamento” daquela pirâmide que falamos lá no começo. É este o nosso objetivo e é por ele que nós estamos trabalhando.

Arlane Gonçalves, fundadora e CEO da AG Consultoria, consultora da Dínamo – parceira institucional do Movimento Mulher 360 e uma das Top Voices do LinkedIn em 2020.
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