Investidores e profissionais de investimento que os assessoram, por vezes, deparam-se com empresas cujos resultados, antes promissores, tornam-se decrescentes, com a inversão de uma trajetória de desempenho animadora. Em alguns casos, o desempenho empresarial estaciona, durante longo tempo, em um patamar inesperadamente baixo para quem esperava mais. Em outros, a crise pode ser mais grave. Surgem, então, as tentativas de explicações, baseadas nas melhores informações disponíveis e na experiência de quem acompanha o desempenho de empresas.

Estudar exemplos do passado pode ajudar a melhor entender o presente e a fazer projeções mais realistas para o futuro. Neste breve artigo, recuperamos o caso de uma empresa da década de oitenta que, em nossa visão, permanece absolutamente atual e válido para que se entenda como um processo de crescimento empresarial pode resultar em nada menos do que o fracasso. Este caso se tornou um clássico das academias de negócios dos Estados Unidos, após sua ocorrência.

A empresa objeto deste breve artigo se tornou academicamente tão importante que no Massachussets Institute of Technology (MIT), especialistas chegaram a criar um game nela inspirado, operado inúmeras vezes por várias gerações de estudantes de administração. Estamos tratando aqui da People Express Airlines, player do setor de transportes aéreos, que não deve ser confundida com outra empresa de mesmo nome, a qual também operou nos EUA, entre 2010 e 2014.

A companhia considerada – vamos nos referir a ela simplesmente como PEX – foi criada em 1980 e cresceu rapidamente; entretanto, sua performance declinou também com celeridade e ela terminou por ser vendida e deixar de existir. Donald C. Burr, seu fundador, não era um líder despreparado ou neófito no setor de transportes aéreos. Ele teve formação acadêmica pela Stanford University e obteve seu MBA na Harvard Business School. Criou a PEX após uma trajetória de sucesso na Texas International Airlines (Houston), onde participou da recuperação empresarial e chegou ao cargo de CEO. Pouco tempo após, deixou a companhia para criar a PEX. Tratava-se de um profissional vencedor em busca de novos desafios. 

Sob o calor da desregulamentação do setor de transportes aéreos dos EUA, a estratégia da PEX conduzida por Donald Burr pode ser resumida na equação “preços inferiores àqueles da concorrência + serviços com alta qualidade”. Nos primeiros tempos, tal equação deu certo e os empregados da PEXeram percebidos no mercado como altamente motivados. Aliás, a administração de pessoas era disseminada por Donald Burr como um grande diferencial. O tempo avançou, a qualidade da prestação do serviço caiu, o mesmo se deu com a motivação dos empregados, os resultados se deterioraram e, em 1986, após registrar grande prejuízo, a PEX foi vendida à Texas Air Corporation.

Como os agentes do mercado de capitais dos EUA tentaram explicar o que houve após o ocorrido? Alguns entenderam que os líderes da PEX não mantiveram um padrão de liderança sustentado, especialmente após a compra da Frontier Airlines (Denver) pela companhia, que agregou cerca de 4.000 pessoas e uma cultura para administrar – a PEX tinha cerca de 1.200 empregados. Outros citaram o crescimento desordenado, no bojo da desregulamentação do setor aéreo dos EUA. Parte dos analistas criticou a gestão de recursos humanos (RH) da PEX, argumentando que “ideias nobres sobre pessoas nada têm a ver com lucros”. O próprio Donaldo Burr e alguns executivos da companhia apresentaram sua versão do ocorrido: a empresa não teria resistido à reação feroz da concorrência.

Para o professor Peter Senge, no livro “A quinta disciplina”, se a People Express tivesse mantido alta a qualidade dos serviços prestados, com tarifas baixas, mas não tanto quanto aquelas por ela praticadas, teria sido imbatível. A estratégia original estava correta, necessitando, porém, de um ajuste crítico. Mas Peter Senge também aponta que a PEX, que investiu intensamente em aviões e pessoas, falhou em criar algo básico: infraestrutura interna para a prestação do serviço. Sem tal infraestrutura, a qualidade do serviço caiu ao ponto de a PEX ser citada por muitos como “People Distress” (“sofrimento das pessoas”).

Os fatos acima narrados ocorreram nos anos oitenta, mas ajudam a compreender que não basta ter uma estratégia desafiadora: ela precisa ser bem afinada com o ambiente externo, com os mercados consumidores. E também precisa ser sustentável, isto é, ter um modelo de gestão por trás que a suporte. Tal modelo de gestão deve contemplar um conjunto de práticas relacionadas a variáveis críticas da empresa, entre as quais destacamos, além da própria estratégia, a estrutura, processos & tecnologia, pessoas & cultura e o sistema de recompensas.  

Citamos neste artigo dois exemplos de práticas cuja ausência ou ineficácia pode ter sido crítica na PEX. A primeira prática aqui considerada é a construção de cenários de risco. Teria o planejamento econômico-financeiro empresarial percebido que era crítico ajustar o preço do serviço acima daquele praticado, mas ainda abaixo do preço da concorrência? Teria captado que talvez não fosse o momento de a PEX comprar uma nova empresa mais do que três vezes o seu próprio tamanho, em número de empregados?

Uma segunda prática importante de um modelo de gestão robusto é o desenho de processos inteligentes e alinhados à estratégia. Aqui, perguntamos: os processos internos da PEX foram desenhados para manter a qualidade em alto nível, uma das premissas fundamentais da estratégia, isto é, da equação com dois termos antes mostrada? A carência de uma estrutura interna realmente capaz de suportar o crescimento acelerado não parece sugerir que houve falha em processos críticos?

Destacamos, em favor dos líderes da PEX que, nos anos oitenta, a gestão de riscos estratégicos não tinha a ênfase dos tempos atuais, mas, mesmo assim, os riscos existiam. Ao mesmo tempo, enfatizamos que as práticas adotadas para os modelos de gestão das empresas dependem, fundamentalmente, das crenças dos líderes sobre como administrar. Quais eram as crenças dos líderes da PEX? Crescer e crescer, aproveitando a grande onda de oportunidades criada pela desregulamentação do setor de transportes aéreos? Manter a guerra de preços dos serviços prestados em um patamar extremado? Investir apenas em aeronaves e pessoas?

De maneira mais ampla, o que o caso da People Express Airlines (PEX) ensina aos investidores e profissionais de investimento? Em nossa visão, que é preciso questionar os líderes empresariais não apenas sobre a qualidade da estratégia adotada, mas também sobre o modelo de gestão que cria sustentação estratégica. O modelo de gestão, baseado nas crenças dos líderes, deve adotar práticas que favoreçam a construção de uma estratégia robusta e a implantação segura dessa estratégia, via estruturas e processos bem desenhados, pessoas capacitadas e motivadas em bases permanentes (não apenas quando a empresa está em ótima fase financeira) e de sistemas de recompensa a um só tempo motivadores e responsáveis (o que não é necessariamente fácil).

Finalizamos afirmando a nossa crença de que com boas perguntas elaboradas por quem acompanha uma empresa e com um bom nível de transparência dos líderes empresariais, a resposta à pergunta-chave do título deste artigo – o crescimento da empresa que você acompanha é sustentável? – pode surpreender quem pergunta. E também quem responde. A assimetria informacional entre quem administra uma empresa e quem acompanha seu desempenho não impede que os agentes do mercado, especialmente por meio da interação com os profissionais de relações com investidores, contribuam para melhorar o futuro da empresa.

CIDA HESS: Economista e contadora,especialista em finanças e estratégia. Mestre em Contábeis pela PUC/SP, doutoranda pela UNIP/SP. Atua como executiva e consultora de organizações.
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MÔNICA BRANDÃO: Engenheira, especialista em finanças. Mestre em Administração pela PUC/MINAS. Atua como executiva, conselheira de organizações e professora
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