Entrevista com Deborah Patrícia Wright, conselheira de administração no Banco Santander do Brasil e do IBGC, além de membro do Fórum Estratégico de Governança Corporativa da Amcham. Foi presidente de líderes de mercado, como Kraft Suchard Foods, Kibon, Tintas Coral, Parmalat Brasil, Amélia.com.br (e-commerce do Grupo Pão de Açúcar) e Ipsos Brasil, bem como vice-presidente do Grupo Abril de Comunicações.

Acionista – Inicialmente, a senhora poderia compartilhar com os leitores do portal Acionista um momento muito gratificante de sua rica trajetória profissional, no comando de grupos empresariais bem diferentes entre si?

Eu destacaria aqui, entre várias passagens gratificantes e inesquecíveis, o meu envolvimento com o movimento de diversidade e da inclusão. É importante dizer que sou de uma geração precursora de mulheres no topo de grandes organizações empresariais. E sinto-me feliz de usar as minhas vivências corporativas em prol da diversidade nas organizações e da ascensão profissional de mulheres talentosas e capacitadas.

Há cerca de 15 anos, nós, um grupo de executivas, iniciamos um movimento para atuar em prol da maior representatividade da mulher nas várias instâncias organizacionais. Lançamos a semente do Women’s Corporate Directors (WCD) em nosso País. Iniciamos o nosso trabalho investigando uma questão básica: por quê nós, mulheres, somos tão poucas na cúpula das empresas? A resposta, sob o prisma masculino, veio rápida: “ora, não existem mulheres preparadas”. O problema é que tal resposta não correspondia à realidade, pois profissionais capacitadas existiam; todavia, elas não eram conhecidas por aqueles que tomavam decisões no momento de escolher conselheiros de administração. Atualmente, temos orgulho de dizer que o WCD no Brasil tem um banco com mais de 300 nomes de mulheres altamente qualificadas para atuar em conselhos de administração.  

Gostaria também de mencionar o programa de mentoria para conselheiras, criado junto ao IBGC, em 2015. Atualmente, o programa PDeC – Programa de Diversidade em Conselho – está na 7ª edição, sendo substancialmente disputado por mulheres com potencial de serem futuras conselheiras. E eu citaria o lançamento recente, pelo WCD, do programa Conselheira 101, para mulheres negras. Aproveito, ao mencionar este novo programa, para lembrar que, ao lado da questão da mulher, existe uma questão étnico-racial, também muito importante para que se possa construir ambientes realmente diversos nas organizações. A jornada tem sido longa, mas os frutos estão visíveis. E novos frutos virão, o trabalho continua.

Acionista – Práticas ESG são fundamentais à gestão da sustentabilidade e têm sido substancialmente disseminadas, em âmbito corporativo. Como a senhora avalia essas práticas?  E como a governança corporativa ajuda nesse contexto?

Práticas ESG são importantes para a gestão da sustentabilidade, no âmbito das organizações, em três vértices, correspondentes às letras da sigla: E (environmental), S (social) e G (governance). As práticas ESG podem conectar a realidade da organização com a realidade planetária, a depender de um conjunto robusto de métricas e metas relacionadas aos três vértices citados. Lembrando que sem medir, não é possível realizar e melhorar a realidade.

Ao mesmo tempo, entendo que não bastam métricas e metas, é preciso que a governança, correspondente à letra G da sigla ESG, direcione a organização para uma atuação responsável e sustentável, com foco não apenas nas gerações presentes, mas também nas futuras. Liderança efetiva dos governantes organizacionais – e aqui destacado a importância desses líderes – é fundamental para esse direcionamento.

Assim sendo, é papel dos líderes organizacionais definir, antes mesmo das métricas e metas, o propósito da organização, refletindo o compromisso com as pessoas e o Planeta, indo além do retorno econômico. Todo esse conjunto: propósito, métricas e metas é absolutamente importante para materializar as práticas ESG dentro da organização para viabilizar e operacionalizar as mudanças de maior impacto socioambiental.

Acionista – Como a senhora percebe o vértice S (social) do ESG e, dentro do mesmo, as pessoas, de forma abrangente e indo além da esfera organizacional?

A meu ver, ao falarmos do tema pessoas, relacionando-o nesta resposta às organizações – e elas são onipresentes no mundo contemporâneo! – temos que desdobrá-lo em três elementos fundamentais: 1. dignidade e equidade; 2) saúde e bem-estar das pessoas e da organização; e, 3) re-skilling e up-skilling para o futuro.  

Consideremos a dignidade e a equidade: aqui se inclui a questão da remuneração, bem como a diversidade, anteriormente comentada, abrangendo aspectos de gênero, étnico–raciais, idade, geográficos, de orientação sexual e outros. Sobre remuneração, uma métrica simples, a relação entre a remuneração total do CEO e a remuneração total do empregado menos remunerado em uma organização, nos dá uma medida do nível de justiça organizacional, permitindo ainda comparar organizações e grupos de organizações. Essa relação está associada com a desigualdade social mais ampla, que existe no Brasil e no restante do Planeta. Níveis de desigualdade altos nas empresas e demais organizações da economia são quase que uma licença para a desigualdade social; ou, no mínimo, um sinal vermelho para a  real desigualdade de educação e oportunidade que existe em nosso País. Trata-se de algo que precisa ser repensado e endereçado.

Em seguida, consideremos a saúde e o bem-estar das pessoas e da organização. Aspectos como segurança no trabalho, acesso a seguro-saúde e cuidados com a saúde mental necessitam receber grande atenção. Esses aspectos ganharam importância renovada na pandemia COVID-19. Em minha visão, os líderes organizacionais, ao longo da pandemia (ainda não totalmente dominada), mostraram elevada capacidade de lidar com a saúde e o bem-estar de trabalhadores. Esses líderes tiveram que lidar, por um lado, com o medo de contaminação por um vírus perigoso e, por outro lado, com o distanciamento social, onde este se mostrou viável. Não foi algo trivial e trata-se de algo em que se deve seguir prestando grande atenção, com ou sem a pandemia COVID.

Na sequência, consideremos o re-skilling e o up-skilling para o futuro. Eles contemplam o investimento e o tempo associados à capacitação e ao treinamento das pessoas, preparando-as para atuarem em uma economia em que os ativos intangíveis ganham grande importância, de muita tecnologia e dados. Em minha visão, não é possível preparar empresas para o presente e o futuro sem pensar no capital humano e em sua capacitação em bases contínuas para esse contexto. Não tenho dúvida de que a criação de valor das empresas, cada vez mais, dependerá de re-skilling e up-skilling.

Com base nestas reflexões, a meu ver, a sustentabilidade, em seu vértice social e considerando as pessoas, requer remuneração mais justa (menor gap entre as maiores e as menores remunerações), diversidade efetiva (a base de clientes é diversa, afinal), chances igualitárias para pessoas capacitadas, grande atenção à saúde física e mental das pessoas, capacitação e treinamento para uma economia que exige, mais do que nunca, muita inteligência. E muito mais. Tudo isso resulta na criação de culturas organizacionais renovadas e dinâmicas, absolutamente necessárias diante de grandes desafios organizacionais e globais. E tudo isso se aplica a organizações e pessoas em muitos países e acredito que esta resposta seja substancialmente abrangente.

Acionista – Como atuante em prol da diversidade, como a senhora avalia o momento atual do nosso País com respeito a este tema?

Temos ainda um longo caminho a percorrer. Por um lado, está comprovado que as organizações com diversidade em suas cúpulas conseguem capturar melhor o Zeitgeist, o espirito do tempo atual. Sabemos – na verdade, temos certeza! – que diversidade agrega valor às decisões de cúpula das organizações. Por outro lado, ainda existem vastas maiorias sub-representadas em posições de liderança, nas organizações do Brasil e de outros países. E não me refiro apenas à liderança no topo, mas também àquela que precisa existir por toda a organização, como, por exemplo, nas médias gerências.

Ao mesmo tempo, e pensando em nosso País, se comparamos o momento atual com a situação de alguns anos atrás, podemos afirmar sem medo de errar que estamos em outro patamar, que houve evolução significativa. Sou muito agradecida – e até me sinto orgulhosa – por ter contribuído para mudar o status quo, junto com outras executivas que também buscam mudanças, como a ampliação da diversidade. Movimentos como o do WCD e o do IBGC lutam para que exista diversidade cognitiva. O trabalho continua, conforme dito antes.

Acionista – Como a senhora percebe o vértice E (environmental) do ESG, de forma abrangente e – novamente – indo além do contexto organizacional?  

Existe urgência na crise climática, um amplo conjunto de pesquisas científicas aponta essa emergência. Se vários países têm evoluído em termos de legislação, e se várias empresas têm melhorado significativamente seus processos operacionais, os desafios ainda são tremendos e de âmbito planetário, não apenas local. Coletivamente, a cada ano, lançamos 51 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa (GEE´s) na atmosfera; disso resulta, como não poderia deixar de ser, um preocupante (ou seria alarmante?) aumento da temperatura média do Planeta.

As emissões têm várias fontes: produção e uso de eletricidade, aquecimento e refrigeração de moradias, transportes, agricultura de larga escala e a necessidade de cimento e estruturas de aço na construção civil – apenas para mencionar, e de forma não exaustiva. A queima de combustíveis fósseis, especificamente, é uma das principais origens das emissões; petróleo e carvão são fontes baratas de energia, sendo usados na produção de 2/3 da eletricidade consumida mundialmente. Infelizmente, o progresso, o crescimento econômico e a industrialização têm significado mais emissões de GEE´s na atmosfera.

Segundo especialistas, para evitarmos um desastre climático de amplitude global, planetária, será preciso que os países se comprometam com o objetivo comum de zero emissões de GEE´s até 2050. Será necessário um esforço gigantesco de inovação para que possamos usar apenas energias limpas. Serão necessárias mudanças profundas no sistema econômico mundial, a fim de que os objetivos do clima sejam alcançados. Países como Alemanha e Dinamarca têm apresentado avanços em energia eólica e solar nos últimos anos, mas serão precisos estímulos em ampla escala para que o mercado de energias alternativas seja mais competitivo, tenha preços mais acessíveis.

A completa alteração da matriz energética mundial, com a substituição de combustíveis fósseis por energias limpas ou renováveis, exigirá investimentos massivos do setor público, da iniciativa privada e de doações/filantropia de fundações e famílias bilionárias. A Agência Internacional de Energias Renováveis estima que o investimento necessário seja de estimados US$ 131 trilhões até 2050, despendidos ao longo de 28 anos de compromisso. Para se ter uma “idéia de grandeza”, pode-se comparar esse montante com o valor do PIB Mundial de 2020, que foi US$ 85 trilhões.

Na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima de 2021 (COP 26), a China declarou que se esforçará para atingir o Net zero até 2060. Atualmente, a fonte de energia principal desse País é o carvão. Para alcançarem o Net zero, será preciso que os países mudem políticas governamentais, criem novas regulamentações, tributos, estímulos etc.  Será necessária muita cooperação internacional. E acima de tudo, será necessária absoluta vontade política dos líderes das nações e das organizações privadas, estatais e do terceiro setor. A boa notícia é que o setor financeiro está engajado e participando na ajuda do processo de transição para uma economia de mais baixo carbono.

Acionista – O Brasil tem um dos maiores ativos ambientais do Planeta: a Amazônia. Como devemos cuidar desse ativo?  

A Amazônia é uma parte fundamental da emergência climática. Não é demais repetir: existe urgência na crise climática. E por sua importância física para o Brasil e o nosso Planeta, não há dúvida de que a floresta amazônica é um dos itens cruciais de uma agenda socioambiental responsável.

Sem entrar em agendas políticas específicas, não tenho dúvida de que a preservação da Amazônia, a exploração responsável de seus recursos e o cuidado com os povos amazônicos, de modo a lhes assegurar efetivas condições de vida e dignidade, devem ser objeto de grande preocupação dos brasileiros e de seus representantes políticos. E acredito que devemos ler e nos inteirar sobre o que ocorre na Amazônia, sobre como seus recursos têm sido explorados, sobre suas potencialidades e dificuldades, sobre como seus povos têm vivido. Conhecimento resulta em conscientização e ações.

No que tange a ações para cuidar adequadamente da Amazônia e de seus habitantes, acredito que o sistema financeiro tem dado mostras de grande interesse pelo assunto. Em 2020, três grandes bancos privados no País se uniram e criaram o Projeto Amazônia, visando contribuir para a criação de um caminho de desenvolvimento sustentável dentro da floresta, conciliando a busca de dignidade para aqueles que ali vivem e o desenvolvimento econômico que não coloque a floresta sob risco. Penso que o sistema financeiro, em âmbito global, será necessário para os desafios que a sustentabilidade impõe.

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Nossa entrevistada Deborah Patrícia Wright atua há 20 anos em Conselhos de Administração, sendo quatro no Conselho da Escola Graduada de SP, dois no Hospital Samaritano, seis no Conselho das Lojas Renner, onde foi presidente do Comitê de Sustentabilidade. Desde 2017, atua no Conselho do Banco Santander do Brasil, sendo também conselheira do IBGC. Participou por quatro anos no Conselho Consultivo da Eurofarma S.A. A conselheira atuou como executiva durante 30 anos e tem longa vivência nas indústrias de bens de consumo não duráveis e varejo, além de mídia e comunicações. Foi presidente de líderes de mercado, ao longo de 15 anos: Kraft Suchard Foods, Kibon, Tintas Coral, Parmalat Brasil, Amélia.com.br (e-commerce do Grupo Pão de Açúcar), Ipsos Brasil. Foi também vice-presidente do Grupo Abril de Comunicações. É membro do Fórum Estratégico de Governança Corporativa da Amcham, sendo fortemente engajada na promoção da igualdade de gênero e diversidade. A conselheira Deborah Patrícia Wright é graduada em Administração de Empresas pela EAESP-FGV.

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