Hoje damos início a publicação de entrevistas semanais no Mulheres em Ação. E para começar esta série, ninguém melhor do que nossa parceria. A Elas Bank é o primeiro banco voltado totalmente às mulheres. Ele nasceu a partir da criação de uma fintech. Conheci o projeto ainda na fase inicial, quando também começamos o Mulheres em Ação, durante o segundo semestre de 2019. Depois dos primeiros contatos com a fundadora, Vanise Zimmer, o Elas Bank se tornou nossa parceira, por meio da publicação de artigos.
O foco na educação, que acontece de diversas formas, uma delas por meio do compartilhamento de conteúdos, é um dos pilares de atuação do banco que, após uma fase de captação de investimentos e de clientes, está finalizando a estruturação de produtos e serviços. Mas, antes dessas etapas, a Elas Bank e todo o diferencial que a fintech carrega já nascia: o desenvolvimento e o uso de um robô que, por meio de um algoritmo, entende as necessidades das clientes e estrutura as melhores alternativas financeiras para elas.
Depois de um pouco mais de um ano de encontro inicial que tive com Vanise Zimmer, voltei a conversar com ela. A ideia foi conhecer esta mulher inovadora e contar para você como tudo começou no primeiro banco voltado 100% para mulheres no Brasil. E é ela mesmo que nos conta…
O começo
O projeto teve início em 2018 comigo e com o Christian Zimmer, meu esposo. Somos casados há 20 anos, e nos conhecemos há 22 anos. O nosso trabalho surgiu da fusão da modelagem matemática com as ciências humanas para melhorar a vida das pessoas que buscam ter maior controle das suas vidas financeiras, aprender hábitos de poupança e investir para alcançar seus objetivos que podem ser pagar pelos estudos, comprar uma casa e alcançar uma meta financeira .
A Elas Bank utiliza um robô que toma decisões de investimento, que foi avaliado e testado por mais de 20 anos no mercado financeiro para aprimorar as previsões financeiras. No mundo, existem somente três desses robôs. Eles partem de um trabalho de programação de matemáticos estatísticos. Um destes robôs é propriedade do ElasBank e tem a proposta de reduzir a complexidade dos investimentos.
Uma questão de pertencimento: como a história da Vanise se conecta com o propósito do Elas Bank
Cresci em Minas Gerais, região rural, onde a natureza era meio ambiente e a questão da sustentabilidade era vital. Cresci em uma comunidade negra, e era vista como diferente dos demais por ser muito branca. Naquele momento, já entendia o que era discriminação, que também sofria pela via econômica: minha família era muito simples, mas uma parte da família era muito rica. Cresci cercada de uma discriminação social, de raça e gênero.
Me formei em química. Trabalhei na empresa Belgo Mineira, e parti para a vida de pesquisadora em um laboratório na Universidade de Minas Gerais. Anos depois, migrei para Ciências Humanas, por que estudar o comportamento das pessoas, me interessava muito mais. Iniciei minha carreira como pesquisadora na área de Psicologia em 2002. Comecei esta fase da minha vida trabalhando com crianças no Projeto Curumim, na favela de São Geraldo, em Belo Horizonte. Foi onde comecei a entender a gravidade da segregação de gênero.
Na época, era muito evidente as diferentes visões de mundo de meninas e meninos, especialmente, naquela localidade. Ao serem questionados sobre o que queriam ser quando crescessem, eles diziam que queriam ter dinheiro e apontavam uma profissão que pudesse trazer status, como bombeiro, ou policial. Mas elas, as meninas, não tinham noção disso, e diziam que queriam ser mães, para ganhar um enxoval e brincar de boneca. E a realidade do local era que a maioria delas, já eram gestantes aos 15 anos.
A partir daí, passei a focar meu trabalho nesta questão de gênero. Me especializei em estudos da Psicologia do Trabalho, tive participação na idealização desta norma NR17, que priorizou a saúde feminina, o gênero e a saúde do trabalho. Fiz mestrado em Psicologia Social, quando estudei a origem dos casos de LER-DORT em trabalhadoras de telefonia e segui em seguida parti para uma especialização em estudos de gênero, na primeira universidade de gênero, em Hannover, na Alemanha, onde estudavam 900 mulher de 141 países, a International Women’s University .
Ali comecei minha trajetória como pesquisadora na área de gênero, através de uma pesquisa onde busquei desenvolver uma metodologia de investigação do trabalho feminino. Na época, as mulheres tinham 80% de indicadores de adoecimento em profissões marcadamente femininas, como na telefonia, onde os homens eram minoria e respondiam apenas por 20% desses indicadores. Fiz minha pesquisa exatamente nesta área profissional, e me deparei com o fato de que as mulheres tinham uma carga de trabalho três vezes maior, para a mesma função, do que os homens. E a tarefa era a mesma, com tempo prescrito de 29 segundos. Mas essa carga superior, era originada por causa da demanda de gênero. Os homens executavam a tarefa mais devagar e as mulheres faziam mais entrada de dados em menor tempo. Além disso, eram mais dedicadas a encontrar com mais afinco a informação para o cliente.
A pesquisa embasou minha dissertação que foi premiada e apresentada durante um Congresso na Suécia “Women’s work and Health”. Voltei para o Brasil e fui fazer doutorado em Engenharia de Produção na Universidade de São Paulo (USP), e escolhi, dessa vez, pesquisar uma profissão segregada por homens para entender como se constrói as referências de gênero na relação com o trabalho. Comecei a pesquisar gestores de portfólio de risco e desenvolvi uma modelo dinâmico de tomada de decisão que considerava todas as etapas do processo cognitivo, a fim de decifrar como era feita a escolha de investimentos para compor o portfólio. A partir daí, liguei os dois assuntos – gênero e análise financeira.
E passei a estudar como o meio ambiente modelava os estereótipos de gênero adaptação ao seu meio ambiente. Me tornei uma pesquisadora independente de gênero e ingressei na área de clínica da Psicologia, atendendo pessoas com dificuldades em relação a dívidas, gastos compulsivos, dificuldades com o dinheiro. Os 20 anos de clínica, que já se passaram, me deram amplo entendimento da sociedade e das relações de questão de gênero e finanças.
A Elas Bank
A Elas Bank oferece um completo ecossistema de serviços financeiros para as mulheres. Oferecemos todos os serviços que o mercado disponibiliza, como conta, cartão, planejamento financeiro, investimentos, e agora vamos disponibilizar, crédito, seguros, câmbio e no próximo ano o e-commerce. Nossa conta, planejamento e investimentos, estão conectados ao sistema de open banking que já está em operação. A fintech oferece produtos para mulheres de todas as classes sociais, na maioria gratuitos ou a com preços baixos – um dos princípios das finanças sociais. Abrimos mão do lucro com abertura de conta e ganhamos apenas com o spread na gestão dos investimentos, que é de 0,5%. Conseguimos manter esse patamar porque o uso do robô na avaliação do investimento, do perfil do investidor, reduz nosso custo.
E funcionamos como qualquer outro banco. A nossa conta é gerida por uma instituição de pagamentos monitorada pelo Banco Central. Nosso modelo de negócio é mais ou menos o mesmo que outras instituições financeiras, com uma instituição de pagamento, autorizada a funcionar e fiscalizada pelo BC. A maioria das fintechs não tem conta própria. Utilizamos o serviço de BAS (serviço de conta) também. E contamos com uma gestão de tecnologia dos dados e de compliance.
O diferencial da Elas Bank é o approach com as mulheres, por meio do robô, que faz a análise do perfil, com linguagem acessível, e a possibilidade de ter uma integração de produtos com a conta bancária. Ao colocar dinheiro na conta, a cliente vai ser estimulada a fazer o planejamento financeiro automatizado e a investir os recursos usando o robô.
Ao incluir seus dados no sistema, o robô faz o planejamento financeiro a partir do conhecimento de como usa o seu dinheiro mensalmente. E monta uma carteira de investimentos com base no que sobrou.
E nosso trabalho é complementado com educação por meio de conteúdos. Estamos trabalhando para criar novas parcerias voltadas à educação financeira. Mas nosso modelo não é conteudista, porque sabemos que a população tem pouco tempo para ler e quer aprender de forma fácil, com conteúdo sensível ao discurso de gênero – Nós quebramos paradigmas. E também vamos iniciar com um podcast falando sobre a vida das mulheres, e embasando eles por meio de análise de dados, relato de profissionais e pesquisas.
Um exemplo dessa abordagem é ter consciência de quanto a mulher gasta para menstruar e reproduzir. O quanto isso custa ao longo da sua vida considerando o consumo de absorventes, anticoncepcionais, consultas ginecológicas, ultrassom, mamografia, papanicolau, parto e anestesia e reposição hormonal: cerca de R$130 mil reais! E partindo de estudos sobre o ciclo de vida das mulheres, a Elas Bank pode ajudar as mulheres a se organizarem financeiramente para ter este valor, através de conscientização, aprendizagem para criar a reserva financeira e investimentos.
Trabalhamos para que as finanças não sejam mais um tabu na vida delas. Todo dia, quando escolhemos onde compramos, quanto compramos e o tipo de roupa que usamos, estamos tomando decisões de finança, mas muitas de nós não têm noção disso. E essa postura é cultural. As mulheres foram retiradas, historicamente, das decisões financeiras, mas estamos mudando esta realidade para que cada vez mais mulheres sejam incluídas no sistema financeiro e tenham acesso aos benefícios de uma vida financeira saudável.