( *) Nysse Arruda
O estuário do Tejo – com seus mais de 80 milhões de anos de história – é um complexo ecossistema, extremamente importante para o equilíbrio da natureza e de Lisboa. A dinâmica da circulação das águas no maior estuário de Portugal (com as marés oceânicas a cada 12 horas, as correntes, o caudal, as zonas intertidais, os bancos de vasa, os sapais) proporciona um ambiente único e muito produtivo que é a base da biodiversidade.
Durante mais de dois séculos os golfinhos têm marcado presença recorrente nas águas do Tejo (com uma exceção nos anos 1960), como comprovam dados históricos, registos científicos e relatos de pescadores.
Mas a intensa utilização do estuário do Tejo por parte das atividades humanas constitui uma ameaça para as populações de golfinhos com consequências a médio e longo prazo, diz Ana Henriques, Técnica de Oceanos e Pescas da ANP/WWF Portugal.
As atuais ameaças ao estuário são múltiplas – redução do caudal a montante, degradação e perda de habitats naturais (especialmente áreas de sapal), poluição das águas e dos sedimentos, contaminação de animais e plantas, pesca excessiva e proliferação de espécies exóticas (como a ameijoa japonesa), tráfego marítimo, agricultura, indústria, aquacultura e a própria atividade da população (lixo urbano, plásticos, águas residuais…).
A ANP/WWF lançou um inédito relatório sobre o Estuário do Tejo e os seus golfinhos, alinhando dados sobre a qualidade ambiental, comunidades de peixes, moluscos, crustáceos e aves e também as principais fontes de pressão como a poluição, tráfego marítimo, pesca, ocupação das margens, destruição de ecossistemas e habitats … e a realidade é que resta apenas 1% das áreas naturais no estuário.
Observaram, registaram e estudaram a presença de golfinhos no Tejo a partir da Torre VTS, em Algés (sede do Centro de Coordenação e Controlo de Tráfego Marítimo e Segurança do Porto de Lisboa e base do Observatório Golfinhos no Tejo) – juntando biólogos e cientistas voluntários de diversas entidades de investigação portuguesas.
O relatório foi apresentado na Biblioteca Municipal de Alcântara pela ANP/WWF, em parceria com a Fundação Oceano Azul, MARE-ULisboa e MARE-ISPA, com a presença do Secretário de Estado da Conservação da Natureza, João Paulo Catarino, e o patrocínio da plataforma Probably Better Now, uma iniciativa da cerveja Carlsberg.
Para compreender a visita dos golfinhos é necessário conhecer em detalhes este sistema dinâmico e identificar as várias fontes de pressão ambiental a que está sujeito para compreender as visitas dos golfinhos, explicou Ângela Morgado, Diretora Executiva da ANP|WWF.
Só assim será possível perceber que tipo de impactos e alterações estão a ocorrer devido às atividades humanas e definir ações efetivas para minimizar esses impactos, melhorar a sua saúde e permitir que as visitas dos golfinhos continuem…
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As especialistas Ana Henriques, Marisa Batista e Rita Sá disseram que as medidas de conservação a aplicar devem considerar, no caso dos golfinhos, todo um conjunto de habitats dinâmicos que vão desempenhar diferentes papéis influenciando a sua presença e fornecimento de alimento.
“Os golfinhos ocupam um lugar no topo da cadeia alimentar e os avistamentos no estuário mostram que existem condições ecológicas favoráveis a esta presença e que devem ser preservadas”, ressaltou Ana Henriques.
É assim invocada uma ação consertada e holística entre governança, conservação e restauro ecológico, investigação e conhecimento e principalmente a sensibilização e educação da sociedade civil, numa abordagem multifacetada deste estuário que banha a capital portuguesa e que trouxe mundos ao mundo como tão bem expresso está no verso “Pelo Tejo vai-se para o Mundo” (Guardador de Rebanhos, Poema XX, Alberto Caeiro, heterónimo de Fernando Pessoa).
(*) Nysse Arruda é jornalista luso-brasileira, especializada em náutica, autora de diversos livros sobre regatas oceânicas internacionais e fundadora e curadora do Centro de Comunicação dos Oceanos-CCOceanos – a série de palestras livestream e presenciais a abordar os mais diversos temas relacionados com os oceanos, conectando os países de Língua Portuguesa e tornando Portugal um polo de partilha de informação atualizada sobre os oceanos. Videoteca CCOceanos Palestras no YouTube. O texto acima foi publicado originalmente no jornal digital A Mensagem, de Lisboa, em 25.10.22