A questão do desmatamento na área da Amazônia Legal foi uma grande pauta de 2020. O ano, como já te contamos no podcast da Via Sustentável, teve níveis muito maiores de desmatamento do que o esperado. A taxa chegou a ser três vezes maior do que a meta proposta pelo Brasil na Convenção do Clima na edição de 2009, propondo os dados para 2020 (segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe).

2021 começou com os números de alertas de desmatamento mais baixos: janeiro e fevereiro tiveram metade dos números em comparação com o mesmo período no ano passado. Os dois primeiros meses do ano tiveram alertas em 209 quilômetros quadrados de floresta, em contraponto com os 470 quilômetros quadrados de janeiro e fevereiro de 2020. A notícia parece ser boa, certo? Não necessariamente. Por mais que represente uma queda, de janeiro para fevereiro houve um aumento de aproximadamente 40%. Se cada mês aumentar essa quantidade, podemos ter um problema ainda maior em dezembro.

Além de estarmos matando esse grande patrimônio, estamos trazendo consequências gravíssimas para o nosso dia a dia. Em 2019, ano que também foi marcado por muitas queimadas na região, o aumento das emissões de gases causadores do efeito estufa aumentou 89%, em comparação com 2018. O município de São Félix do Xingu, no Pará, foi o maior responsável no país: foram 29,7 milhões de toneladas, número mais alto que o do Uruguai e da China. Não é coincidência que esse município é o que tem o maior número de cabeças de gado no país. A pecuária está muito envolvida no desmatamento.

Em dezembro, um estudo da Global Witness ligou os desmatamentos com as empresas JBS, Marfrig e Minerva. Essas compraram gado de 379 fazendas, entre 2017 e 2019. Isso totalizou no desmatamento ilegal de 20.000 campos de futebol, infringindo os termos de conduta estabelecidos pelo Ministério Público Federal e suas obrigações legais. Além disso, bancos da União Europeia e dos Estados Unidos, junto com alguns brasileiros, ajudaram a contribuir com RS 14 bilhões para empresas de carne bovina. São eles: Santander, Deutsche Bank, Barclays, Morgan Stanley, BNP Paribas, ING, HSBC, Bradesco e Banco do Brasil.

JBS anunciou no dia 23 de março que pretende zerar o balanço de suas emissões de gases de efeito estufa até 2040. A empresa afirmou que irá, nos próximos 10 anos, investir 1 bilhão de dólares em soluções para reduzir as emissões em suas atividades. Em 2019, as fábricas da companhia geraram 4,6 milhões de toneladas de emissões de carbono, enquanto 1,6 milhão de toneladas vieram do uso de energia. Além disso, a JBS afirmou que quer deseja obter uma “cadeia de gado – incluindo os fornecedores de seus fornecedores – livre de desmatamento ilegal na Amazônia até 2025.” E até 2030 querem alcançar essa meta nos outros biomas brasileiros.

O relatório completo da Global Witness está disponível em PDF no final do texto.

É importante lembrar a diferença entre incêndios e as queimadas, pois não são a mesma coisa. A queimada é uma prática primitiva da agricultura, com intuito de limpar o solo e assim poder utilizá-lo para plantações ou formação de pastos. Ou seja, tem o propósito de dizimar uma área. Isso é o que ocorre na Amazônia agora, com os pecuaristas que destroem a floresta com o aval de grandes empresas e apoio de financiadores internacionais.

O Brasil está se prejudicando financeiramente?

Com a situação atual não é difícil compreender se ocorressem perdas na área. E ocorreram. O banco BNP Paribas, um dos maiores da França, anunciou em fevereiro que iria parar de financiar empresas que produzem ou compram carne bovina, ou soja, que foram cultivadas em terras desmatadas ou convertidas depois do ano de 2008. Também irão exigir, até 2025, que seus clientes apresentem a rastreabilidade total dos setores de carne bovina e soja, financiando apenas os que implementarem uma estratégia de desmatamento zero. Algumas organizações ambientalistas, como a Reclaim Finance e a Canopée – Forêts vivantes, reclamaram que o prazo de 2025 permite que ainda ocorram muitos desmatamentos.

Em junho do ano passado, fundos de investimento que gerenciam ativos de valor aproximado de R$ 20 trilhões requisitaram ao Brasil a suspensão do desmatamento na Amazônia. Eles advertiram para um grande risco na biodiversidade e um “risco sistêmico” nos seus portfólios. Além disso, na mesma época, sete empresas europeias de gerenciamento de ativos afirmaram à agência Reuters que tirariam os seus investimentos em produtores de carne, operadoras de grãos e em títulos do governo do Brasil, se não houvesse alguma solução para a destruição da floresta. As empresas foram as seguintes: Storebrand, AP7, KLP, DNB Asset Management, Robeco, Nordea Asset Management e LGIM.

Com a falta de visualização de progressos, alguns fundos de investimento estrangeiros começaram a realizar mudanças que afetaram o Brasil. O Fundo Soberano da Noruega tirou de seu portfólio a Eletrobrás e a Vale e o presidente do fundo, Jan Erik Saugestad, reforçou a preocupação com os desmatamentos e incêndios no país, e também com o aumento de denúncias de ataques a indígenas, ambientalistas e defensores dos direitos humanos.

Quem está ajudando a diminuir os desmatamentos? E como?

Uma medida que foi adotada pelo Inpe já estava sendo planejada há 13 anos: o Amazônia 1 é o primeiro satélite 100% brasileiro e foi feito com o intuito de monitorar a floresta. Foi investido o valor de R$ 380 milhões e ele foi lançado no dia 28 de fevereiro. O satélite irá fazer parte do Denter, um sistema do Inpe que registra o desmatamento em tempo real e envia as informações diariamente para o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, o Ibama.

Alguns especialistas enxergam a Amazônia como uma possibilidade de investimentos com alto retorno. Antes, esse pensamento era diferente, pois a área não era tão importante na visão econômica, já que contribui pouco com o PIB. Mas as movimentações de proteção ambiental trouxeram uma mudança na maneira que a região é vista. Além disso, os fatores ESG ganham mais e mais popularidade. Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), afirma que a Amazônia deveria ser tratada como um ativo e não como passivo. Ela completa dizendo que uma economia que valorizasse a floresta poderia ter impacto de R$ 2,8 trilhões no PIB.

Como uma forma de ajudar a preservar a sua parte da Amazônia, o Peru vai investir 50 milhões de dólares para a proteção dela. O anúncio também afirma que eles buscam ajudar a reduzir as emissões de carbono em 40% até 2030. As medidas devem ser implantadas a partir de agosto de 2021. A ajuda externa na parte brasileira ganhou mais notoriedade quando o presidente dos Estados Unidos Joe Biden se manifestou sobre o assunto durante sua campanha presidencial.

No início de março, o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, anunciou que o Brasil está trabalhando junto com os Estados Unidos no combate às mudanças climáticas. As conversas parecem estar ocorrendo em parceria e as diferenças que persistem são as de como abordar os problemas. O chanceler confirmou a presença de desmatamento ilegal na área e afirma que os dois países buscam cooperar na questão de como lidar com o desmatamento.

Biden divulgou um relato em janeiro pedindo que autoridades criem um plano para impulsionar a proteção da floresta e outros ecossistemas críticos que servem como “sequestros de carbono globais”. Além disso, um conjunto de 20 universidades brasileiras e estadunidenses emitiram um relatório em janeiro pedindo diretrizes para bloquear produtos ligados à destruição da Amazônia. Esses seriam a carne bovina, a soja e a madeira, vindos do Brasil.

Recuperando trechos da coluna Via Sustentável de Nelson Tucci, ele reforça um consenso que promover investimentos verdes ao longo dos anos, é uma das promessas de Joe Biden, com uma série de medidas a serem implementadas nos planos interno e externo e, a confirmar o discurso de campanha, ao tema Amazônia. Se irá ameaçar com boicote (ao pedir uma política mais clara de preservação), ou facilitará investimentos na região, ainda é cedo para se especular.

É previsível que por seu histórico poderio econômico, o país do Norte continue protagonista em vários campos – em nível global – voltando a acatar e atacar políticas em favor da segurança ambiental do planeta.      

A discussão é longa, até porque os Estados Unidos não são propriamente um exemplo no item emissão de, mas é líquido e certo também que a Amazônia será lembrada permanentemente. Negociador, pragmático, Biden tem poder de diálogo (e persuasão, portanto). Neste sentido, é desejável que o Brasil se enxergue em um sofisticado tabuleiro de xadrez e não em uma prosaica arena romana ou ringue de vale-tudo. Talvez seja este o momento de Hamilton Mourão avocar para si toda a estratégia amazônica, pois  identifica claramente a diferença entre a Mata Atlântica e os biomas da Amazônia, bem como conhece o solo e o subsolo da região. Ele sabe que por ali podem passar, vez ou outra, algumas antas, mas girafas jamais.

Nesta mesma linha, finalizamos com as dicas do artigo especial da coluna Saída pelo modo ESG, com as 3 reflexões de Ricardo Voltolini (*), em busca de guia o investidor interessando em oportunidades nesta pauta, afastando-se dos riscos da “maquiagem verde”.

  • Compreenda claramente o estágio de maturidade da empresa no tema e o quanto ainda precisa avançar antes de sair falando quão sustentável ela é, sob argumentos, no mínimo, arrogantes, como o de que a “sustentabilidade está no nosso DNA.” É certo que sustentabilidade não está no DNA de sua empresa, a menos que ela tenha nascido (caso raro, a ser investigado pela ciência) orientada para o conceito. Verifique se já identificou os grandes temas (na verdade, suas externalidades socioambientais e de governança) e mensurou precisamente os seus riscos. Avalie se já dispõe de estratégias para reduzi-los, eliminá-los ou, melhor ainda, regenerar comunidades e ecossistemas. Pondere sobre quanto as externalidades, riscos e ações de mitigação/eliminação impactam sua estratégia para o futuro. Se já chegou até esse estágio (poucas empresas o fizeram),  estabeleça metas e as comunique aos stakeholders, festeje os avanços, corrija rumos. Produza evidências. Quanto mais concretas as evidências,  menor o risco de desandar para o greenwashing.
  • Ao pensar nos grandes temas, é provável que paire alguma dúvida a respeito dos mais relevantes. Ou mesmo um susto por identificar muitos. Deixo, portanto, uma dica sobre quais seriam hoje, em termos globais, os grandes temas valorizados no ESG: (1) Mudanças climáticas (planos de mitigação e adaptação); (2) Redução de impactos a recursos naturais (água, energia, solo, resíduos); (3) Diversidade (políticas); (4) Biodiversidade (respeito á integridade dos ecossistemas); (5) Direitos humanos (política aplicáveis á cadeia de valor); (6) Redução de riscos á segurança de colaboradores, comunidades e clientes; (7) Ética nas relações com públicos de interesse; e (8) Investimento social privado (políticas de desenvolvimento local). Se esses são os temas de sustentabilidade que mais chamam a atenção nos ratings consagrados pelo mercado, inicie por eles. Ao fazê-lo, sua comunicação deixará de ser uma “propaganda” para se tornar um serviço de informação de interesse  das partes interessadas.
  • Organize as ações de sustentabilidade numa estratégia clara. Isso é parte importante do processo de legitimação do conceito na medida em que integra os “o quês” e  os “comos.” Dedique um tempo também á construção dos  “porquês.” É possível que a sua empresa se satisfaça em resumir todas as intenções de sustentabilidade ao fato de que isso vai resultar em premiação dos ativos. Acho pouca ambição.  E pouca inteligência. Se não quiser que o discurso soe apenas como uma pragmática “jogada de negócio”, recomendo algo não tão óbvio mas poderoso: a elaboração de um propósito, um texto curto (uma a duas páginas), claro (substantivos no lugar de adjetivos), caloroso (baseado em compromissos e valores humanos) e propositivo (com o olhar projetado nos desafios do futuro) capaz de sintetizar  a visão de mundo da empresa para além de ganhar dinheiro.

(*) Ricardo Voltolini é fundador e CEO da consultoria Ideia Sustentável e da Plataforma Liderança com Valores. Conselheiro, mentor e estrategista, já escreveu 11 livros, entre os quais Conversas com Líderes Sustentáveis, Escolas de Líderes Sustentáveis e Sustentabilidade como Fonte de Inovação. Coordenou recentemente o estudo 11 Tendências de Sustentabilidade Empresarial  ([email protected]).

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