Na terça-feira passada, a rede de televisão ABC, dos Estados Unidos, acolheu os candidatos à presidência daquele país para um debate.
Embora esse tipo de confronto esteja longe de ser uma disputa eleitoral decisiva, é lógico que, quando um dos contendores leva nítida vantagem sobre o oponente, ele não só atrai eleitores indecisos como também, e principalmente, aumenta significativamente seu caixa de campanha.
Segundo a opinião de alguns órgãos da imprensa americana e internacional (eleições nos Estados Unidos atraem a opinião pública do mundo todo), Kamala Harris venceu o debate.
Vejamos duas conclusões exibidas no site da agência Bloomberg:
“Kamala Harris atraiu Trump para um debate em seus próprios termos”
“Harris mantém Trump na defesa em debate presidencial acirrado”
Acho que quem melhor resumiu o resultado do debate foi o site da revista The Economist:
“Kamala Harris faz Donald Trump parecer perdido” (Kamala Harris makes Donald Trump look out of his depth).
De minha parte, acho que o repertório de Trump se tornou cansativo. No debate desta semana, por exemplo, em meio ao seu besteirol e caretas costumeiros, ele disse que os imigrantes que entram nos Estados Unidos ilegalmente comem cachorros e gatos, sem apresentar um único caso em que isso tenha acontecido.
Também acredito que os republicanos de carteirinha jamais votarão em Kamala Harris, mas poderão se ausentar das urnas já que o voto lá não é obrigatório.
Por outro lado, os eleitores democratas receberam um estímulo a mais para comparecer.
Acho que o debate anterior pode ter decidido essa eleição. Me refiro ao confronto de Trump com Joe Biden, na qual o atual presidente se apresentou confuso e desmemoriado. Aquele desastre fez com que Biden desistisse e passasse o bastão para sua vice.
Dos 50 estados americanos, além do Distrito de Columbia (Washington DC), só sete têm importância nas eleições: Arizona, Georgia, Michigan, Pensilvânia, Wisconsin, Carolina do Norte e Nevada.
São estados pêndulo (swing states), que ora dão vitória aos democratas, ora aos republicanos.
Em contrapartida, três estados importantíssimos (devido ao tamanho de suas populações), Califórnia, Texas e Nova York, são quase sempre democratas (Califórnia e Nova York) ou republicano (Texas).
Em função disso, é mais do que normal um candidato vencer no voto popular e perder no Colégio Eleitoral.
Nas eleições de 2020, a vitória de Joe Biden sobre Donald Trump, tanto no Colégio Eleitoral (306 a 232) como no voto popular (51,3% contra 46,8%) se deu mais por causa da maneira como Trump, na Casa Branca, lidou com a Covid, demorando a reconhecer não só a existência da pandemia como a eficiência das vacinas.
Quatro anos antes, em 2016, Donald derrotou a superfavorita, Hillary Clinton, embora o republicano tenha perdido no voto popular (46,1% a 48,2%). Isso se deveu ao seguinte:
Colou, e colou forte, nos eleitores o slogan Make American Great Again, ao passo que Hillary, convicta da vitória, se manteve de “salto alto” durante toda a campanha, não raro se limitando a apontar o indicador para as câmeras de TV como que se dirigindo a um único telespectador eleitor.
Voltando a 2020, a não reeleição de Trump não é um fato muito comum na política americana. Os eleitores tendem a atender ao chamado de “Four More Years”. Fora o uso da máquina governamental por parte do presidente em exercício, podendo inclusive se deslocar no avião presidencial, Air Force One.
Antes da derrota de Donald Trump em 2020, temos de recuar quase três décadas para ver um presidente não obter os tais Mais Quatro Anos.
Estou me referindo a George H. W. Bush (Bush pai) que, após ter experimentado um período de enorme popularidade (por causa da vitória na Primeira Guerra do Golfo – agosto de 1990/fevereiro de 1991), foi abatido nas urnas por uma severa recessão.
A famosa frase “It’s the economy, stupid”, cunhada por James Carville, assessor político de Bill Clinton, e frequentemente atribuída ao próprio ex-presidente, exprime bem isso.
Antes de George H. W. Bush, o presidente mais recente que não conseguiu se reeleger foi Jimmy Carter.
Isso se deu por causa da crise dos reféns da embaixada americana em Teerã (iniciada em 14 de fevereiro de 1979) e da tentativa, através de comandos das forças armadas americanas, de resgatá-los na capital iraniana (Operation Eagle Claw) que redundou em oito soldados mortos nas areias de um deserto iraniano.
Muito antes, um presidente que não quis disputar a reeleição (no caso, uma segunda, pois cumprira um mandato tampão por ocasião do assassinato de John Kennedy) foi Lyndon Johnson. Isso aconteceu em 1968.
Johnson sabia que iria perder nas urnas em função do atoleiro no qual tropas americanas haviam afundado no Vietnã.
Donald Trump é o primeiro presidente dos Estados Unidos que tenta voltar ao cargo após ter sido apeado pelo voto.
Seu grande obstáculo chama-se Kamala Harris, filha de uma indiana e um jamaicano. Ou seja, o próprio rosto americano do século 21.
Ivan Sant’Anna