Fernando Haddad foi o mais bem avaliado de todos os ministros segundo uma pesquisa do Instituo Quaest publicada no dia 27. Na manhã do dia 22, entretanto, quando esteve na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara, viu-se defrontado com a difícil realidade da polarização política. Foi antagonizado por parlamentares da Oposição, situação nada infrequente na rotina de um ministro da Fazenda, e que não deveria produzir senão aproximações com os senhores parlamentares.

Porém, o resultado não foi bom, tampouco os desdobramentos legislativos.

O relacionamento entre o Executivo e o Congresso não está em um bom momento. Há tensões por todo lado, alimentadas pela perda de popularidade do presidente da República e pela sucessão nas lideranças das duas Casas Legislativas.

O assunto da política fiscal cresceu muito em complexidade: têm surgido muitas dúvidas sobre o arcabouço fiscal, ou sobre o que dele sobrou, e mais genericamente acerca do que pretende o governo no assunto da sustentabilidade da dívida interna e da responsabilidade fiscal. Reconhecidamente, há várias correntes de pensamento sobre esses assuntos dentro do governo, cabendo ao ministro fazer uma espécie de média, ou de conciliação entre esses grupos. Não tem sido fácil. O presidente da República costuma desempatar esse tipo de disputa, que o ministro faz um bom trabalho para amortecer.

Mas esse método “dialético” de determinação da política fiscal não é bom para a previsibilidade das coisas nesse terreno. É o presidente da República quem decide por último, não ficam assuntos sem solução. Mas qual é a lógica?

O que pensa o presidente da República sobre a política fiscal? O que vislumbra para a segunda metade de seu mandato?

Em meio a essas dúvidas o ministro compareceu à Comissão de Finanças e Tributação da Câmara. Ótima oportunidade para construir pontes, como se fala em Brasília, mas sobretudo para fixar prioridades. Talvez não seja bom negócio gastar esse tempo com distrações.

A sessão dedicou muito tempo ao assunto da tributação das importações abaixo de 50 dólares, afinal fixada em 20% no dia 28, em acordo entre o governo e o presidente da Câmara, Arthur Lira.

Como essa tributação se dá por cima do ICMS (que é de 17%, “por dentro”, ou seja no interior da base de cálculo do imposto federal), o cálculo de especialistas é de que a carga tributária sobre essas compras foi para 44,58%.

Uma curiosa coalizão se formou para apoiar o “imposto das blusinhas”, uma miniatura das tensões que sempre envolveram a abertura, a mãe de todas as reformas que nunca houve. Ficou amplamente demonstrado o poder de fogo de varejistas e industriais de vezo protecionista.

Mas foi também interessante observar o modo como o assunto foi trazido para o debate da política fiscal, como um esforço de arrecadação e na direção do ajuste, quando parece mais uma distração que serve para confirmar o desinteresse do governo em questões fiscais realmente de peso, a principal das quais o destino do gasto público.

O ministro aludiu a “um coro velado” de queixas e ruídos acerca da inflação, que definiu como “patrocinados”, e que “não têm amparo nos dados, porque estamos gerando emprego com baixa inflação”, parecendo haver “fantasminhas na cabeça das pessoas” distorcendo a leitura dos números da economia.

Tenha-se claro que não existe improviso em falas ministeriais; foi o ministro quem escolheu essas palavras, que não foram nada felizes.

Se há alguém, em Brasília, que jamais deve se colocar dentro uma bolha é o ministro da Fazenda.

Dias depois, o ministro anunciou que irá visitar o Papa Francisco para tratar da tributação mundial sobre os super ricos, de que falou em seu discurso de boas-vindas aos ministros do G20. O ministro não dispõe de tanto tempo livre para assuntos pouco práticos que cabem unicamente na categoria “jogar para a torcida”. Anote-se que esta é uma agenda de candidato e não de ministro preocupado em fechar as contas com dignidade.

Explosão do gasto

Outro tema de implicações fiscais potencialmente horríveis foi a aprovação de projeto de lei que cria a LCD – Letra de Crédito do Desenvolvimento – uma janela para a explosão do gasto parafiscal à moda das expansões de ativos de bancos federais permitidas por excepcionalidades do Conselho Monetário Nacional no contexto do velho orçamento monetário. O texto do projeto cria um limite para a emissão do novo papel em 10 bilhões por instituição, mas dá ao CMN o poder de alterar o valor. Além do BNDES, há o BDMG, ou seja, há uma “abertura” também para “bancos de desenvolvimento autorizados a funcionar para BCB”. Ou seja, pode ser recriado o problema dos bancos estaduais com essa medida.

Em tese, as LCD podem ocupar parte do espaço dos títulos do Tesouro e funcionar tal como se fossem uma “reserva de financiamento” para as pautas do BNDES e linhas em bancos de desenvolvimento de interesse do governo federal – tanto para o Rio Grande do Sul como para a neo-industrialização.

A derrocada fiscal nos anos 1980 teve nesse canal uma de suas principais vertentes.

É uma notícia péssima para quem esperava mais consistência entre a política monetária e a fiscal, bem como avanços no terreno da responsabilidade fiscal. Inclusive como professados pelo ministro em sua fala na Câmara. A medida é um gigantesco retrocesso conceitual, uma espécie de ovo da serpente, de repercussões perigosíssimas mais à frente, pois recoloca o CMN de volta na posição em que ocupou quando funcionou como o locus privilegiado da captura da governança da moeda. Se é para estragar o fiscal sem passar por complicações com o Legislativo, esse é o caminho.

Diferenças de opinião no interior do COPOM

Mas esses temas não alcançaram nem uma fração do interesse despertado pelas diferenças de opinião no interior do COPOM e suas possíveis implicações para a sucessão dos dirigentes do BCB cujos mandatos expiram no final do ano, incluindo o presidente da instituição, Roberto Campos Neto. A reunião iniciada no dia 7 e terminada no dia seguinte mostrou o segundo placar de 5 a 4 da história desse comitê, criado em meados de 1996 (e se manteve com 9 membros desde então).

O outro 5 a 4 se observou seis reuniões antes, na de número 256 em 02/08/2023. Nesta, o presidente Roberto Campos Neto votou com o grupo mais “dovish”, a favor de uma redução na SELIC de 0,5%. Na reunião de maio de 2024, Roberto Campos Neto, o último a votar, conforme o regimento do colegiado, desempatou para o outro lado, votando com os “falcões” por uma redução de 0,25%.

A repercussão na imprensa enfatizou a partidarização do comitê, observando que os quatro dirigentes nomeados por Lula votaram juntos, por uma redução de 0,5%, ao passo que os nomeados por Bolsonaro, incluindo Roberto Campos Neto, votaram por uma redução menor.

É péssima a ideia pela qual vão funcionar bancadas no COPOM, em conflito com a cultura de colegialidade que sempre orientou o a diretoria do BCB.

Com a substituição dos três dirigentes que terminarão seus mandatos ao final de 2024, o Presidente Lula terá nomeado 7 de 9 dirigentes do BCB.

Como ficará a autoridade monetária? O que realmente pensa o presidente Lula sobre a autonomia do BCB?

Até que seja revelada a escolha de Lula para a posição de presidente do BC deve prevalecer certa ansiedade e algum nervosismo. E não se perca de vista que as sondagens e gestões começarão exatamente em um instante em que a política monetária muda de ciclo.  

As hesitações quanto ao gasto público, a novidade no assunto parafiscal e a divisão no BCB fazem um conjunto explosivo. Não é difícil reverter as apreensões criadas por essa trinca de novidades perigosas. Todas podem ser contornadas, mas cada uma deles pode se tornar uma tragédia.

Por: Gustavo Franco, Senior Advisor da Rio Bravo

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