Na quinta-feira da semana passada, dia 15 de junho, fiz uma palestra para 200 pilotos militares no Terceiro Batalhão de Aviação do Exército em Campo Grande, Mato Grosso do Sul.

Fui chamado para falar no evento, justamente por ter escrito quatro livros sobre tragédias aéreas: Caixa-preta, Plano de ataque, Perda Total e Voo Cego. Além de ter sido piloto entre 1958 e 1983.

Viajei na véspera, quarta-feira, pela Azul, pelo trajeto Galeão/Viracopos/Campo Grande.

Pouco antes da decolagem de Campinas, o comandante avisou para que todos os passageiros desconectassem os cintos de segurança uma vez que a aeronave iria passar por um reforço no abastecimento de combustível.

Após uma hora de voo, chegamos à Campo Grande. Ou, explicitando melhor, à vertical do aeroporto, sem nenhum procedimento de descida.

Após circular por algum tempo sobre a cidade, o comandante avisou que iríamos retornar a Viracopos, pois as condições de pouso estavam críticas.

Já de volta à Campinas, recebemos um voucher para jantar e fomos levados para um hotel onde pude dormir, no máximo, duas horas.

Às seis da manhã, um ônibus nos levou para Viracopos, de onde decolamos novamente para Campo Grande.

Lá chegando (num pouso normalíssimo), o capitão do Exército que me recebeu explicou que, na véspera, enquanto nosso jato desistiu da aterrissagem, outros dois aviões, um da Gol e outro da Latam, haviam pousado normalmente.

Fiquei então sabendo que as más condições de visibilidade na noite anterior, tanto horizontais como verticais, não eram suficientes, segundo os critérios aeronáuticos, para interditar o aeroporto.

Foi, portanto, um critério adotado por cada piloto (Azul, Gol e Latam). Enquanto o primeiro (o do avião no qual eu me encontrava) preferiu retornar, os outros dois optaram por aterrissar sob o risco de ter de arremeter nas proximidades da cabeceira da pista, procedimento que costuma assustar alguns passageiros.

Nenhum dos três comandantes agiu errado. Foi questão de critério. Suponho que tanto a Gol quanto a Latam sejam menos exigentes com relação a pousos em condições visuais mais críticas. Já a Azul impõe regras mais severas e isso custa dinheiro.

Nosso percurso extra Viracopos/Campo Grande/Viracopos custou duas horas a mais de combustível, hospedagem para 150 pessoas, refeição, traslado aeroporto/hotel/aeroporto, fora um voucher de 500 reais que deram a cada passageiro para ser usado como parte da compra de futuras passagens.

Para não cometer injustiças nesta crônica, quero deixar claro que nem a Gol nem a Latam puseram em risco a vida de seus usuários. Por outro lado, a Azul lhes trouxe desconforto no vaivém Campinas/Campo Grande.

Há muitos anos, a saudosa Pan American Trans World Airways, mais conhecida como PanAm, não permitia que um de seus aviões decolasse se uma das lâmpadas da cabine estivesse queimada.

Passando ao mercado financeiro, que é o assunto mais importante desta coluna, vamos supor a existência de três fundos de renda variável: Amalgamated, Chumbinho e Índico.

Amalgamated e Chumbinho trabalham com stops mais folgados, enquanto Índico os mantêm curtos.

Se os três estão vendidos a descoberto em determinado índice, e o mercado começa a subir, Amalgamated e Chumbinho deixam as rédeas mais soltas, permitindo que o mercado suba além de resistências teoricamente frágeis.

Já o Índico, que trabalha com stops cirúrgicos, cai fora ao mínimo sinal de risco, como, no caso da aviação, um teto e uma visibilidade horizontal próximos do limite.

Um piloto que retorna ao ponto de origem, recebe críticas dos passageiros, principalmente quando ficam sabendo que outros aviões pousaram.

No mercado de renda variável, acontece exatamente a mesma coisa. Se após a resistência ter se mostrado frágil, e o mercado voltar a cair, os cotistas do Amalgamated e do Chumbinho serão beneficiados, ao contrário dos que aplicaram no Índico, que perderam (ou deixaram de ganhar) no short.

Tal como os pilotos, obrigados a trabalhar dentro das quatro linhas (para usar uma expressão da moda), mas podendo operar rente a elas, os gestores de fundo se aventuram um pouco, desde que não ponham demasiadamente em risco suas carteiras.

Eu, por exemplo, em meus investimentos alavancados, sou extremamente rígido nos stops. Bateu lá, pulo fora, mesmo que isso vá contra meus instintos.

Mas não foi sempre assim.

Já houve épocas em que, quando os mercados se aproximavam dos stops, eu simplesmente os alterava.

Nos anos 1970, operando na Chicago Board of Trade, já entrei numa operação long (comprada) de milho futuro para ganhar dez mil dólares e perdi quarenta mil, só por não ter tido coragem de realizar prejuízo.

Voltando à minha viagem da semana passada, se os comandantes da Gol e da Latam tinham um critério, digamos, mais folgado, e o da Azul trabalhava com uma margem de segurança maior, os três agiram certo dentro da filosofia de suas empresas.

Na palestra que proferi para os oficiais do Exército, comecei fazendo justamente esta comparação.

Um ótimo fim de semana para todos.

Ivan Sant’Anna

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