Tal como escrevi na terceira parte desta minissérie sobre minha viagem ao Paquistão em 2008, no sábado 11 de outubro viajei para Multan, via Faisalabad.

Trata-se esta última de uma cidade industrial, cujo único objeto de interesse é a configuração das ruas do Centro, com traçado reproduzindo o desenho da Union Jack, bandeira da Grã-Bretanha, resquício dos tempos coloniais. De resto, achei Faisalabad horrível e imunda e senti alívio ao sair de lá.

Nossa primeira parada em direção a Multan foi na fazenda de um amigo do Naveed, que nos convidou para almoçar. Pelos padrões brasileiros, seria um fazendeiro rico, com plantações de arroz, cana-de-açúcar e criação de gado, búfalos, caprinos e cavalos.

No Paquistão era considerado riquíssimo.

Na hora do almoço, saímos para visitar as cocheiras, enquanto sua mulher supervisionava a disposição da comida (variadíssima) na mesa. Ela não participaria da refeição. Muito menos seria apresentada a mim, tal como é costume no país, principalmente no interior.

Mais tarde, após o almoço, dei alguns tiros (num barranco) de AK-47 Kalashnikov e conheci um pistoleiro. Foragido da Justiça (matou a mulher e foi condenado), pintava o cabelo de uma cor berrante e prestava “serviços” ao fazendeiro.

Saímos no meio da tarde para Multan. No caminho, parei para ver homens do campo batendo arroz para debulhá-lo.

Chegamos em Multan por volta da meia-noite e dormi exausto no quarto do hotel (péssimo, mas o melhor da cidade). Permanecemos lá dois dias, visitando fazendas e vilas nos arredores.

Fomos também a um palácio que pertencera a um marajá e que fora convertido em quartel, no qual tive como guia um major do Exército.

O mais interessante dessas incursões, foi uma visita a uma madrassa (escola de ensino do Alcorão). Ao contrário do que eu supunha, as aulas eram dadas para meninos e meninas na mesma sala e ao mesmo tempo.

Por volta das dez da manhã de terça-feira, 14 de outubro, fomos de táxi para o aeroporto de Multan. Islam seguira por estrada de modo a levar o Mercedes para o próximo destino, Karachi (maior cidade do país, e centro financeiro). E lá estava ele nos aguardando no luxuoso e moderníssimo Jinnah International Airport, quando desembarcamos de um jato da PIA (companhia aérea estatal do país).

Antes mesmo de irmos para o suntuoso Pearl Continental Hotel, fomos, no Mercedes, acompanhados dos dois jipes de escolta, ao mausoléu de Mohammed Ali Jinnah. Visitamos o túmulo e vi relíquias históricas paquistanesas, como o Cadillac de Jinnah e seu gabinete de trabalho.

Aí aconteceu uma surpresa.

Nós agora vamos visitar o túmulo de Jinnah”, me disse Naveed.

Fiquei perplexo.

Mas não é isso que acabamos de fazer?”, perguntei.

Acontece que esse túmulo é falso”, ele esclareceu. “Por causa da possibilidade de um ataque terrorista. O verdadeiro está no subsolo. E é para lá que eu vou te levar.” Naveed se divertiu com meu espanto.

Com efeito, nós descemos por uma escada para um salão no subsolo, ao qual são levados apenas convidados do governo. E pude ver a tumba verdadeira.

Nos dias que se seguiram, fiquei baseado no Pearl Continental, de onde saí para conhecer diversos paquistaneses ilustres, entre eles Kamal Hyder, da Al Jazeera (recomendado pela Ana Paula Padrão), considerado um dos correspondentes de guerra mais corajosos do mundo.

Consegui me livrar do Naveed e jantei com Hyder num restaurante na periferia de Karachi. Ele me deu diversas informações importantes, que seriam de grande utilidade na elaboração de meu livro Terra de fronteira.

O curioso é que tanto Kamal Hyder como seu motorista mantinham em coldres, ao alcance fácil da mão, pistolas automáticas Glock.

Dizia-se no sul do Paquistão que nenhum atentado ocorria sem que Hyder chegasse ao local antes das autoridades policiais, graças à sua vasta cadeia de informantes.

No dia seguinte fui com o Naveed, num Boeing 737 da PIA, até Sukkur, onde o herdeiro de uma das maiores fortunas do país nos recebeu para me levar em seu SUV até o site arqueológico de Moenjo Daro, um dos núcleos urbanos mais antigos da Humanidade, contemporâneo do Egito Antigo, da Mesopotâmia e de Creta.

A viagem teria sido melhor se não tivéssemos o tempo todo um carro da polícia na frente e outro atrás com as sirenes ligadas e exibindo metralhadoras pelo teto solar das viaturas. Passávamos pelos vilarejos a 100 km/h, assustando pedestres, carroceiros, condutores de riquixás e animais.

O núcleo de Moenjo Daro foi constituído por volta de 2.600 AC e abandonado 900 anos mais tarde. A cidade permaneceu soterrada durante trinta e oito séculos, tendo sido redescoberta em 1922, pelo arqueólogo britânico John Marshall.

O clima seco permitiu que o traçado urbano e diversas edificações se mantivessem em boas condições.

Eu estava voltando de Moenjo Daro para Sukkur quando o Naveed recebeu um telefonema em seu celular. O governo autorizava minha visita à Peshawar e ao Khyber Pass, dois dos lugares mais perigosos do mundo.

Mas essa história fica para semana que vem.

Um forte abraço para todos vocês, caros leitores.

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