Caro(a) leitor(a),

Esta é a quinta e última parte da minissérie, escrita e falada, na qual relato minha viagem ao Paquistão em 2008, visando pesquisas de campo para meu livro Terra de Fronteira.

Como os caros amigos leitores viram nos capítulos anteriores, eu não queria sair do país sem antes visitar a cidade de Peshawar e o Khyber Pass, tido por muitos como dois dos lugares mais perigosos do mundo.

Para minha enorme alegria, quase no fim da visita ao Paquistão, finalmente chegou a autorização para visitar os dois lugares.

Como não havia tempo para regressar de carro de Karachi até Islamabad (uma viagem do extremo sul ao extremo norte do país) deixamos o Mercedes e o Islam para seguir por terra e fomos em um avião da PIA (Pakistan Airlines) para a capital.

Já na cabeceira da pista do aeroporto internacional Mohamed Ali Jinnah, o comandante do jato dirigiu-se aos passageiros. Só que, em vez dos temas de praxe, segurança, tempo de voo, condições climáticas em Islamabad etc., ele rezou uma prece pedindo proteção a Alá para o voo.

Em Islamabad, fui convidado para uma reunião no ministério da Cultura. 

Recebi um breefing sobre os riscos da cidade de Peshawar e diversas recomendações.

Se você for tirar alguma foto, certifique-se de que não há nenhuma mulher no campo da objetiva. Fotografar mulheres naquela região (província de Khyber) é muito arriscado. Naveed e Islam (este já teria chegado de Karachi) o acompanharão em Peshawar mas não irão com você ao Khyber Pass, que é terra tribal. Lá, as leis paquistanesas não prevalecem e sim os costumes tribais. Mas você será apresentado a um guia pashtu (tribo afegã) que o levará até o passo (Khyber).

Quem percorre todo o Paquistão, como foi o meu caso (conheci o país de cabo a rabo), percebe a enorme diferença de hábitos e costumes entre o sul e o norte do país, que se torna cada vez mais fundamentalista (islâmico) à medida em que os paralelos se sucedem.

Na segunda-feira 20 de outubro, tomei café da manhã ocidental (suco de laranja, ovos fritos, torradas e chá Darjeeling) no hotel Best Western em Islamabad. Às 11 horas, segui no Mercedes com o Naveed e o Islam para Peshawar.

A estrada, de boa qualidade e via dupla, nada fica a dever, por exemplo, à Via Dutra. Durante o percurso, cruzamos o rio Hindus que, a cada ano, determina a prosperidade ou a recessão no país, dependendo do regime das monções.

O trajeto durou apenas duas horas.

Peshawar se parece com outras cidades antigas que conheci, como Multan e a parte Velha de Lahore. Só que o povo é diferente.

Quase todas as mulheres, entre as poucas que saem à rua, cobrem o rosto e algumas usam burkas.

A partir da entrada da cidade, passamos a ser escoltados por três seguranças locais: um no nosso carro e os outros dois em um veículo blindado que passou a nos seguir.

Naveed sugeriu que almoçássemos no Pearl Continental local. Mas insisti em ir a um restaurante típico. Comi costeleta de cordeiro e naan com uma pasta semelhante a ao homus árabe.

Na mesma mesa em que estávamos, sentou-se um homem com seu filho adolescente. Ele perguntou o preço do naan, remexeu os bolsos e pediu apenas um, para dividir com o garoto. O naan custava o equivalente a dez centavos de dólar.

De lá, Naveed me levou até o início da estrada do Khyber Pass, onde conheci meu guia, que me levou em seu Hillman caindo aos pedaços.

A sinuosa subida para o Khyber tinha uma história riquíssima. Por ali, passaram Alexandre, o Grande, Ciro, o Grande, Genghis Khan, Marco Polo e outros incontáveis conquistadores e exploradores lendários.

Numa tentativa de subjugar o Afeganistão, durante o reinado da rainha Vitória, mais precisamente em 1842, uma unidade do exército britânico, composta por 4.500 oficiais e soldados, foi dizimada por guerrilheiros tribais.

Só um cirurgião inglês sobreviveu ao massacre.

Eu mesmo não fui num bom dia pois, na véspera, um Predator (bombardeiro não tripulado) norte-americano havia matado 100 talibãs. E uma semana mais tarde o Peshawar Pearl Continental sofreu um ataque (provavelmente perpetrado por talibãs), que deixou 17 pessoas mortas e 46 feridas.

Apesar disso tudo, minha incursão ao Khyber Pass aconteceu sem incidentes.

À noite, estava de volta à Islamabad, onde jantei com o ministro da Cultura no McDonalds, diferente dos daqui pois os clientes comem em mesas servidas por garçons.

Como é de praxe no país, o ministro não levou sua mulher, mas se fez acompanhar por seus filhos, um casal de crianças.

Dormi no Best Western apenas duas ou três horas pois às 05:30 da manhã pegaria um voo da Qatar Airways, onde tinha uma visita agendada aos estúdios da Al Jazeera, em Doha, visita essa conseguida pelo correspondente Kamal Hyder.

Mal sabia eu que, tão logo pisasse no terminal do aeroporto internacional de Doha, seria preso pelas autoridades locais.

Mas isso é uma outra história, que contarei para vocês, caros amigos leitores, daqui a dois ou três meses.

Um ótimo fim de semana para todos.

Abraços,  

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