Chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV), José Júlio Senna avalia que o Banco Central (BC) não vai ceder à pressão do governo e deixar de ressaltar o risco fiscal mesmo após o anúncio do pacote de ajuste do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Senna espera que o BC mantenha a Selic em 13,75% ao ano e siga na sua linha de comunicação após a reunião de hoje do Comitê de Política Monetária (Copom). “Esse é um campo perfeito para frustração (do governo). O BC não vai vacilar. A taxa de juros vai ser mantida em 13,75%, e o BC vai continuar apontando para o risco fiscal e dizendo que tem disposição para subir os juros se precisar”, diz o economista, ex-diretor da própria autarquia. A seguir, os principais trechos da entrevista:

O que está por trás da fala do presidente Lula ao sugerir uma meta de inflação mais alta, enquanto Haddad fala em harmonização da política fiscal e monetária sem dizer o que quer com isso?

O ministro Haddad tomou posse falando da necessidade de coordenação de política fiscal e monetária. Há uma falta de coordenação. A política fiscal é expansionista e a monetária, apertada, contracionista. Haddad sabe disso e já fez o registro. Pouco depois, ele anunciou um plano de ajuste fiscal. Seria a contribuição para o início dessa coordenação. Eu diria que ainda falta atuar em cima de gastos, da definição do arcabouço fiscal. Eles estão falando de reforma tributária, que seria um grande avanço, mas é mais do ponto de vista de sinalização, porque o resultado dela não é imediato.

Ao falar de harmonização, o ministro não pode estar cobrando do BC uma visão menos dura em relação ao risco fiscal?

É isso, sim. Ele está querendo organizar a discussão, o debate. Para manter isso, o governo precisa sinalizar que está fazendo a sua parte, tomando os primeiros passos. Mas precisa de disposição mais firme para controlar gastos. As medidas anunciadas são calcadas em aumento de receita. Algumas delas são ‘viagem’, eles não vão conseguir o que imaginam. A parte de gastos prevista no pacote está exagerada; dificilmente conseguirão os R$ 50 bilhões de corte de despesas. Falta o arcabouço fiscal de longo prazo. Como supostamente eles entendem que deram o primeiro passo para a coordenação da política fiscal com a monetária, provavelmente imaginam que o BC possa dar uma ajuda agora na reunião do Copom.

O que seria essa ajuda?

Um sinal de boa vontade. Não é reduzir a Selic, que não tem cabimento; mas um sinal na comunicação. Mas não vai acontecer. Esse é um campo perfeito para frustração (do governo). O BC não vai vacilar. A taxa de juros vai ser mantida em 13,75%, e o BC vai continuar apontando para o risco fiscal e dizendo que tem disposição para subir os juros se precisar.

A pressão sobre o BC não vai resolver?

O BC não vai ceder. É o trabalho dele. Eles têm uma reputação e um currículo a defender. Na comunicação, está escrito que eles podem subir os juros se as circunstâncias exigirem. Eu acho que não vai mudar isso.

Por quê?

Porque o arcabouço fiscal é ainda uma promessa. Os juros reais de mercado estão todos acima de 6% ao ano – sinal de que os investidores estão com um pé atrás. Esse governo quer recuperar o crescimento econômico de qualquer modo. Eles acreditam que aumentar os gastos é o caminho para recuperar o crescimento, o que é uma grande falácia.

Há um incômodo de Haddad em relação aos juros altos num quadro de forte desaceleração da atividade econômica, que joga pressão para o presidente do BC. Como avalia essa pressão?

Tem uma pressão fortíssima sobre o BC. A pressão está lá. Vemos no dia a dia, na imprensa, toda hora aparece. O próprio Haddad já disse que a inflação é mais baixa (no País) do que em vários países desenvolvidos e que o juro real é o mais alto do mundo. Como eles têm pressa, os juros reais são um obstáculo.

Lula também criticou a autonomia do BC.

Lula deveria agradecer pela autonomia. Se não fosse a aprovação dela, ele iria herdar uma situação muito pior. Ninguém tem dúvida de que, do jeito que (Jair) Bolsonaro se virou para ser reeleito, ele iria avançar sobre o BC do jeito que avançou nos Estados, na Petrobras. E não teríamos hoje a inflação perto de 6%; teríamos um quadro muito pior. Lula não deveria se revoltar.

Há uma tentação do governo em mudar a meta de inflação.

O ideal seria a administração se convencer de que não é recomendável mudar a meta e antecipar a decisão. Por si só, isso reverteria uma parte da preocupação de risco do mercado. Mas isso não prescinde de um ajuste fiscal mais robusto do que está sendo planejado. Não tem como abrir mão disso.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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