O Relatório Focus do Banco Central projetava para o ano um crescimento do PIB de 2,3%, uma balança comercial com superávit de US$ 38,2 bilhões e entrada de investimento direto estrangeiro de US$ 80 bilhões. O superávit da balança comercial foi de US$ 50,9 bilhões, o valor do investimento estrangeiro no país foi de US$ 33 bilhões (janeiro-novembro) e o PIB deverá recuar em 4,7%, segundo a projeção do Boletim Macro da Fundação Getulio Vargas (FGV – Ibre). Nesse cenário, o único resultado positivo foi o superávit comercial que contribuiu para a queda do déficit em conta corrente num momento de retração da entrada de capital no país.

A recessão global provocada pela pandemia levou a uma queda do volume no comércio mundial de mercadorias, estimada em outubro em 9,2% pela Organização Mundial do Comércio. Esse número, porém, pode ser revisto para baixo, pois não incorporou os novos lockdowns com a segunda onda da pandemia. Independente dessa revisão, o efeito comum da pandemia no comércio de todos os países foi a retração nas exportações e importações. No entanto, a magnitude dessa retração depende da estrutura da pauta de comercio exterior dos países. Aqui tratamos apenas do comércio de mercadorias e, nesse caso, o Brasil se destaca pela composição das suas exportações concentrada em commodities direcionadas para a China.

Para o superávit de US$ 50,9 bilhões, a China contribuiu com US$ 33,6 bilhões. Observa-se que , entre os nossos principais parceiros, a contribuição dos Estados Unidos foi negativa e da União Europeia, com saldo positivo de US$ 1,5 bilhões, foi inferior a dos países da América do Sul (inclusive Argentina) no valor de US$ 6 bilhões, e do restante da Ásia.

Na edição de dezembro do ICOMEX é estimado um superávit de US$ 55 bilhões. Foi errado, pois em dezembro foi realizada uma importação no valor de US$ 4,8 bilhões de plataformas de petróleo que levou a um déficit na balança de dezembro de US$ 41,6 milhões. Sem as plataformas, o superávit em dezembro seria de US$ 4,7 bilhões e a nossa estimativa para o ano estaria correta.

As importações de plataformas de petróleo em dezembro, associadas às mudanças no regime de contabilização para fins de benefícios fiscais, têm seu impacto nos índices do ICOMEX ressaltado. Na comparação entre 2019/20, a diferença nas exportações com e sem plataformas é de 1,2 pontos percentuais, enquanto que a queda sem plataformas é menor (7,6%). No caso das importações, o resultado é o inverso; com plataformas (-3,1%) e sem plataformas (-7,0%). Observa-se, porém, que mesmo excluindo as plataformas, as importações na comparação interanual de dezembro aumentaram; o que também ocorreu quando se analisa o mês de novembro. Esse resultado sinaliza um movimento de compras positivo e, logo, de alguma melhora no nível de atividade.

Em grande medida, o desempenho das exportações depende das commodities, que explicaram 66% do valor exportado em 2020, o maior percentual da série histórica iniciada em 1998, quando esse valor era de 40%. Em termos de valor, as exportações de commodities cresceram 0,5% entre 2019/20 e das não commodities recuaram 18,5%. Em termos de volume, as commodities aumentaram 7,4% e as não commodities recuaram 13,5%.

O setor líder nas exportações no ano de 2020 foi o agropecuário, com aumento de volume de 7,4%, enquanto extrativa e transformação registraram queda. O volume importado na comparação anual caiu em todos os setores e a liderança, nesse caso, coube à indústria extrativa, com queda de 16,1%. A redução no tráfego em todas as modalidades impactou nas compras de combustíveis. No mês de dezembro, o destaque foi a indústria de transformação, com variação positiva de 12,7% nas vendas externas e aumento de 66,8% nas compras. Aqui, no entanto, é preciso descontar o efeito das plataformas. Sem as compras de plataformas, a variação foi de 21,2%.

A liderança anual do setor agropecuário nas exportações brasileiras é explicado pelo aumento de volume das exportações para a China (17%); que aumentou sua participação de 28,1% para 32,3%, entre 2019 e 2020. Os demais países da Ásia também registraram contribuição positiva de 11,1%, e explicam 14,9% das exportações brasileiras. Para todos os outros principais parceiros, as exportações recuaram na comparação anual. No mês de dezembro repetiu-se o comportamento do mês de novembro, quando foi registrado aumento das vendas para a Argentina, demais América do Sul e demais Ásia.

A China aumentou sua participação nas exportações e importações. Sua participação na pauta de exportações supera a soma dos percentuais dos Estados Unidos e da União Europeia. No caso das importações é superior à dos Estados Unidos e à da União Europeia. A Ásia respondeu, em 2020, por 47,2% das exportações brasileiras e 33,4% das importações. No caso de perdas, destaca-se a União Europeia, que já foi o maior parceiro comercial do Brasil.

Para o superávit da balança comercial, contribuiu a queda nas importações puxada pela recessão do nível de atividade, mas não foi só isso; o aumento nas exportações de commodities direcionadas para a China atenuou a queda nas vendas externas em um ano de forte retração na demanda mundial.

O que esperar para 2021?

As incertezas associadas à pandemia ainda não foram dissipadas no cenário mundial e no Brasil. Alguns pontos, porém, sugerem condições positivas para as exportações brasileiras.

O aumento nos preços das commodities, que já começou a ser observado no segundo semestre de 2020 e se refletiu na melhora dos termos de troca, a partir de julho de 2020. Os investimentos chineses demandaram compras de minério de ferro e cobre. Ademais, os preços de alguns alimentos como soja, carne, e de trigo cresceram com retrações de oferta devido a secas e os efeitos que ainda perduraram da crise suína na China.

Alguns analistas consideram possível que se repita um novo ciclo de aumento de preços de commodities (Commodity prices are surging, The Economist, 12/01/2021). Há um certo grau de sincronização de pacotes fiscais expansionistas na Europa, Estados Unidos e China, que sustentam aumento da demanda. A vitória de Biden poderá intensificar as politicas expansionistas e com ela o enfraquecimento do dólar; que sempre é acompanhado do aumento dos preços de commodities.

O aumento de preços das commodities é uma boa notícia do Brasil. A melhora nos termos de troca associada aos preços de commodities ajuda as exportações brasileiras de manufaturas com os parceiros sul-americanos exportadores de commodities. No entanto, para que o Brasil continue sendo um dos líderes nas vendas de commodities, especialmente agrícolas, o governo deve priorizar sua politica ambiental e climática. Além do presidente francês, Biden deverá também focar na pauta ambiental e a China poderá aderir a esse pacto ambiental.

A desvalorização da taxa de câmbio real foi de 41% entre dezembro de 2019 e outubro de 2020, o que favoreceu as exportações, inclusive a da indústria de transformação que registou variações interanuais positivas a partir de novembro de 2020. Antes disso, alguns segmentos do setor como bens duráveis de consumo já registravam variações positivas, desde outubro. O movimento cambial do Real continuou instável, entre outubro e dezembro de 2020, e a taxa efetiva real valorizou 9,2%. Essa valorização não criou um viés anti-exportador, mas para as decisões do comércio exterior, muita volatilidade cambial não é bem vinda. Como vai se comportar o câmbio em 2021? Sem projeções, mas chama a atenção que fatores domésticos associados ao desempenho do governo no programa de vacinação, avanço ou não das reformas tributária, administrativa e questões políticas poderão ou não contribuir para um acirramento da instabilidade cambial.

Em princípio, as perspectivas são positivas para um aumento das exportações.

Do lado da importações, um aumento em todas as categorias de uso da indústria, um sinal de retomada do nível de atividade da economia. As projeções para o crescimento do PIB para 2021 do Relatório Focus é de 3,4% (8/01/2021) e de 3,6% (IBRE, dezembro 2020). Se corretas as projeções, será esperado um aumento das importações, na hipótese de um cenário de estabilidade cambial ao redor dos R$/US$5,50.

As condições são muito incertas para fazermos projeções. O fato a destacar é que existe um possível cenário externo positivo, se a pandemia começar a ser controlada. No cenário doméstico, as incertezas influenciam câmbio e relações comercias que podem prejudicar as exportações brasileiras. De qualquer forma, num primeiro momento a projeção da balança comercial num cenário otimista (externo e doméstico) seria de um superávit ao redor de US$ 50 bilhões.

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