A decisão desta quarta-feira (8) do Comitê de Política Monetária (Copom) sobre a Selic abandonou o forward guidance e implicitamente passa a adotar a conduta dependente de dados para as próximas reuniões. O tom do comunicado é mais duro em relação aos anteriores e deixa, nas entrelinhas, portas abertas para a interrupção do ciclo de cortes no segundo semestre – se os dados vindouros de inflação e atividade econômica no Brasil e no mundo estiverem em linha com o atual cenário-base apresentado, ou seja, mais pessimista.

A chave para entender que o Copom ficou mais cauteloso está relacionada com a expectativa de inflação para o horizonte temporal da política monetária, ou seja, o ano de 2025. Antes de apontar como a autoridade monetária avalia a incerteza em relação aos cenários interno e externo, é importante apontar a resultante dessa conjuntura, a chamada “expectativas desancoradas”. Isso se vê claramente na deterioração da projeção de inflação do Boletim Focus e no cenário de referência do Copom, o que deixou a autoridade monetária em estado de atenção.

Contribui para essa “desancoragem” um dólar mais elevado, com o valor de referência da moeda americana no cenário-base do Copom subiu de R$ 4,95 em março para R$ 5,15, refletindo o adiamento do corte de juros pelo Federal Reserve nos EUA de maio/junho para setembro ou dezembro, como também para o número de reduções, de 3 para 2.

Essa dinâmica externa desafiadora deriva de uma inflação teimosamente mais elevada do que o esperado nos EUA, com um mercado de trabalho mais apertado no primeiro trimestre. O alívio dos mercados internacionais com dados indicando desaceleração da economia americana em abril não sensibilizou o Copom em manter o forward guidance de corte de meio ponto percentual.

Outras contribuições para a desancoragem são internas. O chamado “estágio do processo desinflacionário que tende a ser mais lento” é o Copom se colocar em “esperar para ver” como se comporta o nível de preços com o desenrolar da tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul. Além disso, o IGP-DI de abril divulgado hoje pela Fundação Getúlio Vargas – inflação no atacado – reverteu uma deflação para uma alta de 0,72%, já muito influenciada pelo dólar acima de R$ 5. Tudo isso em um contexto de crescimento econômico maior do que o esperado com um mercado de trabalho apertado, que coloca pressão sobre a inflação de serviços, além de deterioração da política fiscal com a redução da meta fiscal para déficit zero somente para o ano que vem.

Saberemos mais detalhes na ata do Copom, mas a questão fiscal pode ser o cerne da divisão de votos da decisão de hoje. 3 dos 4 votos favoráveis para um novo corte de 50 pontos-base foram de diretores indicados pelo atual governo, que deve intensificar as críticas em relação à condução do Banco Central pelo atual presidente, Roberto Campos Neto, cujo mandato se encerra no fim do ano.

Essa combinação de críticas do Planalto e de diretores alinhados ao governo em serem mais dovish tende a crescer o cenário de que o próximo Banco Central será mais flexível, especialmente na avaliação da política fiscal, diferentemente do atual que em todo o comunicado ressalta a necessidade de comprometimento com as regras fiscais para que haja um menor prêmio de risco no mercado.

Diante de um cenário desafiador alinhado com o início da transição de comando no Banco Central, a condução da política monetária tende a ser mais dura daqui para frente. A reunião de junho deverá ter mais um corte de 0,25 p.p. para, em seguida, a flexibilização ser interrompida.

Eventual retomada de corte de juros este ano irá depender de como se comportará o Fed e os mercados em relação à política monetária americana e, no plano interno, caso haja uma desinflação mais rápida do que o esperado, ancoragem das expectativas e desaceleração econômica – o que não se vê nas projeções.

Por Leandro Manzoni, analista de economia do Investing.com

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