Conteúdo elaborado pela analista de Renda Fixa da Nord Research, Marilia Fontes.
Hoje vou contar a história de Amélia e Cláudia, duas investidoras de renda fixa iniciantes que passaram experiências bem diferentes em 2022.
Amélia e Claudia eram amigas e investidoras. Ambas bem conservadoras com seus investimentos.
No início do ano, sabendo da volatilidade das eleições, elas decidiram investir em renda fixa, ao invés de investir em bolsa.
Em janeiro, elas viram que a taxa básica de juros, Selic, era +9,25%. Mas ao entrar na corretora, elas perceberam que tinham títulos prefixados do governo pagando +10,79%, com vencimento em 2031.
Como +10,79% era mais do que a Selic, elas acreditaram que era um bom negócio investir neste prefixado.
Aí, tivemos a grande diferença entre as duas: Amélia investiu via Tesouro Direto, enquanto Cláudia usou o mercado secundário da sua corretora.
A princípio, era o mesmo título, a mesma taxa, o mesmo risco governo.
Mas a coisa começou a ficar esquisita…
Conforme foram passando os meses, Amélia percebeu que seu título estava perdendo valor, ao invés de render os +10,79% equivalentes.
Até que chegou no dia 14 de março e ela percebeu uma perda de -6,17% no valor dos seus investimentos, o que a deixou extremamente preocupada.
Cláudia, por outro lado, estava bem tranquila com seus investimentos.
Seu título prefixado estava performando muito bem, e já havia valorizado +2%:
As duas amigas combinaram um café e no meio veio a conversa:
Amélia: Amiga, estou arrasada que nossos investimentos não estão indo bem. Que estranho, né? Perder dinheiro com um título de renda fixa…
Cláudia: Como assim? O meu título está indo super bem. Já tive uma valorização de +2% desde o começo do ano. Olha aqui no meu aplicativo da corretora.
Amélia: Nossa, é verdade! Estranho, porque o meu título já perdeu mais de +6%. Será que minha corretora está me roubando? Ou o Tesouro Direto?
Cláudia: Precisa ver isso aí…
Amélia ligou para a corretora e questionou o que estava acontecendo com seus investimentos, que um título prefixado do governo estava rendendo -6%.
O assessor avisou que era o efeito da marcação a mercado e mandou este link do vídeo de uma tal de Marilia Fontes explicando o fenômeno.
O motivo principal teria sido o aumento das taxas de mercado, que provocou a queda dos preços dos títulos prefixados.
Amélia ficou surpresa com todas as informações. Ela não conhecia a marcação a mercado e ficou sentida de não ter procurado o conhecimento antes de investir.
Ela acreditava que os títulos prefixados sempre subiam e que renda fixa era algo conservador.
Amélia se dedicou a entender mais de renda fixa, começou a prestar atenção no cenário macroeconômico e se atentou ao fato de estarmos próximos de uma eleição que prometia ser dura.
Enquanto isso Cláudia estava tranquila, com o seu título público que só subia de preço. Feliz de ter feito o investimento correto.
No dia 05 de abril, o mercado começou a melhorar e as taxas dos prefixados caíram de volta para +11,17%.
Amélia percebeu que o preço do seu título voltou para cima do preço de compra de janeiro.
Amélia rapidamente entrou na corretora, aproveitando o movimento do mercado, e vendeu o seu prefixado. Com o dinheiro dos investimentos, optou agora por comprar um Tesouro Selic, entendendo que esse, sim, era o investimento conservador que ela estava procurando.
Cláudia seguiu com seu prefixado, que segundo a corretora já acumulava +2,63% de alta.
Na semana passada, no começo deste mês de novembro, Amélia e Cláudia marcaram um novo café, e nesse bate-papo elas decidiram finalmente tirar do papel um plano que tinham há muitos anos de abrir um novo negócio.
Ambas combinaram de resgatar seus investimentos para pagar os custos iniciais do projeto na segunda-feira.
Amélia resgatou seus títulos, com um preço equivalente a R$ 1.040,00. E, no final, esta foi sua trajetória de investimentos, marcada a mercado:
Cláudia ligou para o seu corretor e pediu que ele resgatasse todos os seus títulos prefixados. Ela imaginava que teria o equivalente a R$ 1.048,00 por título.
Eis que cai na conta de Cláudia o valor de R$ 895,54. Praticamente -14% a menos do que o valor que ela esperava.
Cláudia imediatamente liga para a corretora perguntando onde está o resto do dinheiro. Cláudia tira print do valor do título que a corretora mostrava para ela, e o valor que foi de fato resgatado.
Então, o corretor explica para Cláudia que o valor que o aplicativo mostrava, que era o quanto Cláudia achava que tinha, era a “marcação na curva”. Esse valor só seria real se ela carregasse o investimento até 2031. E que o quanto ela de fato tinha era a “marcação a mercado”.
Novamente, ele manda o link de explicação da Marilia Fontes sobre o fenômeno.
Cláudia fica devastada. Se sente enganada. Sente que investimento é algo muito difícil de entender. Sente que não é para ela.
“Renda Fixa nunca mais!”, diz ela.
Essa história que eu acabei de contar, embora fictícia, é baseada em fatos reais.
Todo dia eu recebo esse tipo de questionamento nas minhas redes sociais.
A falta de informação sobre a marcação a mercado pega vários investidores no contrapé. E quanto mais tempo passa sem que o investidor descubra, pior fica.
Mas, sabendo disso, e visando aumentar a transparência do mercado, a CVM alterou as regras de marcação dos títulos de renda fixa para as corretoras.
“A partir de 2 de janeiro de 2022, as instituições que seguem o Código de Distribuição terão que divulgar, pelo menos uma vez por mês, os valores de referência de títulos públicos (exceto Tesouro Direto), debêntures, CRIs e CRAs (Certificados de Recebíveis Imobiliários e do Agronegócio, respectivamente) investidos diretamente pelos clientes.” – Anbima.
As novas regras não valem apenas para títulos públicos, valem também para debêntures, CRIs e CRAs.
Muita gente vai acordar depois do Ano Novo igual a Cláudia no final deste ano. Não entendendo porque seu patrimônio caiu.
Mas você, que acompanha a Nord, não vai se surpreender. Você já sabe o que é marcação a mercado. Você já sabe que na renda fixa só há um tipo de título cujo comportamento do retorno é uma linha reta para cima.
Conhecimento e transparência são os melhores ativos para surfar o mercado financeiro de forma exitosa. São as coisas mais importantes.
A CVM está investindo nisso. A gente também.
Bons investimentos.