Com o objetivo de contribuir para o debate crítico acerca das políticas e medidas ligadas ao enfrentamento da mudança do clima que possibilitem alcançar a igualdade de gênero no Brasil, relatório “A dimensão de gênero no Big Push para a Sustentabilidade no Brasil: as mulheres no contexto da transformação social e ecológica da economia brasileira” foi organizado pela ONU Mulheres Brasil, o Escritório no Brasil da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e a representação no Brasil da Fundação Friedrich Ebert (FES).
A justificativa é atualizado frente à atual conjuntura, marcada pelo enfrentamento da crise sanitária provocada pela COVID-19 e a busca da recuperação da atividade econômica, dos empregos e da qualidade de vida das pessoas no Brasil e no mundo. Além disso, segundo publicação “A dimensão de gênero no Big Push para a Sustentabilidade no Brasil: as mulheres no contexto da transformação social e ecológica da economia brasileira”, aos aspectos conjunturais, somam-se desafios estruturais tais como: os limites planetários, a emergência climática e as iniquidades, notadamente as de gênero. E a constatação de que é preciso construir um novo estilo de desenvolvimento, em cujo centro estejam a igualdade e a sustentabilidade.
ALGUNS DADOS DO RELATÓRIO: A carência de ações efetivas frente à emergência climática impacta desproporcionalmente as mulheres, meninas e corpos feminizados, porque elas partem de uma situação de profundas desigualdades estruturais. Muitas mulheres já estão no seu limite físico, psicológico e emocional. E, contam com menos ferramentas e rendas para enfrentar os impactos das mudanças climáticas.
As mulheres já constituem, hoje, um grupo maior situação de vulnerabilidade em relação aos homens (em termos de pobreza monetária, pobreza de tempo, sobrecarga de trabalho não remunerado e de cuidados, inserção precária no mercado de trabalho ).
- As mulheres dedicam praticamente o dobro de tempo (em média 21,4 horas de trabalho por semana) em relação aos homens (que dedicam 11 horas semanais) para a realização de tarefas domésticas e/ou de cuidado.
- As mulheres recebem em média um salário que é 21,3% inferior ao salário dos homens. As mulheres negras recebem um salário 55,6% inferior ao dos homens brancos; o que sublinha a interseccionalidade, ou seja, que existem desigualdades de gênero profundas e estruturais no Brasil, que estão relacionadas de forma intrincada com outras desigualdades, tais como as raciais e de classe.
- Mulheres negras, indígenas, quilombolas, periféricas, pobres e corpos feminizados que saem da norma são grupos especialmente expostos aos impactos da inação climática, o que sublinha o racismo ambiental.
- O aumento da frequência e da intensidade de eventos climáticos extremos (secas prolongadas, inundações, tempestades, deslizamentos de terra, picos de calor e de frio etc.), nesse contexto de profundas desigualdades estruturais, torna as mulheres mais expostas a adversidades que os homens.
- Mulheres em condições de maior vulnerabilidades socioeconômicas tendem a contar com menos ferramentas e rendas para enfrentar os impactos da mudança climática (por exemplo, para mudar para uma residência em área menos suscetível a deslizamentos de terras ou a inundações), dadas as brechas de salário, empregos, acesso a bens e serviços públicos, representação e direitos.
- As mulheres também tendem a ter uma maior pobreza de tempo com a mudança climática, já que são elas que tendem a cuidar dos doentes, feridos, amputados e enlutados devido aos eventos extremos.
Por outro lado, as mulheres podem ser beneficiárias dos investimentos sustentáveis em áreas estratégicas para uma recuperação transformadora com sustentabilidade ambiental e igualdade de gênero. Investimentos em áreas tais como energias renováveis, produção agrícola sustentável, mobilidade urbana sustentável, entre outros, podem criar oportunidades de emprego e renda para as mulheres, se combinados com políticas adequadas de inserção das mulheres, contribuindo com sua autonomia econômica. Além disso investimentos em infraestrutura de cuidados podem não apenas preparar a sociedade para enfrentar os eventos climáticos extremos, mas também contribuir para liberar o tempo das mulheres, contribuindo para reduzir a pobreza de tempo.
A elaboração do relatório se fundamentou na revisão da literatura, no levantamento de dados e informações e na análise do quadro de políticas nacional, regional e internacional nas áreas de gênero, sustentabilidade e mudanças climáticas. O documento ainda foi fruto de discussão em oficina virtual realizada em 23 de setembro de 2020, com a participação de especialistas e lideranças da sociedade civil, da academia, do setor privado e do poder público com experiência em temas ligados a gênero, meio ambiente, clima e desenvolvimento.
Ao mesmo tempo, o relatório se baseia em evidências, oferecendo subsídios para a formulação de políticas que promovam oportunidades de emprego e renda para as mulheres, consideradas na sua diversidade, e de melhoria da disponibilidade e da qualidade de serviços de cuidado, liberando o tempo das mulheres e contribuindo para sua autonomia econômica. O documento se insere na dimensão de gênero no contexto dos investimentos transformadores para a igualdade e a sustentabilidade no âmbito da abordagem do Grande Impulso (ou Big Push) para a Sustentabilidade.
As autoras do relatório são as pesquisadoras Margarita Olivera (Professora do Instituto de Economia da UFRJ e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas de Economia e Feminismos, NuEFem/IE/UFRJ), Maria Gabriela Podcameni (Professora do Instituto Federal do Rio de Janeiro, IFRJ, e pesquisadora da RedeSist/UFRJ), Maria Cecília Lustosa (Professora do Profinit e Pesquisadora da Redesist/UFRJ), e Letícia Graça (pesquisadora do (NuEFem/IE/UFRJ). E, ainda o documento contou com a coordenação de Camila Gramkow, Oficial de Assuntos Econômicos do Escritório no Brasil da CEPAL.
“O relatório foi fruto de um esforço coletivo, das organizações e pesquisadoras, e das contribuições de diversas pessoas. O tema não se esgota nesse documento, é preciso construir uma agenda de debates e estudos a partir de uma perspectiva da intersecionalidade dos direitos humanos das mulheres nos seus mais diversos contextos e realidades no âmbito do enfrentamento às mudanças climáticas”, explicou a representante da ONU Mulheres no Brasil, Anastasia Divinskaya.
De acordo com a diretora de programas da Fundação Friedrich Ebert Brasil, Waldeli Melleiro, os eventos extremos como a pandemia e as mudanças climáticas aprofundam as já existentes desigualdades raciais e de gênero. “Para alterar essa inserção desigual e promover uma transformação social, é necessário a adoção de políticas e investimentos com foco explícito nas mulheres nos diversos setores: em infraestrutura, no trabalho, nos empregos verdes, na saúde e na organização social do trabalho de cuidados. Adotar a transversalidade de gênero é urgente e essencial e, para a Fundação Friedrich Ebert, a democracia só é possível se houver justiça de gênero”, ressaltou.
Sobre o Big Push – A CEPAL desenvolveu uma abordagem para apoiar os países da região na construção de estilos de desenvolvimento mais sustentáveis, chamada “Big Push (ou Grande Impulso) para Sustentabilidade”. Trata-se de uma abordagem baseada na coordenação de políticas para promover investimentos sustentáveis, que produzam um novo ciclo de crescimento econômico, gerando empregos e renda, contribuindo para a recuperação da economia, e diminuindo desigualdades enquanto reduz a poluição e mantém e regenera a base de recursos naturais do qual o desenvolvimento depende.
No Brasil, a CEPAL vem trabalhando em parceria com órgãos públicos brasileiros, instituições de pesquisa e atores da sociedade civil para implementar a abordagem do Big Push para a Sustentabilidade por meio de colaborações, projetos e cooperações técnicas, em temas ligados à inovação e energias sustentáveis, patentes verdes, empregos, gênero e mobilidade sustentável e estudos de casos de investimentos sustentáveis.
O relatório completo está disponível aqui!
Fonte: ONU Mulheres