A palavra Carnaval, originária do latim, significa algo como “afastar-se da carne”. A festa tem como origem o mote da subversão da ordem, na qual as coisas deixam de ser como são para, temporariamente, assumirem o seu inverso.

Nesse sentido, entende-se a origem de várias condutas que vemos nessa festividade, tais como homens virarem mulheres, os pobres virarem ricos, e assim por diante. Justificado, assim, perante a sociedade estabelecida, o motivo para os homens se vestirem de mulher sem perder a sua masculinidade e heterossexualidade, quando terminada a festa.

Entretanto, graças às mudanças que temos visto acontecer, a tal permissão para “subverter a ordem”, atualmente passou a representar parte significativa da população brasileira. Sim, há homens que, passado o Carnaval, seguem sendo homossexuais, vestindo-se de mulher ou não.

A presença maciça de público nos blocos de rua das artistas Pabblo Vitar e Gloria Groove, no Carnaval de 2023 de São Paulo, comprova, mais uma vez, a importância da comunidade LGBTQIAPN+ no Brasil, na medida em que o anterior “permissivo” para “submeter a ordem” agora significa, felizmente, que parte relevante da população brasileira pode celebrar a sua orientação sexual sem sofrer violência, ainda que, lamentavelmente, sob a “desculpa” de ser Carnaval.

A superlotação dos blocos foi tal que o fim dos desfiles teve de ser antecipado, e o sucesso dos eventos representa a identificação das duas artistas com a comunidade LGBTQIAPN+ e a ligação com outros públicos.

Em 2022, o Datafolha, por meio do Orgulho, realizou pesquisa que demonstrou que ao menos 9,3% da população brasileira já se autodeclarava como LGBTQIAPN+. E o número, como sempre enfatizo, é certamente bem maior, haja vista que na pesquisa, cerca de 8% dos entrevistados se recusaram a responder.

Muito embora haja membros da comunidade LGBTQIAPN+ que não tenham a mesma apresentação física da Pabblo Vitar e da Gloria Groove, pois a comunidade é muito diversa dentro de seu próprio grupo, fazendo uma pesquisa livre na internet, deparei-me com números bastante relevantes do patrimônio das duas artistas: Pabblo tem patrimônio estimado em 200 milhões de reais. Gloria, entre 50 e 100 milhões de reais. E, se somássemos o patrimônio de todos os participantes dos blocos, a quanto chegaríamos?

Os números e uma reflexão sobre eles são importantes, pois dão uma dimensão do poder econômico de uma parcela significativa da sociedade – além dos cerca de 10% da população que se autodeclara LGBTQIAPN+, estimo que esse número facilmente pode dobrar, tendo em vista os que sabemos que são do grupo, mas que (ainda) não se autodeclaram por medo de sofrer violência e por medo dos efeitos nefastos do preconceito.

É óbvio que o respeito pelas pessoas vem primeiro lugar e isso por si só já deveria justificar a inclusão de membros da comunidade LGBTQIAPN+ na sociedade. Mas, por vezes, penso que seja importante demonstrar àqueles que se importam apenas com dinheiro, que esse grupo também consome e contrata produtos e serviços. E, também, é investidor.

Quais vocês acham que são as diretrizes que Pabblo e Gloria dão aos que são responsáveis por gerir os seus patrimônios? Elas darão prioridade para investimentos em empresas que se preocupam com o respeito à diversidade e inclusão ou para empresas que não se preocupam com o tema e que não fazem nada para mudar o triste cenário de violência e falta de oportunidades para essa parcela da sociedade?

Nesse sentido, mais uma vez, afirmo que ignorar a diversidade e a inclusão nas políticas e práticas de governanças das companhias é uma miopia empresarial inescusável. Quer seja pelo aspecto humano, quer seja pelo aspecto econômico, a sociedade e os acionistas estão de olhos abertos.

Para mim, isso é tão óbvio, mas o óbvio não é percebido por muitos, então precisa ser dito. E repetido. E muitas vezes.

Assim, fica a reflexão: quanto tempo a sua empresa e o seu conselho de administração ainda ficarão de olhos fechados para a comunidade LGBTQIAPN+?