No início da próxima semana, o COPOM irá se reunir para, entre outras coisas, definir a taxa Selic.
Como não existe a menor chance dela ser aumentada, considero aqui quatro possibilidades: manutenção, redução de 0,25%, redução de 0,50% e redução de 0,75%.
Vamos a cada uma delas:
Manutenção: Impossível. Seria, além de exagero (configuraria uma taxa de juros reais de aproximadamente dez por cento ao ano), um ato de hostilidade ao presidente da República, que vive se queixando do ‘cidadão’ que preside o BC.
Redução de 0,75%: Nessa hipótese, a taxa cairia para 13%. Isso simplesmente não vai acontecer. Poderia ser visto como submissão do colegiado ao presidente Lula.
Restam então duas possibilidades: queda de 25 ou 50 pontos.
Então não seria absurdo considerar que redução de 0,25% é hawkish e de 0,50%, dovish.
Há alguns anos escrevi um livro ficcional, ao qual dei o nome de Jogo Brasil¸ que foi rejeitado por três editoras que o consideraram politicamente incorreto. Como me recusei a alterar os trechos que elas julgaram impróprios, Jogo Brasil recolheu-se aos recônditos de um pen drive.
Um dos personagens da narrativa é Rodrigo Telesca, que faz carreira no Banco Central até chegar à presidência da instituição.
Segue um dos capítulos, quase ao final do livro:
“As reuniões do Copom duram dois dias seguidos, que caem sempre numa terça e numa quarta-feira. Da sessão de terça, realizada numa ampla sala de reuniões no oitavo andar do edifício-sede do BC, em Brasília, além dos membros com direito a voto, que são oito diretores colegiados do Banco Central, incluindo o presidente, participam diversos chefes de departamento da instituição. Cada um deles faz uma exposição sobre sua área.
No segundo dia, quarta, o Copom – agora reunido numa sala menor do 20º andar, com a participação apenas do presidente do BC e dos demais integrantes do colegiado, os que votam – decide se mantém, aumenta ou reduz as taxas de juro, para levar a taxa de inflação para uma meta fixada pelo Conselho Monetário Nacional.
No encontro de terça, 31 de outubro de 2010, Rodrigo Telesca praticamente só ouviu. Fez apenas alguns comentários pontuais sobre pontos levantados pelos expositores. Já na quarta, dia 1º de setembro, Telesca participou ativamente das discussões. O momento mais importante foi quando ele surpreendeu os colegas ao lhes dizer:
‘Eu acho que devemos reduzir a Selic em meio ponto, de dez e três quartos para dez e um quarto. Existem sinais óbvios de que o FOMC — Federal Open Market Committee, o equivalente nos Estados Unidos ao Copom brasileiro — vai reduzir para zero a taxa americana e o spread não precisa ficar tão favorável ao real. Mesmo se tirarmos meio ponto de nossa taxa, manteremos os investimentos aqui extremamente atrativos, sem afetar as metas inflacionárias. Tenho certeza de que todos os senhores irão concordar comigo.’
Evidentemente ninguém concordou, e Rodrigo Telesca sabia perfeitamente que isso iria acontecer. Primeiro porque a taxa americana já estava praticamente em zero – oscilava entre zero e 0,25% ao ano. Segundo porque os Estados Unidos atravessavam uma recessão, sem nenhuma pressão inflacionária sobre o dólar, ao contrário do que acontecia no Brasil, onde havia risco da volta da inflação. Finalmente, porque reduzir os juros em meio por cento, sob um argumento tão infantil, era simplesmente um sinal de que Telesca estava ajudando o presidente Augusto Pires a se reeleger no primeiro turno.
Após uns cinco minutos de silêncio sepulcral, começaram a surgir os primeiros murmúrios e resmungos. Foi nesse instante que o olhar maroto que Telesca remeteu a cada um dos colegas – e olhar não aparece nas atas das reuniões — deu a dica sobre o que se passava. Do tipo: ‘Estou sendo obrigado a propor isso’.
Tal como Sérgio Vilhena predissera na véspera, ninguém acompanhou a proposta de Rodrigo Telesca. Muito ao contrário, o economista Fernando Paiva, diretor de Política Monetária do Banco Central, propôs uma elevação de um quarto de ponto da taxa Selic, de 10,75% ao ano para 11%.
Feita a votação, a moção de Paiva foi aprovada por quatro votos, contra três da manutenção da taxa em 10,75% e apenas um, o de Rodrigo Telesca, em favor da queda de meio ponto.
Faltava ainda meia hora para o fechamento das bolsas de valores e de futuros em São Paulo quando o Copom chegou à decisão insólita: subir juros antes das eleições. Restava agora aguardar o encerramento dos pregões para que o Banco Central a tornasse pública, como era de praxe.
Houve tempo para que Telesca, entocado num dos vasos sanitários do banheiro anexo à sala de reuniões, informasse, usando seu celular pirata, ao seu amigo Sérgio Vilhena:
‘O Copom chegou a uma definição. Acredite se quiser. Batemos o martelo: a Selic vai para onze por cento. Use e abuse dessa informação. Depois salva o meu. Cansei de ser honesto. Aquela história do atropelamento acidental do travesti vai me perseguir o resto da vida. Preciso acumular reservas’”
Quando, e se, a sociedade brasileira se tornar mais liberal, e menos xiita, eu publico minha ficção.
Um forte abraço,
Ivan Sant’Anna