Considerada uma das publicidades mais criativas do mundo, a propaganda brasileira tem inovado pouco ou quase nada na abordagem de gênero e raça, segundo estudo divulgado no evento “Integrar e Empoderar: por direitos e oportunidades para mulheres migrantes e refugiadas no Brasil”, no último Dia Internacional das Mulheres, em São Paulo. A décima onda da Pesquisa TODXS, realizada pela Aliança sem Estereótipos, de ONU Mulheres, mapeou, em 2021, a representatividade na mídia brasileira e demonstrou que, de 2015 para cá, de fato, houve avanços, com mais narrativas que empoderam do que histórias que estereotipam, mas alerta que ainda há muito a ser feito.

Na pesquisa, que engloba o período de março, abril, julho e dezembro de 2021, foram analisadas a publicidade na TV e na rede social Facebook, considerando-se 5.467 comerciais de TV e 1.657 posts no Facebook, abrangendo 425 anunciantes, 35 segmentos de mercado e 05 emissoras televisivas, sendo elas: Rede Globo, SBT, Record, Megapix e Discovery Kids.

Como pontos positivos, constatam-se a mudança no comportamento e papeis de gênero, como maior presença de mulheres em narrativas que mesclam força, liderança e autoestima; mais participação de homens nos cuidados domésticos e com a família. Em relação a aspectos físico, a 10a onda registra o maior percentual de protagonistas com cabelo crespos e cacheados alcançado pelo estudo (21%), demonstrando uma significativa mudança frente ao liso hegemônico que ainda domina nos personagens.

No entanto, o número de peças publicitárias com pessoas com deficiência foi inexpressivo em 2021: 1,2%. Além disso, é marcante o percentual de 0% de peças publicitárias com participação de pessoas LGBTQIAP+. Essa foi a primeira vez que isso aconteceu em seis anos de estudo. O Brasil segue sendo o país que mais mata pessoas trans no mundo, como revela a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), por isso a presença dessa comunidade é urgente.

A seguir, alguns dos principais resultados da pesquisa:

Estereótipos de gênero

Estereótipos de gênero na publicidade ainda relacionam as mulheres com maternidade e tarefas do lar e homens com poder e autoridade. Além disso, mulheres e meninas ainda seguem sendo objetificadas sexualmente.

Por sua vez, a pesquisa demonstra que a publicidade brasileira empodera mulheres e homens quando os apresenta em profissões e com interesses que rompem estereótipos de gênero e sujeitos e sujeitas de suas próprias histórias.

A pesquisa incluiu um olhar para as masculinidades porque meninos também são impactados por estereótipos de gênero e tendem a reproduzi-los quando adultos. Dados do Instituto ProMundo indicam que meninos são menos propensos do que meninas a identificar estereótipos de gênero na mídia e podem ser mais vulneráveis ao efeito de “terceira pessoa”, no qual as pessoas veem a mídia como tendo uma influência maior sobre os outros do que sobre si mesmas.

O movimento He for She (ElesPorElas), da ONU Mulheres também aponta a necessidade que os homens formem, junto às mulheres, “uma frente ambiciosa, visível e unida em direção à igualdade de gênero”.

Maturidade na mídia

O público maduro (acima de 60 anos) aparece de forma empoderada em 57% das peças publicitárias analisadas: como ativo, que trabalha, faz planos e interage com outras gerações. No caso da publicidade protagonizada por público maduro, temos 89% de homens brancos e 96% de mulheres brancas. É um dado interessante de ser acompanhado, visto que em 2050 o Brasil será o sexto país mais velho do mundo, à frente de países desenvolvidos, segundo a pesquisa World Population Ageing, de 2017, das Nações Unidas.

A publicidade brasileira ainda é gordofóbica

O padrão de beleza idealizado no Brasil para as mulheres é de uma mulher branca, magra, com curvas, cabelos lisos e castanhos. Esse padrão aparece em 62% dentre as protagonistas de TV e de Facebook. O número de inserções de modelos e atrizes plus size não saiu de 0% na TV e alcançou o percentual de 2% no Facebook.

Poucos negros e negras no protagonismo das histórias

Embora quase 56% da população brasileira se autodeclare negra, a publicidade brasileira ainda pouco se desafia em narrativas para negros e negras como personagens centrais, colaborando na manutenção do racismo e da discriminação racial, o que vai de encontro ao avanço da pauta racial em debate global. 

A pesquisa aponta que houve um crescimento de 22% para 27% de representação das mulheres negras protagonistas na TV em relação a 2020. No caso dos homens negros protagonistas na TV, houve um expressivo aumento em relação ao ano anterior. O número passou de 7% a 20%.

A ausência de diversidade racial chega a 16% na publicidade protagonizada por mulheres. Se analisarmos a inclusão racial por segmento, temos ausência de personagens negros e negras nos segmentos de calçados, lar e decoração, automóveis, bebidas não-alcoólicas e turismo e menos de 20% de representatividade nos segmentos de publicidade de medicamentos, entretenimento, comunicação e mídia, bebidas alcoólicas, beleza e cuidado pessoal e eletrônicos.

Como ponto positivo, a representatividade negra é maior que 50% nos segmentos de serviços públicos, telecomunicações, eventos, serviços financeiros, fast food, cuidados com bebês e sites e aplicativos.

Publicidade infantil também é estereotipada e com ausência de protagonistas negras

Em relação aos dados da publicidade infantil, há a reprodução de muitos dos estereótipos vistos na publicidade dos adultos: meninos e homens são representados como especialistas, profissionais ou em peças publicitárias que reforçam a ideia de força física. Já as meninas e mulheres aparecem na publicidade infantil em peças sobre cuidados com a família, maternidade e também como especialistas, o que é, neste caso, um ponto de empoderamento.

Na publicidade infantil, há a ausência de protagonismo negro feminino: o resultado apontou 73% de mulheres e meninas brancas ante 27% de mulheres de outras etnias.

 Pesquisa TODXS

A pesquisa TODXS nasceu em 2015 em parceria com a Heads Propaganda com o objetivo de mapear como gênero e raça são representados pela publicidade brasileira, através de análise de comerciais de TV e posts de Facebook. Ao longo dos últimos anos, o estudo ganhou novos recortes e hoje, nesta 10a onda, amplia a análise trazendo dados de representatividade do público LGBTQIA+, pessoas com deficiência, público maduro, publicidade para audiência infantil, além de capítulo sobre masculinidades e da inclusão de mais duas emissoras da TV aberta.

Desde a primeira onda, o estudo se converteu numa importante fonte de pesquisa de profissionais de comunicação, jornalistas, pesquisadores e estudantes, apontando as evoluções e retrocessos do conteúdo publicitário produzido pelo mercado brasileiro. Hoje, a pesquisa é uma das principais ferramentas da Aliança Sem Estereótipos – capítulo brasileiro do Unstereotype Alliance, uma coalizão global coordenada pela ONU Mulheres congregando de marcas, empresas e entidades da indústria para o enfrentamento de estereótipos na comunicação.

Aliança Sem estereótipos

Criada em 2017, a Aliança sem Estereótipos tem como principal objetivo promover uma publicidade livre de estereótipos por meio de uma plataforma de pensamento e ação que use uma abordagem interseccional. Com isso, busca-se erradicar estereótipos de gênero, e, no Brasil, com foco na sub-representação de mulheres negras e indígenas, com deficiência e comunidade LGBTQIAP+.

A Aliança sem Estereótipos inclui capítulos nacionais na África do Sul, Brasil, Emirados Árabes Unidos, Japão, México, Quênia e Turquia, além do Brasil, primeiro capítulo a ser lançado pela Aliança, em 2019. O objetivo da criação de capítulos nacionais é que a abordagem seja elaborada de maneira que considere as nuances sociais e culturais de cada mercado de forma a realizar ações relevantes em nível local e consistentes em nível global. 

Fonte: ONU Mulheres

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