Uma das recentes polêmicas que vêm “animando” o mercado de capitais diz respeito à disputa entre o fundador da GetNinjas (que ocupa as posições de CEO, Diretor de Relações com Investidores e vice-presidente do Conselho de Administração) e investidores institucionais (em especial o fundo REAG), com relação à devolução de excedente de caixa aos acionistas.

Ao se posicionar contrariamente à devolução do caixa, a REAG passou a adquirir ações da GetNinjas, superando o percentual de 25% das ações com direito à voto da Companhia – o que acionou a chamada cláusula de poison pill, tendo na sequência solicitado a convocação da Assembleia Geral para realização de Oferta Pública de Aquisição de ações (OPA), nos termos do art. 55 do Estatuto Social da empresa.

É justamente sobre essa ferramenta estatutária – as poison pills – de que este artigo tratará.

O que são poison pills e como funcionam?

As poison pills (ou “pílulas de veneno”) são uma espécie de cláusula estatutária bastante comum no mercado de capitais brasileiro, apesar de não possuírem previsão em nossa legislação societária. Trata-se, assim, de um mecanismo criado pelos próprios agentes do mercado, destinado principalmente à proteção da dispersão acionária. Por meio desta cláusula, caso um acionista adquira determinado percentual de ações de uma companhia, passa a ser obrigado a realizar uma Oferta Pública de Aquisição (OPA), ou seja, deverá comprar todas as demais ações negociadas no mercado cujos titulares desejem aderir à OPA. As condições devem ser previstas no próprio Estatuto Social, e em geral carregam prêmios ou condições bastante favoráveis aos acionistas, o que – em tese – desencoraja aquisições hostis, por exemplo.

Inicialmente, porém, cumpre fazer um esclarecimento. O desenho da cláusula de poison pill tem a finalidade declarada de garantir a dispersão acionária, evitando que um acionista (ou grupo de acionistas) adquira participação relevante e assuma o poder de controle, entendido conforme a Lei Federal nº 6.404/76:

Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que:
a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e
b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.
Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.

Pela legislação brasileira, o poder de controle não está relacionado à titularidade da maioria do capital social, bastando que o acionista possua participação suficiente para assegurar “a maioria dos votos nas deliberações” e “o poder de eleger a maioria dos administradores”. Em companhias com capital altamente pulverizado e com baixa adesão de acionistas às Assembleias Gerais, é possível que um acionista detenha participações bastante modestas (entre 10% e 15% do capital social com direito à voto, por exemplo) e mesmo assim seja considerado “controlador”. Além disso, é possível que o controle seja exercido por acionistas vinculadas por acordo de voto, o que facilita o exercício do poder de controle em companhias com alta dispersão.

Porém, é possível que as cláusulas de poison pill sejam utilizadas como ferramenta para que os Administradores protejam suas posições e enfraqueçam os direitos dos acionistas, especialmente quando o percentual de gatilho da poison pill é muito baixo. O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC alerta, em seu Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa (p. 73), que as poison pills “podem resultar na concentração do poder político dos acionistas de fato, no encastelamento de administradores ineficientes, no agravamento do conflito entre acionistas e administradores ou entre acionistas majoritários e minoritários, e dificultar operações de interesse dos acionistas e com potencial benefício para a companhia”. Em função disso, o IBGC desencoraja a adoção deste mecanismo.

Como mencionado, porém, as cláusulas de poison pill são muito populares no Brasil, ainda que os percentuais para acionamento da ferramenta variem e que as condições sejam bastante ecléticas. Estudo apresentado em 2015 na Revista de Administração IMED por Marcelo Augusto Ambrozini, Tabajara Pimenta Junior e Luiz Eduardo Gaio (“As Pílulas de Veneno: Cláusulas em Estatutos Sociais de Empresas para Dificultar o Takeover Hostil”) identificou que 51 das 104 empresas listas no Novo Mercado à época possuíam cláusulas de poison pill em seus Estatutos Sociais, o que demonstra a grande popularidade da cláusula.

Algumas empresas chegam a prever, inclusive, que a cláusula não pode ser retirada do Estatuto, salvo mediante a realização de OPA. Com isso, fica clara a importância de que haja uma análise bastante criteriosa para a inclusão das poison pills em Estatutos Sociais, medida que poderia ser adotada pela CVM ou pela B3.

Por fim, é digno de nota que o funcionamento da cláusula de poison pill é distinto no mercado de capitais dos Estados Unidos, onde o instrumento (ou, ao menos, a nomenclatura) se originou, não devendo haver confusão entre as poison pills brasileiras e as norte-americanas.

Foto: pixabay.com

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