“Temos uma nova chance de combater de forma determinada o desmatamento na Amazônia” – Míriam Leitão, autora do livro
Por Sônia Araripe e Felipe Araripe, de Plurale
Foto de Rafaela Cassiano – Divulgação/ Editora Intrínseca
A longa fila de autógrafos no lançamento do livro “Amazônia na encruzilhada: O poder da destruição e o tempo das possibilidades” (Editora Intrínseca, 464 páginas), de Míriam Leitão, no Rio de Janeiro, é só uma amostra de como a jornalista e escritora tem público cativo. Que só cresce e se diversifica, com os leitores infantis. Com a mesma desenvoltura que circula nos principais gabinetes de autoridades e empresários, Míriam Leitão mantém o fôlego de jovem repórter para se embrenhar pela Floresta Amazônica e relatar o que por lá encontra.
A pandemia trouxe o tempo que Míriam precisava para pesquisar, refletir e ouvir especialistas sobre os diferentes caminhos e saídas para a maior floresta tropical do planeta. Para quem espera alguma visão catastrófica e pessimista, o livro traz um olhar esperançoso e otimista de quem é absolutamente apaixonada pelo seu ofício de descortinar e relatar o Brasil continental, sua exuberante biodiversidade e sua gente.
“Com todo o instrumental que temos, com toda a experiência, com toda a nossa vontade, com esse momento de emergência climática, isto é o certo a fazer: combater o desmatamento e perseguir essa meta de forma persistente mesmo. Não, não desistir desta meta mesmo quando parecer difícil.”
Fotos de Laís Carvalho.
Generosa, Míriam atendeu Plurale em meio ao lançamento do livro, à chegada da Bienal do Livro no Rio e de outros eventos literários. A mineira de Caratinga, premiadíssima, mãe de dois jornalistas, Vladimir Netto e Matheus Leitão; avó de quatro netos – Mariana, Daniel, Manuela e Isabel – e casada com o cientista político e também escritor Sergio Abranches, parece conseguir fazer cada dia ir muito além das 24 horas.
Míriam conta na entrevista que, em todas as suas viagens à Amazônia, “o que mais me impressionou foi o quanto eu aprendi, e que isso me deu uma sensação de humildade. Fui escrever esse livro tendo a humildade como o ponto principal. Eu sei que não sei muita coisa. A Amazônia não é um lugar onde você possa ir e falar: “eu conheço a Amazônia”, como se faz quando se visita uma cidade, por exemplo, ou se vai em um ponto turístico específico. Na verdade, a Amazônia é imensa!”
A autora se posiciona contra a exploração de petróleo na Amazônia e detalha como avançou na pesquisa para o livro. Acompanhe a seguir a entrevista à Plurale.
Plurale – Como você decidiu escrever esse livro? Sentiu o desejo de visitar a Amazônia depois de escrever e, então, completar a jornada com seu documentário?
Míriam Leitão – Comecei a escrever o livro no primeiro momento da pandemia. Parecia maluco estar presa à Gávea e escrever sobre a Amazônia. Mas eu já tinha ido lá várias vezes e feito viagens marcantes para mim; além disso, foi mais fácil achar as pessoas em casa, online. Depois, com o livro semi-escrito, voltei à Amazônia para um documentário, que acabou virando o último capítulo. Descobri, depois de visitar as viagens que fiz e as entrevistas que me deram, que na verdade a vontade de escrever esse livro surgiu na viagem que fiz com Sebastião Salgado à Terra Indígena Caru, na Amazônia Maranhense.
Plurale – Existem várias Amazônias. Alguns defendem a preservação total. Outros falam na bioeconomia e no aproveitamento desta potência da floresta em pé; e há outra corrente, também, que fala da exploração extrativista. Qual é a sua visão?
Míriam Leitão – Há muitas Amazônias e muitas respostas para essa sua pergunta. Mas o certo é que todas as respostas precisam mirar a floresta em pé. Há muita gente produzindo na Amazônia da forma correta, sem destruir. A floresta é rica e generosa; a produção em paz com a floresta tem um enorme potencial de geração de renda para as pessoas e para o país. Eu dou diversos números no capítulo de economia sobre isso.
Plurale – Qual a sua opinião sobre a exploração de petróleo na Foz do Amazonas?
Míriam Leitão – Sou contra. E costumo não usar o nome Foz do Amazonas, mas sim Mar da Amazônia, que é mais abrangente e preciso. Acho que o debate está enviesado no Brasil sobre o assunto, mais uma vez com o meio ambiente acusado de impedir o desenvolvimento. O mundo começa a se preparar para a economia pós-petróleo e nós estamos dispostos a colocar em risco nosso maior patrimônio natural para iniciar uma perfuração que estará produtiva daqui a oito a dez anos? Não faz sentido, nem econômico.
Plurale – Você já esteve várias vezes na Amazônia, mas duas foram contribuições muito relevantes: com o fotógrafo Sebastião Salgado e no recente documentário sobre o bioma para a GloboNews. Fale um pouco sobre estas experiências, por favor.
Míriam Leitão – Todas as viagens que fiz à Amazônia me trouxeram muito, me deram muito. Eu até escrevo nos agradecimentos que, em cada viagem que fui, tive uma epifania; entendi uma coisa que não sabia antes. Nunca saí da Amazônia igual entrei, em cada uma das viagens. Estas duas viagens que você cita são importantes demais. Essa ida com o Sebastião Salgado, em 2013, foi muito relevante, porque ficamos dentro de uma aldeia e, no primeiro momento, o tradutor/ antropólogo que sabia a língua dos Awá Guajá ainda não tinha chegado, porque ficou preso na estrada, que estava com muito barro, porque tinha chovido bastante. Então tive que tentar entender a história que eu estava ali para contar, mesmo sem a comunicação, mesmo sem a palavra. Foi um processo muito importante. E depois disso, quando o antropólogo Uirá Garcia chegou, andamos pela região, conversamos e aprendi muito. Esta outra viagem para o documentário que você cita, em 2022, já com o livro semi-escrito, foi fundamental também. O curioso é que eu faço uma viagem que tem muitas escolhas jornalísticas, digamos assim: onde ir, por que ir, como resolver esse problema e como é superar essa dificuldade. Vou contando e, ao mesmo tempo, faço um relato e um making-of. Dá um relato das entrevistas que eu fiz, dos lugares que fui, das surpresas que tive no meio da reportagem… Então, nesse capítulo, tem também muita informação para os jovens jornalistas, estudantes de jornalismo, porque vou explicando como eu tomo as decisões – que podem até ser erradas, mas eu estou tomando decisões. O fato é que não há viagem à Amazônia que não tenha me ensinado alguma coisa nova e importante. Por isso, quero continuar indo muito à Amazônia!
Plurale – O governo conseguirá cumprir a meta de acabar com o desmatamento na Amazônia até 2030?
Míriam Leitão – Eu acho que está dentro do horizonte das nossas possibilidades acabar com o desmatamento até 2030. O Brasil já fez um movimento muito forte nesta direção. Eu conto no livro esse movimento, que foi de 2004 até 2012, como foi forte esse esforço para a redução do desmatamento e como deu certo essa política; conto os bastidores das tomadas de decisão. Conto até as lutas internas que houve: como é que o Presidente Lula, no primeiro ou no segundo governo, arbitrava esses conflitos dentro do governo. Tem episódios saborosos desses bastidores. Mas o que eu quis, ao fazer a visita à política bem-sucedida, foi mostrar que é possível reeditar essa política bem-sucedida agora. Que nós temos uma nova chance de combater, de forma determinada, o desmatamento na Amazônia. Já aprendemos muito; o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, que ajuda a monitorar por satélite o avanço do desmatamento na Amazônia e outros biomas) é muito mais sofisticado, avançou bastante; é uma joia que nós temos no serviço público brasileiro. E, com todo o instrumental que temos, com toda a experiência, com toda a nossa vontade, com esse momento de emergência climática, isto é o certo a fazer: combater o desmatamento e perseguir essa meta de forma persistente mesmo. Não, não desistir desta meta mesmo quando parecer difícil.
Plurale – Nas suas várias viagens à Amazônia, o que mais a impressionou naquele bioma? A natureza, as pessoas, a cultura?
Míriam Leitão – Em todas as minhas viagens à Amazônia, o que mais me impressionou foi o quanto eu aprendi. E que isso me deu uma sensação de humildade. Fui escrever esse livro tendo a humildade como o ponto principal. Eu sei que não sei muita coisa. A Amazônia não é um lugar onde você possa ir e falar: “eu conheço a Amazônia” – como se faz quando se visita uma cidade, por exemplo, ou quando se vai a um ponto turístico específico. Na verdade, a Amazônia é imensa! Comecei o livro explicando a diferença entre a Amazônia Floresta, a Amazônia Legal e a Pan-Amazônia, porque esses três conceitos já mostram a complexidade do assunto. Então, a minha sensação é que tudo me impressionou. A natureza é exuberante e também é muito diversa. Tem inúmeros lugares diferentes: a floresta alagada, a floresta seca, os campos… Tem tudo na Amazônia: a Amazônia urbana, a Amazônia desmatada, a Amazônia abandonada, a Amazônia se recuperando… São muitas Amazônias dentro da Amazônia. Então, tem muita coisa que não cabe em uma resposta. As pessoas que eu encontrei – amazônidas – me ensinaram muito e me deram muita esperança; me ensinaram muito sobre como conviver com a floresta. Tem muita coisa para ver na região; tem muita coisa a se aprender com a região; a região precisa ser estudada e precisa ser ocupada pela Ciência, para que a Ciência nos traga cada vez mais informações sobre a Amazônia. No livro, procurei me basear em novos estudos que estão sendo feitos sobre a Amazônia – como os estudos da Arqueologia, com os livros do Eduardo Goes Neves, um grande arqueólogo que está trabalhando na Amazônia há muitos anos. E também em novos textos e novos estudos feitos sobre aspectos diferentes – como, por exemplo, no arquivo do Amazônia 2030. Enfim, tem muita informação. A Amazônia é a pauta certa, mas o tema é inesgotável.
Plurale – Os governos internacionais voltaram a apoiar o Fundo Amazônia; há sempre a preocupação com a soberania nacional. Como você vê essa questão?
Míriam Leitão – O resto do mundo tinha se afastado de nós – e inclusive, nesse abandono do Fundo Amazônia, voltou a chegar, porque o Brasil voltou. O Brasil é que voltou para a mesa de negociação; o Brasil voltou para a mesa da conversa, da grande conversa sobre o futuro do planeta. Então o Brasil chega sendo uma potência ambiental; portanto, a voz do Brasil é ouvida. O apoio dos países ao Fundo Amazônia não é nenhuma ameaça à soberania; basta ler lá o meu capítulo sobre o Fundo Amazônia. Como é que ele nasceu? Quais são os critérios? Na verdade, é doação; doação desses países para que nós possamos fazer, sob o nosso controle, a política que nós quisermos – menos a de destruir a Amazônia. Por isso é que, no governo Bolsonaro, eles se afastaram. Se afastaram porque o projeto do Bolsonaro era destruir a Amazônia, e esse projeto não tem sócios. A não ser os criminosos; os criminosos são sócios desse projeto do Bolsonaro. Mas o mundo é sócio do projeto de proteger e preservar a Amazônia. Então não há ameaça. O que ameaça a soberania da Amazônia? Apoio aos nossos projetos? Apoio à preservação da Amazônia? A presença das ONGs ambientais? Não, nada disso ameaça a Amazônia, nem ameaça a soberania. O que ameaça a soberania da Amazônia, hoje, é o crime – o crime que está lá, que age em rede e que tem conexões internacionais com o crime internacional de tráfico de drogas, de tráfico de madeira, de exploração de caça e pesca ilegais, de garimpo ilegal. Esse é o crime que ameaça a soberania da Amazônia. Só isso que ameaça. Então, nós não podemos ficar com essa ideia de que há um inimigo externo, que é um país que está cobiçando a Amazônia, e que nós temos que nos defender do mundo, que é uma visão muito comum no meio militar. Não, não é isso.
A Amazônia tem sido ameaçada é pelos grupos criminosos, pelas organizações criminosas, que ficaram muito mais fortes e muito mais bem armadas no governo Bolsonaro.
Plurale – Quais são seus projetos para o futuro? Livro infantil, mais documentários, poder curtir mais a família… Ou tudo junto e misturado?
Míriam Leitão – Sempre vou ter muitos planos na literatura; na literatura infantil, brotam muitos sonhos e projetos. E eu realmente amo ser o que eu sou: jornalista e escritora. Mas quando a gente lança um livro, o trabalho não acaba com aquele livro. O pacto com aquele livro não acabou; é preciso fazer lançamentos, dar entrevistas, tentar divulgar ao máximo, porque o que um livro precisa é de leitores; ele acontece quando encontra leitores. Então eu vou ficar aqui cuidando do “Amazônia na Encruzilhada” e querendo que ele seja lido. Agradeço, portanto, esse espaço na Plurale para divulgar o meu livro. Obrigada!
Ficha do livro
AMAZÔNIA NA ENCRUZILHADA
O poder da destruição e o tempo das possibilidades
MÍRIAM LEITÃO
Formato(s) de venda: livro e-book
Editora: Intrínseca
Páginas: 464
Gênero: Não ficção
Formato: 16 x 23 x 2,4 cm
ISBN: 978-65-5560-620-1
E-ISBN: 978-65-5560-616-4
Lançamento: 01/09/2023