Digamos que uma empresa chamada Produtos Alimentícios Amalgamated seja negociada na B3. Trata-se de uma indústria de óleos comestíveis, sendo o principal deles óleo de soja.

Como a safra brasileira de grãos foi recorde, a Amalgamated poderia vender o litro de óleo por um preço baixo.  Mas não faz isso porque, em Chicago, o óleo de soja (soybean oil) está atravessando um bull market provocado por uma seca no Meio-Oeste americano.

E, se pode exportar por um preço alto, porque diabos a Amalgamated iria vender óleo de soja barato aqui?

O mesmo acontece com o café, suco de laranja, minério de ferro, metais básicos, carnes e outras commodities das quais somos grandes produtores.

Só a Petrobras é que tem seus preços regidos por razões políticas.

Mas comecemos a analisar esta história desde o seu início.

Antes da descoberta das jazidas submarinas na bacia de Campos e do desenvolvimento do Proálcool, nós seguíamos estritamente os preços internacionais, mesmo porque dos Estados Unidos, Venezuela e Oriente Médio é que  vinha a maior parte de nosso combustível fóssil.

Durante a Segunda Guerra Mundial, quase todo o petróleo do mundo foi enviado para os teatros de conflito, na Europa, Norte da África e, a partir de dezembro de 1941 (ataque japonês a Pearl Harbor), para as batalhas nos mares e ilhas do Pacífico.

Nessa ocasião, no Brasil, só os veículos de transporte urbano e os carros oficiais recebiam gasolina.

Quem quisesse transitar assim mesmo, tinha de instalar na traseira do veículo uma geringonça barulhenta, fumacenta, altamente poluente e pouco eficiente chamada gasogênio, pois o combustível era carvão.

Finda a guerra, a gasolina voltou a ficar abundante e sempre barata.

O preço comercializado aqui era quase o mesmo dos países produtores, apenas convertidos de dólares para cruzeiros.

A partir de 1953, durante o segundo período Getúlio Vargas, a Petrobras tornou-se monopólio na extração de petróleo, que vinha quase todo do Recôncavo Baiano. Isso cobria mais ou menos 20 por cento de nosso consumo. O restante era importado.

Como a Petrobras era, assim como continua sendo, uma empresa de capital aberto, o lucro aumentava, e suas ações em Bolsa se valorizavam, quando a cotação internacional do petróleo subia e se desvalorizavam quando a cotação caia.

Comme il faut.

O divórcio de preços (internos/externos) começou no final do governo do general Emílio Médici, quando, durante e após a guerra do Yom Kippur, o barril lá fora saltou inacreditáveis 633%, saindo, em apenas três meses, de três para vinte e dois dólares.

Como Médici iria passar o governo para Ernesto Geisel em março de 1974, ele fez com que a Petrobras continuasse a vender combustível barato e deixou o pepino para o sucessor.

Nesse mesmo ano (1974) foram descobertas as jazidas submarinas na bacia de Campos.

Só que uma coisa é achar petróleo no fundo do mar. Outra é tirá-lo lá de baixo e explorá-lo comercialmente. Entre um e outro evento, leva tempo. Muitos anos.

Nessa ocasião, o governo Geisel promoveu o Pró-álcool, que iria se revelar um tremendo sucesso, e completou o combate à escassez de combustível com a imposição de racionamento.

Os postos de abastecimento não funcionavam à noite e nos fins de semana. Com isso equilibrou a relação oferta/procura.

De lá para cá, enquanto a produção da Petrobras não parava de crescer, a política de preços praticada pela empresa variava de acordo com as decisões do governo de Brasília.

Ora obedecia a cotação internacional, ora se divorciava dela por puro populismo. Daí o título desta crônica: Petrobras: fundamentos embaralhados.

Em algumas ocasiões, e pouca gente se lembra disso, havia guerra de preços lá fora e o petróleo importado era muito mais barato do que o produzido em nossas plataformas.

A reação da Petrobras era vender, aqui, derivados por preços muito acima dos internacionais.

Em outras, geralmente em época de eleições, e estando o preço alto lá fora, aqui dentro a gasolina, o diesel e o gás de cozinha tinham seus preços congelados e até reduzidos.

Houve contrapartidas.

Durante o governo Michel Temer, Pedro Parente foi nomeado presidente da Petrobras, com plenos poderes, e decidiu praticar aqui os preços internacionais. Tal como acontece com a soja, o milho, o trigo, os metais e as carnes.

Só que veio a greve dos caminhoneiros. Temer entrou em pânico e exigiu que Parente baixasse os preços dos combustíveis, exigência essa com a qual ele não concordou, preferindo pedir demissão.

Agora está havendo um conluio entre a Arábia Saudita e a Rússia (de corte de produção) e o preço do barril de petróleo WTI (Western Texas Intermediate) está cotado na Nymex, em Nova York, a US$ 88,50, máxima de mais de um ano.

É pura adivinhação dizer que os acionistas da Petrobras vão obter vantagem com essa alta.

Lula, que não faz outra coisa na vida a não ser pensar nas eleições de 2026, pode simplesmente vetar qualquer aumento de preços, ou mesmo impor uma redução demagógica. 

Um ótimo fim de semana para todos.

Ivan Sant’Anna

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