Nada de surpresas para o mercado ou mesmo para o governo. Desde agosto do ano passado o Comitê de Política Monetária do Banco Central, o Copom, havia iniciado o ciclo de corte da taxa básica de juros, a Taxa Selic, que à época, chegava a 13,75%. Na noite desta quarta-feira (19) as sucessivas quedas foram interrompidas com a decisão unânime dos membros do Copom em manter a taxa em 10,5% a.a.

“O mercado já apontava para um provável consenso, e a decisão foi tomada por unanimidade, diferentemente da reunião de maio, que apresentou uma votação bastante dividida, com um placar de 5 a 4. Os quatro votos contrários à decisão de maio foram de indicados pelo atual governo, o que gerou considerável ruído. A decisão unânime de hoje (19) visa transmitir uma imagem de maior consenso”, comenta Tulio Menezes, gestor de recursos CGA do Grupo Fractal e planejador financeiro CFP pela Planejar.

Cenários

Segundo Túlio, no cenário global, ainda há muita incerteza. Nos Estados Unidos, o discurso do FED tem sido de postergar o início do ciclo de cortes de juros. “A atividade econômica lá tem se mostrado bastante resiliente, com índices de inflação e atividade elevados, levando os americanos a preverem o início dos cortes de juros apenas no final do ano. Isso tem levado diversos bancos centrais ao redor do mundo a revisar suas políticas de corte de juros.”

Para o gestor, aqui no Brasil a situação não é muito diferente. Os índices de atividade econômica e emprego no Brasil também têm se mostrado resilientes. A mensagem do Banco Central tem sido clara no sentido de fazer o necessário para que a inflação convirja para a meta.

“Outro ponto importante é a recente deterioração do cenário fiscal, que tem sido amplamente debatido na mídia. No Brasil, há um descompromisso com a contenção de gastos públicos, mesmo com o aumento da receita via tributação, sem um correspondente corte de despesas, o que tem agravado a situação econômica nas últimas semanas”, destaca Túlio.

Sobre a inflação, ele ressalta que o relatório Focus do BC, que mostra a média das opiniões dos especialistas de mercado, já indicava expectativas de inflação para 2024 e 2025 em alta. “Consequentemente, as expectativas para a Selic no final do ano estavam estáveis em 10,5%, conforme confirmado pela decisão desta quarta. Isso sugere que, na visão do mercado, o ciclo de queda de juros para este ano terminou na última reunião, e espera-se que a taxa Selic permaneça em 10,5% até o final de 2024.”

Mercado tranquiliza

Para Laís Martins, sócia da Fundamenta Investimentos, a boa notícia é que essa decisão do Copom foi unânime entre os membros do Comitê, contrastando com a reunião de maio, na qual houve uma divisão significativa. Naquela ocasião, quatro membros indicados pelo presidente Lula votaram por uma redução de 0,5 ponto percentual, superior ao corte de 0,25 ponto percentual que acabou sendo a decisão oficial. “Isso gerou preocupações no mercado, pois poderia indicar uma possível interferência política nas decisões do Copom, especialmente diante das reiteradas críticas de Lula ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto’, comenta.

A decisão unânime desta quarta tranquilizou os mercados, demonstrando o compromisso do Banco Central com a meta de inflação do país, segundo a Laís. “No comunicado divulgado junto com a decisão, o Comitê manteve uma postura conservadora, destacando a ampliação da desancoragem das expectativas de inflação e a elevação das projeções inflacionárias. Isso indica que o Banco Central pretende manter uma política monetária contracionista por um período mais prolongado, até que novos indicadores mostram uma melhora na inflação.”

De acordo com Rogério Mori, economista-chefe da Davos Investimentos, a decisão do Copom é positiva sob diversas perspectivas. Primeiro porque, segundo ele, ela está alinhada com as expectativas do mercado, interrompendo a sequência de cortes. “O cenário econômico deteriorou-se significativamente nas últimas semanas. Nos Estados Unidos, a percepção é de que os juros permanecerão elevados por um período mais longo do que o inicialmente previsto, o que tem um impacto global sobre os fluxos financeiros.”

Já a atividade econômica brasileira está mais aquecida do que se esperava, o que sugere um processo de desinflação mais lento. “Além disso, a recente valorização do dólar tem efeitos inflacionários potenciais. Ainda não conhecemos plenamente os impactos inflacionários decorrentes do desastre no Rio Grande do Sul, que afeta os preços de diversos produtos alimentícios e, consequentemente, os próximos índices de inflação”, acrescenta o economista.

Além disso, ele também cita que a deterioração do quadro fiscal preocupa e pode comprometer a sustentabilidade da inflação em níveis baixos no longo prazo. “Portanto, a decisão do Copom é adequada e em consonância com as expectativas. O fato de ter sido unânime reforça a percepção de que foi uma decisão técnica, afastando possíveis pressões políticas sobre a autoridade monetária. Portanto, considero a decisão muito positiva, indicando um direcionamento favorável da política monetária.”

Copom neutro

Na visão do Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, a função do Banco Central, neste momento, era ser um comitê de política monetária (Copom) neutro, sem causar volatilidade ou proporcionar margem para especulações ao longo da semana.

“Contudo, o Banco Central adotou um tom mais rígido do que em comunicados anteriores, indicando uma provável manutenção da taxa nas próximas reuniões, a menos que o cenário econômico mude significativamente, especialmente no exterior, com um possível corte de juros nos Estados Unidos antes de dezembro. Nesse caso, o Banco Central poderia revisar sua posição e voltar a flexibilizar a política monetária.”

Entretanto o especialista prevê que o Banco Central manterá este comunicado ou fará pequenas alterações nas próximas reuniões.

“Com a chegada deste momento de pausa, surge uma crítica do mercado e dos economistas ao Banco Central: será que em algum momento do ano passado, quando a situação estava mais favorável, não deveria ter acelerado o ritmo dos cortes? Uma taxa de dez e meio é elevada e abre espaço para críticas políticas, especialmente considerando que outras economias na América Latina aceleraram o ritmo de cortes e agora, diante de um cenário internacional pior, estão pausando em taxas menores.”

Ele também acredita que haverá uma reação política significativa. “O presidente Lula e outros líderes políticos, assim como o setor empresarial, criticaram a manutenção das taxas elevadas. Observando os balanços trimestrais recentemente divulgados, muitos já contavam com reduções de juros para 2024, que agora não ocorrerão”, disse. Para Cruz, isso provavelmente desacelerará investimentos e contratações, resultando em uma revisão mais negativa para o segundo semestre. “Em resumo, imagino que o comunicado será bem recebido pelo mercado.”

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