Caro(a) leitor(a),

Na noite do domingo (30) de outubro do ano passado, tão logo o Tribunal Superior Eleitoral anunciou a vitória de Lula, com uma vantagem de 1,5% sobre Jair Bolsonaro, os petistas se reuniram em comemoração.

Mas, com certeza, havia água no chope.

Alguns dias antes da realização do segundo turno, os institutos de pesquisa mais conceituados apontavam uma diferença de aproximadamente 10 pontos.

Ou seja, Luiz Inácio sabia que, na lei dos grandes números, quase um em cada dois brasileiros votou pela reeleição do capitão Jair.

Na segunda-feira dia 12 de dezembro, enquanto Lula e Alckmin eram diplomados no TSE, a alguns quilômetros dali bolsonaristas inconformados com a derrota incendiaram carros e ônibus em frente ao prédio da Polícia Federal, prédio esse que inclusive tentaram invadir, sem que ninguém fosse preso, apenas dispersados, a duras penas, pelas forças de segurança.

Veio o dia da posse, 1º de janeiro deste ano. Nessa ocasião, lulistas e bolsonaristas permaneceram separados, os negacionistas acampados em frente à sede do comando do Exército, os lulistas acompanhando a subida atípica do presidente na rampa do Planalto.

Chegou o dia 8 de janeiro e Luiz Inácio Lula da Silva ganhou a sorte grande (com minhas desculpas pelo anacronismo da expressão).

As hostes adversárias do presidente, numa atitude de estupidez condenada por 93% dos brasileiros (segundo pesquisa DataFolha), depredaram instalações do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto.

Aí Lula obteve força para governar, demitir bolsonaristas do governo, se entender com as Forças Armadas.

Se conhecesse um pouco de história (do Brasil e do mundo) aproveitaria o ensejo para gastar gordura da popularidade que lhe caiu no colo de graça, para tomar medidas de rigor fiscal.

Mas não. Quer, ao mesmo tempo, baixar os juros, subir as metas de inflação e fazer o país crescer quarenta anos em quatro.

Elevar metas de inflação até faz sentido, já que o cenário brasileiro e mundial mudou após o surgimento da Covid e a farta distribuição de dinheiro ocorrida aqui e em diversos países, inclusive os mais conservadores em termos de gastos públicos.

De sua parte, Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, insiste em manter alta a taxa Selic até que o país atinja a meta que o Conselho Monetário Nacional definiu.

Por sinal, o sistema de metas inflacionárias, a serem alcançadas por medidas das autoridades monetárias, foi copiado do Reserve Bank of New Zealand – Banco da Reserva da Nova Zelândia − e deu certo tanto aqui como lá.

Até que chegou o abominável mundo novo da Covid.

Em 2022, com uma taxa inflacionária obscena de 7,2% (auferida pelo índice de preços ao consumidor) o governo neozelandês viu sua meta de inflação, de zero a dois por cento ao ano, tornar-se inexequível, tão inexequível quanto a de 3,25% do Brasil.

Nos Estados Unidos, sempre que tem uma oportunidade de se pronunciar, Jerome Powell, chairman do FED, cita uma inflação de dois por cento ao ano, enquanto o resiliente CPI (Índice de Preços ao Consumidor, na sigla em inglês), anda rodando na faixa de 6,4% (12 últimos meses, encerrados em janeiro). Isso representa mais de três vezes o target pessoal de Powell.

A Alemanha não faz por menos, com 8,7%, o que deve provocar engulhos nos saudosos presidentes do Bundesbank.

Tudo isso somado indica que o padrão mundial de inflação mudou, tal como aconteceu na década de 1970, com o primeiro choque do petróleo.

Até as terminologias mudaram.

Milionário, por exemplo, é (na essência do substantivo) quem tem um milhão, seja de dólares, euros ou reais.

Ao usarmos esse parâmetro, quem tem um apartamento de três dormitórios e um Toyota usado é milionário no Brasil. 

Um milhão de euros é quanto ganha Cristiano Ronaldo a cada dois dias na Arábia Saudita. LeBron James, coitado, leva quase uma semana para ganhar um milhão de dólares.

Já faz tempo que o mundo mudou do mi para o bi. E mesmo o bi está se tornando obsoleto. Tanto é assim que Elon Musk perdeu 200 deles no ano passado.

Chegamos a época do tri. Tri em dólares, tri em euros, tri em reais.

Com o dinheiro sendo depreciado em todo o mundo, é quase impossível que voltemos a ter inflações de um, dois ou três por cento ao ano. A não ser que… a não ser que enfrentemos uma nova Grande Depressão.

Roberto Campos Neto se esqueceu da (como diria o ex-presidente José Sarney) liturgia do cargo ao votar, nas últimas eleições presidenciais, vestindo a camisa da seleção brasileira, atitude que, nos tempos atuais, dispensa explicações.

Lula nunca teve (a liturgia) e deve combater mais a meta de inflação e as taxas de juros por serem atitudes bolsonaristas ou coisa de rico, como se ele próprio não pertencesse a essa categoria.

Quem mostrou que os reis estão nus foram os gestores de grandes fundos André Jakurski, Luis Stuhlberger e Rogério Xavier, durante a CEO Conference promovida pelo BTG Pactual.

Os três defenderam a alteração, para cima, é óbvio, das metas de inflação.

Desta vez, o mundo em geral, e o Brasil em particular, não está precisando apenas de uma freada de arrumação. Será necessário um descarrilamento.

Um ótimo Carnaval para todos, seja se derretendo ao sol no Galo da Madrugada, seja lendo pachorrentamente um bom livro.

Abraços,

Ivan Sant’Anna

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