Muita gente quer se planejar financeiramente, porque até o momento não conseguiu, quer começar a guardar dinheiro ou guardar mais do que vem guardando atualmente ou talvez estejam tendo dificuldades de conseguir realizar essas e outras conquistas importantes, mas nem sabem exatamente o porquê.
Mas você já parou para pensar como é que elas acabam sempre na mesma situação de antes e porque a vida delasa parece um loop, que nem aquele do filme, Feitiço do tempo, onde o Bill Murray, o ator que faz o papel principal do filme acorda sempre no mesmo dia e não importa a forma como ele morra durante este dia ou como ele chegue ao final dele, sempre acorda com o despertador tocando a mesma música, no mesmo horário e revivendo a mesma cena.
Mas diferentemente do filme, onde esse efeito acontece por causas místicas, na vida das pessoas isso tem um motivo para acontecer e ele tem haver com a forma como o nosso cérebro toma decisões.
Vamos entender melhor porque isso acontece.
O cérebro humano é provavelmente o objeto mais complexo do Universo. Tem 86 bilhões de neurônios, que podem formar mais de 100 trilhões de conexões.
Se fosse possível criar um computador com o mesmo número de circuitos do cérebro, ele consumiria uma quantidade absurda de eletricidade, algo em torno de 60 milhões de watts por hora, segundo uma estimativa realizada por cientistas da Universidade Stanford.
Isso é o equivalente a 0,4% de toda a energia produzida pela usina de Itaipu, uma das maiores do mundo, mas por outro lado, o cérebro humano gasta pouquíssima eletricidade, apenas 20 watts, que é menos que uma lâmpada.
Isso quer dizer que mesmo sendo responsável por realizar atividades altamente complexas como cálculos matemáticos, controlar funções vitais e cognitivas e tomar decisões a todo momento, ainda precisa economizar energia para dar conta de tudo.
Assim, só tem um jeito deste nosso órgão guerreiro fazer tudo com tão poucos recursos, você imagina como seria?
Ele precisa de atalhos para tomar as decisões, simplificar o processo e usar da semelhança ou associação para replicar as milhares de decisões que tomamos por dia.
Sim, milhares. Quando você abaixa para amarrar o cadarço do tênis ou do sapato você tomou uma decisão. Quando escolhe o que vai comer, outra decisão. Qual roupa usar, que xampu comprar, que caminho fazer para chegar no trabalho, cada uma dessas ações e todas as outras que fazemos é uma decisão que o cérebro tomou. Mesmo quando precisamos decidir algo e optamos por não decidir, isso já é uma decisão.
Algumas das nossas decisões são simples, como amarrar o cadarço, mas outras são extremamente complicadas, como decidir morar fora do país, casar ou ter um filho, por exemplo.
Mas todas elas são tomadas da mesma forma?
Não. É aí que vamos começar a compreender como tomamos nossas decisões. Ao longo do tempo nosso cérebro evoluiu de acordo com as necessidades e o progresso do ser humano.
Na era do homem das cavernas, quando o homo sapiens apareceu sobre a Terra, o cérebro tinha apenas uma função. A sobrevivência!
Ele precisava garantir que o ser humano sobrevivesse por mais um dia, escapando dos tigres dente de sabre, do clima extremo, da fome e de alguns outros perigos.
Para isso começou a desenvolver estratégias que permitiam a sobrevivência e a primeira delas era poupar o máximo de energia possível e dessa estratégia surgiram, as famosas zona de conforto e procrastinação, as tendências do ser humano de permanecer no conforto e só agir quando realmente necessário, para poupar energia!
Mas espera aí, atualmente nós não precisamos sobreviver a perigos mortais todos os dias, mas é isso que o nosso cérebro ainda busca para nós, a sobrevivência!
Ele evoluiu sobre este pilar fundamental e até hoje age sempre com a nossa sobrevivência em primeiro lugar, mesmo que isso vá contra aquilo que é melhor para nós.
Como por exemplo, ficar no sofá comendo pipoca e assistindo filme ao invés de ir fazer exercícios físicos, afinal de contas, vai que fazer exercícios físicos esgote minha energia e eu precise fugir de um tigre faminto! Essa ainda é a lógica do nosso cérebro.
Só que ao longo do seu desenvolvimento ele foi aprendendo e criando formas de agilizar e melhorar a tomada de decisões, pelo menos em teoria.
Mas o que isso tudo tem haver com o fato da situação financeira das pessoas ficar empacada ou realizar maus investimentos?
No inicio, lá no período Paleolítico a milhões de anos atrás, o cérebro humano possuía apenas funções básicas de sobrevivência, como respiração, alimentação, reprodução e instintos primitivos.
Mas conforme o cérebro foi aprendendo, ele passou a associar coisas para ser mais eficiente. Por exemplo, quando um homem estava em um matagal e percebia o mato mexendo e havia sido atacado por um réptil em situação parecida, o cérebro já associava o fato de o mato estar mexendo com o perigo do réptil e colocava aquele homem para correr ou preparava seu corpo para lutar.
Assim, começou a desenvolver emoções como medo e ansiedade para colocar o corpo em um estado de alerta para lutar ou fugir. A partir daí, o cérebro desenvolveu um sistema emocional associativo, que ajudava na tomada de decisões, e foi quando surgiu o sistema límbico, que junto com a parte primitiva, ou também chamada de reptiliana, deu origem ao conceito de cérebro emocional.
Parte destas associações são realizadas por um conjunto de neurônios que temos no cérebro chamado de neurônios espelho e que nos permite se colocar na posição de outra pessoa como se fossemos nós mesmos e sentir as experiências que nós tivemos e que vem desde nossa infância na construção de nosso sistema límbico, emocional.
Isso é utilizado pelo Neuromarketing a todo momento, para nos induzir a consumir o produto que desejam, mas essa estrutura associativa serve para todas as coisas em nossas vidas.
O neuro cientista português Antonio Damasio, em seu livro o erro de Descartes nos trás um conceito interessante. Ele nos mostra que nosso cérebro cataloga nossas experiências emocionais em boas e ruins para poder associar, tanto quanto possível, a outras situações parecidas e tomar decisões similares, facilitando seu trabalho.
Para isso ele associa perigos, situações tristes ou ruins que passamos em registros como: “cuidado, atenção, vai dar ruim!”. Já para situações prazerosas, que nos trouxeram felicidade e contentamento, ele cataloga como: “vale a pena, siga por esse caminho, vai ser bom para você”.
Ele explica que a cada uma dessas emoções vivenciadas o cérebro associa uma resposta fisiológica em nosso corpo, como frio na barriga, encolhimento do corpo, suor frio, sensação de aquecimento na face, excitação, entre outras.
Para isso ele deu o nome de marcadores somáticos, ou seja, quando precisamos decidir algo que é importante para nós, vamos buscar esses marcadores em nossa memoria afetiva e assim usamos as referências de bom e ruim para embasar nossa decisão, é o que ele coloca como sendo decisões com base em nossa intuição.
Por isso quando temos, por exemplo, a percepção de que algo não estar certo essa vir acompanhada de uma sensação de contração na barriga ou das chamadas “borboletas no estomago” quando está se apaixonando por outra pessoa.
Mas a essa altura você deve ter percebido que isso também pode nos induzir a erros, pois nem sempre nossas emoções passadas são o retrato real da realidade. Por isso surgiu a necessidade de utilizarmos algo mais racional, lógico e baseado em fatos para apoiar as decisões.
A próxima etapa foi o aparecimento do Neo Cortex, a parte do cérebro responsável pela nossa racionalidade e cognição. A fala, o aprendizado, o pensamento racional, a escrita, as artes entre outras atividades que envolvem o raciocínio lógico.
Agora, pense comigo: Se as primeiras decisões do cérebro foram tomadas com o suporte do sistema emocional e agora temos um sistema racional, qual o cérebro prioriza atualmente para tomar nossas decisões?
Se você respondeu que é o sistema emocional, acertou. Apesar de termos a razão como suporte para decisões complexas, a maior parte de nossas decisões são tomadas pelo nosso cérebro emocional e por isso dizemos que temos uma racionalidade parcial.
Vamos colocar isso em relação a suas finanças.
Imagine que você contraiu uma dívida porque gastou demais e depois de um tempo e um bom sacrifício conseguiu pagá-las, mas depois de uns poucos meses estava com dividas novamente.
Olhando para aquilo que você acabou de aprender, veja que seu cérebro associa prazer e conforto, ao ato de comprar por exemplo, e isso significa preservar a sobrevivência, te ficando com uma sensação de satisfação, pelo menos de inicio, para evitar conflitos internos.
Ter que economizar seria um sacrifício necessário, como fazer exercícios físicos por exemplo, mas que demandaria esforço e por isso seu cérebro não vai te conduz naturalmente por este caminho.
Vamos vejamos uma outra situação.
Imagine um profissional que queria fazer um intercambio nos Estados Unidos e para isso precisava estudar inglês. Porém como sua rotina era bastante cheia de atividades profissionais, estava sempre procrastinando para começar o curso. Mesmo quando tinha tempo, dizia a si mesmo: “Agora é minha hora de descanso e lazer. Outra hora vejo isso”.
O que acontece muitas vezes com esse profissional, e todos os seres humanos de maneira geral, é que é necessário aplicar esforço, passar por um estimulo de dor para o cérebro, para mudar uma condição natural, que é ficar no conforto, mas ele nos engana o tempo todo nos fazendo acreditar que o melhor para nós é ficarmos neste conforto, quando na realidade o melhor é exatamente o oposto.
Quando deixamos para mais tarde e dizemos para nós mesmos “outra hora vejo isso” é simplesmente uma forma real de dizermos “fique aí no conforto que é melhor e poupa energia” mesmo que isso represente frustrações e ansiedades futuras.
Portanto, lembre-se que a dor e o esforço te movem para frente, mas sua tendência natural é evita-los, por isso você precisa desenvolver formas de enfrentar essa tendencia natural para progredir.
Mas e quanto aos investimentos, também temos estas mesmas questões envolvidas em nossa tomada de decisão?
Certamente!
Não é dificil conhecer alguém que investiu na bolsa de valores, perdeu dinheiro e saiu dizendo que investir em ações é um cassino ou que isso não presta!
Mas existem diversos erros sistemáticos, chamados de vieses, ocasionados por nosso cérebro, que nos levam a decisões erradas pela influência exagerada de nossas emoções.
Neste caso, este investidor que perdeu dinheiro pode ter comprado os ativos em um momento de alta, sem ter o conhecimento necessário para este tipo de investimento, mas quando o mercado começou a cair ficou ancorado no valor que havia pago nas ações, pensando que iria esperar “pelo menos” até as ações recuperarem o valor para vendê-las.
Isso não ocorreu em um curto espaço de tempo e suas emoções o levaram a tomar a decisão irracional de se desfazer dos ativos no momento errado, perdendo assim o dinheiro investido (ou parte dele) e culpando o tipo de investimento e não seu comportamento equivocado para justificar o prejuizo.
Lembra dos marcadores somáticos? Este investidor agora associa a perda de dinheiro na bolsa com emoções negativas, e isso vai prejudicar bastante sua capacidade de investir em ativos de risco mais alto.
Agora que você já entendeu como seu cérebro age e como ele te engana muitas vezes, fica mais fácil saber o porque as pessoas não conseguem guardar dinheiro.
Isso acontece por 2 motivos basicamente.
O primeiro, como já mencionado, porque gastam demais em compras que muitas vezes não fazem sentido para elas, são realizadas de forma impulsiva e muitas vezes quando estão se sentindo tristes ou com algum sentimento ruim.
Se fôssemos comprar qualquer coisa somente utilizando da lógica, nosso cérebro racional, só compraríamos o que de fato é necessário. Mas, infelizmente, no momento de escolher o que comprar, o cérebro recebe influências de todas as nossas experiências não conscientes (percepções e sentimentos), e o marketing, que entende o nosso funcionamento cerebral, se aproveita disso.
Tenho certeza que você já vivenciou situações onde estava com alguma chateação na mente ou com sentimento de tristeza ou angustia, e nesse momento sentiu mais vontade de comprar algo. Mas, se você não estava com planos de comprar nada ou não precisava naquele momento, por que seu cérebro pediu para você comprar?
E a resposta é simples: Para você ter uma distração e uma recompensa. Ele estava tenso, em conflito por alguma razão, mesmo que naquele momento você não conseguisse perceber, de maneira consciente, o motivo pelo qual ele buscava a distração e o alivio do mal-estar.
Quando você foi comprar algo, desviou a atenção do seu cérebro para outros estímulos: a visão agradável do ambiente, o cheiro característico do local, a sensação de tocar no objeto ou experimentar uma roupa e se sentir bem, a sensação de satisfação, entre outros. A recompensa é então dada pelo fato de ter realizado aquilo que desejava, sem esforço, te dando uma sensação agradável, a de comprar.
Ao adotar esse comportamento repetidas vezes, isso se torna um mal hábito e começa a endividar a pessoa ou consumir dinheiro de forma predadora. Porém, essa vontade de comprar sem ter uma necessidade é uma outra forma que o cérebro tem de avisar que algo está errado.
O segundo motivo é porque guardar dinheiro para o futuro é visto pelo seu cérebro como um esforço, uma dor, e não um prazer e é exatamente isso que ele não quer, por isso seu inconsciente toma a decisão de gastar, porque te da prazer e então busca motivos, razões ou desculpas para justificar esses gastos. “Eu estava mesmo precisando” ou “só essa coisinha a mais não vai me deixar mais pobre”.
E o resultado você já conhece.
Sabendo entender suas emoções e compreender fatos importantes da sua vida que são associados as suas tomadas de decisão no presente vão te ajudar a compreender os porquês da situação e permitir que você possa utilizar estratégias para que seu cérebro racional possa atuar mais, ajudando a você tomar melhores decisões financeiras, investir melhor e sair deste e outros comportamentos ruins.
O mesmo ocorre com a dificuldade de se planejar porque desenvolver um orçamento e manter um controle de suas finanças é um esforço e não um prazer, assim como outros itens importantes para que seu planejamento financeiro aconteça.