Apertem os cintos. Parem as máquinas. Pasmem! Uma das maiores redes varejistas do Brasil, a Americanas (AMER3), divulgou no início da noite desta quarta-feira (11) a renúncia do CEO Sergio Rial e do CFO e diretor de RI André Covre, em vista de uma “inconsistência contábil na casa dos 20 bilhões referente a pagamentos de fornecedores”, ou seja, como um passe de abracadabra, essa quantia some do balanço. No entanto, de acordo com o Fato Relevante, ainda  “não é possível determinar todos os impactos de tais inconsistências na demonstração de resultado e no balanço patrimonial da Companhia”. Uma teleconferência da empresa está marcada para esta manhã para mais explicações. Entretanto, tudo indica que as ações devem despencar e a recomendação dos analistas é vender.

Os executivos foram empossados em 2 de janeiro de 2023, e ficaram menos de 10 dias nos cargos. Desde ontem o Conselho de AMER3 nomeou João Guerra, executivo com mais de 30 anos de empresa e que passou por cargos de direção nas frentes de tecnologia e de recursos humanos para ser interino.

Conforme a análise da XP Investimentos, o comunicado traz diversos “riscos para a tese”: 

(1) Saída de Sérgio Rial:

O executivo era um pilar importante para sustentar o processo de transformação da companhia, devido a seu histórico de execução, gestão focada na redução de custos e credibilidade com o mercado. Sua saída pode ser vista pelos investidores como um alerta de mais riscos à frente. Esteve à frente do Santander.

(2) Possível impacto caixa negativo:

Apesar da companhia destacar que espera que os impactos em caixa sejam imateriais, o anúncio possa implicar em três efeitos negativos: i) maior alavancagem, dado que o endividamento da Americanas pode aumentar dependendo dos ajustes em seu balanço patrimonial; ii) Maior custo de dívida, por conta da maior percepção de risco de crédito e liquidez; e iii) Deterioração do capital de giro, dado que a companhia poderá ter problemas em manter os dias de pagamento a fornecedores, por conta de seu ciclo de caixa pior.

Riscos de processos judiciais nos EUA, dado que a companhia possui ADRs negociadas no país, como observado em casos semelhantes onde os acionistas minoritários foram prejudicados por decisões dos executivos (ex: JBS e IRB).

(3) Cenários macro e competitivo desafiadores:

Mantida visão cautelosa com o segmento por conta da menor renda disponível, aumento das taxas de juros e competição mais acirrada.

“Estamos colocando a cobertura de Americanas (AMER3) sob revisão, dada a falta de visibilidade sobre o que de fato aconteceu e os impactos efetivos a serem observados nas demonstrações financeiras da companhia. A empresa irá realizar uma videoconferência a qual esperamos ter mais detalhes sobre os impactos do comunicado”, afirmam os analistas da XP.

Para os analistas da Genial, diante do fato relevante, houve uma atualização da corretora passando a recomendação das ações da Americanas de COMPRAR para VENDER, reduzindo o preço-alvo de AMER3 de R$ 28,40 para R$ 9,40.  “Salientamos que esse preço-alvo estará sujeito a novas revisões tão longo tivermos acesso a mais informações sobre o caso”,  apontam.

O que aconteceu com Americanas, gente?

Segundo a Genial, após o encerramento do pregão dessa quarta-feira (11), a Americanas comunicou a renúncia de dois C-Levels: o CEO Sérgio Rial (ex-CEO Santander Brasil) e o CFO André Covre (ex-CEO Extrafarma). Não bastando a notícia “preocupante” que a repentina renúncia poderia trazer ao mercado, ela veio acompanhada de uma “potencial fraude contábil”: uma inconsistência estimada em R$ 20 bilhões na data-base de 30/set de 2022. O rombo bilionário corresponde a 1,8x o atual valor de mercado de Americanas (R$ 10,9 bilhões na data de fechamento do pregão de 11/01).

O que se sabe

Apesar de comunicado ainda ser muito “vago” a respeito da origem e potenciais impactos na Demonstração de Resultado do Exercício (DRE) e Balanço Patrimonial (BP), o que se sabe é que foram “detectadas inconsistências em lançamentos contábeis redutores da conta de fornecedores”, de modo que “o efeito caixa é imaterial”.

Em nota, a Americanas e a auditoria independente Pwc irão trabalhar para apurar as circunstâncias ao longo das próximas semanas. 

Para os analistas da Genial, a primeira impressão é a pior possível, tanto na questão de governança corporativa, quanto na contábil.  E explicam:

“A nossa interpretação é de que o problema estaria nas operações de financiamento de compras com fornecedores. A companhia realizava operações chamadas de Risco Sacado, onde repassa a responsabilidade do pagamento a fornecedores para instituições financeiras e que, por sua vez, reduziria a conta de fornecedores no passivo, que teve seu valor declarado no balanço do 3T22 em R$5,0 bilhões. Porém, entendemos que a companhia deveria reconhecer o valor que negociou em risco sacado dentro da conta de Empréstimos e Financiamentos. Nossa análise é de que o passivo total não deveria diminuir, ele apenas mudaria de lugar no balanço, uma vez que o prazo é renegociado e alongado em relação ao que a empresa pagaria ao fornecedor vs. o que ela vai pagar a instituição financeira. Por esse alongamento de prazo, as instituições financeiras cobram juros, o que caracterizaria a operação como um financiamento.  

Como a Americanas passa a dever às instituições financeiras e não a fornecedores, os números fidedignos não estariam sendo refletidos no balanço, uma vez que acreditamos que os valores negociados nessas operações não tramitaram em sua integralidade pela conta de Empréstimos e Financiamentos. Não sabemos, até o momento, o quanto dos R$ 20 bilhões de fato estão fora do balanço e qual o % desse valor estará sujeito a reclassificação de contas.”

De acordo com a análise da genial, essa hipótese confirmaria a afirmação do comunicado em relação ao “não ter efeito caixa”. Maso grande impacto estaria, além de liquidez e reprecificação de múltiplos da companhia, no efeito de alavancagem financeira da Americanas. “Isso porque, ao não declarar em integralidade os saldos das operações, a companhia subestimou em seu balanço o tamanho do endividamento, que tinha um valor declarado de R$20,8 bilhões.”

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E agora?

A descoberta dessa inconsistência deve causar um mau-humor em relação ao setor de varejo e-commerce, uma vez que os investidores irão se questionar se outras empresas estariam adotando as mesmas práticas contábeis da Americanas.

“Nossa análise é de que outras empresas do setor também realizam operações de risco sacado, o que evidência um risco (e nesse momento, é apenas um risco) de ocultação de informações relevantes no balanço dessas companhias. Para nós, o fato de o Rial ter deixado a posição com menos de 2 semanas de casa transparece que as extensões do ocorrido terão graves impactos na geração de valor da companhia. Acreditávamos que a figura do Rial como cabeça no managment trazia uma confiabilidade em relação à capacidade de execução dos projetos de expansão da Americanas para os próximos anos.

Com sua saída, além dos próprios impactos negativos em termos de resultados e da falta de confiabilidade na governança corporativa que investidores terão no case, vemos esse brilho se apagando.”

Assim, diante deste cenário e considerando a falta de visibilidade do que pode vir, os analistas alteram a recomendação dos papéis AMER3 para VENDER.

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