Quando me casei pela primeira vez, em janeiro de 1966, fui morar nos Estados Unidos, onde participei de um curso especial de mercado de capitais na New York University. 

Ao regressar ao Brasil, um ano mais tarde, ganhei de presente de meu pai um apartamento de três quartos, em Copacabana. 

Não se tratava de um imóvel de alto luxo, mas era amplo e bem localizado.  
Pois bem, passaram-se três anos, eu já tinha dois filhos quando ganhei uma fortuna especulando com ações e operações a termo na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. 

Em julho de 1971, liquidei minhas posições e comprei um apartamento cobertura duplex com piscina e vista para o mar em Ipanema. Entre outras extravagâncias, passei a viajar para o exterior nos feriadões. 

Praticamente me esqueci do apartamento de Copacabana, que eu deixara largado, mofando. Foi nessa ocasião que li numa revista americana que o melhor investimento do mundo era formado por obras de arte, principalmente quadros e gravuras de grandes pintores. 

Pablo Picasso ainda era vivo, embora tivesse mais de noventa anos. Ao longo de sua trajetória, além de quadros famosíssimos como Guernica, Les demoiselles d’Avignon e obras-primas do cubismo, durante toda sua vida Picasso desenhara gravuras e alguns pequenos esboços até mesmo em guardanapos e toalhas de papel de restaurantes. 

Eu tinha um corretor em Paris, que negociava para mim ações da Cia. Siderúrgica Belgo Mineira na Bolsa de Valores do Luxemburgo. Pois bem. Foi ele que me disse que havia um ativo mercado para esses rabiscos de Picasso, que podiam ser adquiridos por menos de 50 mil dólares. 

Ele me ofereceu uma dessas gravuras por US$ 35.000,00 (duzentos e sessenta mil dólares em valores de hoje). Resolvi então vender o apartamento de Copacabana, o que fiz com a maior facilidade. E, com o produto da venda, adquiri a pequena obra do grande artista. Eu a colocaria em um cofre bancário como investimento. 

A liquidação (dólares para lá, Picasso para cá) ocorreria na capital francesa em janeiro de 1972. Ao invés de ir direto para Paris, segui com minha mulher e mais dois casais amigos para uma volta pela Itália, ao final da qual paramos em Veneza. 

Já hospedados, pegamos uma lancha e seguimos para o cassino que fica na casa onde morou e morreu o compositor alemão Richard Wagner. 

“Roubei” mil dólares do “meu” Picasso e arrisquei numa mesa de roleta. Como a aposta mínima era muito alta, perdi o dinheiro em menos de quinze minutos. 

Voltamos para o hotel e, sob protestos dos companheiros de viagem, “saquei” mais quatro mil do dinheiro do Picasso e retornei ao cassino, desta vez sozinho. Desnecessário dizer que os dólares se esfumaçaram, numa terceira e última viagem. 

Este irresponsável que lhes escreve, em menos de duas horas, perdeu um Pablo Picasso no pano verde da roleta do cassino do Grande Canal de Veneza. 

A viagem a Paris foi mantida e meu corretor não se importou com o cancelamento do negócio. 

Já tem comprador a 40 mil”, ele liberou minha consciência de trader

Quando afirmo que compras de obras de grandes pintores são o melhor negócio que existe, não estou me referindo aos trabalhos de jovens promissores. Estes podem ser apenas questão de modismo momentâneo. Portanto seus produtos são como calls (opções de compra) fora do dinheiro. 

Antes de mais nada, existem os quadros que nem um consórcio formado por Bill Gates, Elon Musk e Warren Buffett pode sequer ousar em fazer um bid (oferta de compra). 

No caso acima estão Guernica, que pertence à Espanha e está exposto no Museu Nacional Rainha Sofia, em Madri, Mona Lisa (retrato de Gioconda) de Leonardo da Vinci, aberto à visitação pública no Museu do Louvre, em Paris, As Banhistas, de Paul Cézanne, que pode ser visto no Metropolitan Museum of Art, em Nova York. 

Todas essas relíquias acima estão fora do alcance do mercado. 

Por outro lado, os investidores mais abonados ainda podem adquirir em leilões ultraexclusivos das grandes Casas um Botero (Fernando Botero Angulo, colombiano – 1932/2023) pintor especializado em retratos de personagens obesos, um Frida Kahlo (1907-1954) mexicana com uma figura tão bela e exótica quanto seus quadros ou um Joan Miró, espanhol, 1893-1983, só para ficar em três exemplos. 

Só que cada quadro desses gênios quando cai em mãos de um museu ou de um grande banco dificilmente retorna ao mercado de arte. 

Houve uma ocasião (anos oitenta) em que os japoneses eram os grandes compradores. Agora são os bilionários árabes. Daqui a algum tempo serão outros. 

Não existe investimento que se compare. 

Só de pensar que há pouco mais de cinquenta anos eu fiz parte, mesmo que por apenas alguns dias, desse seleto grupo de colecionadores, me dá um frio na espinha. 

Detalhe curioso e pouco conhecido: Pablo Picasso gostava de pagar almoços e jantares em restaurantes estrelados com cheques, cheques esses que não eram descontados pois os proprietários preferiam ficar com uma assinatura do gênio. 

Um ótimo fim de semana para os amigos leitores. 

Ivan Sant’Anna 

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Investir sem um preço-alvo é acreditar apenas na sorte