No dia 21 de março foi celebrado o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial, data instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em memória ao massacre de um grupo de cidadãos negros que ocorreu em 1960 em Johanesburgo, na África do Sul. Passados mais de 60 anos, a violência e a discriminação racial continuam sendo praticadas. Ao se fazer um recorte de gênero, nota-se ainda que as mulheres negras, que formam o maior grupo da população brasileira, estão na base da pirâmide econômica e são as que mais estão em desvantagens no mercado de trabalho.

Com o objetivo de contribuir para que as empresas identifiquem formas de diminuir essas desigualdades e criar um ambiente acolhedor para essas profissionais, o Movimento Mulher 360 entrevistou Laís Ramires de Souza, especialista em comunicação da P&G. Confira.

MM360 – Conte um pouco da sua trajetória profissional e como lidou com os desafios por ser mulher e negra.
Desde cedo tive interesse em atuar com comunicação pela potencialidade que enxergava em criar, ancorar e ressignificar símbolos. Visualizava o potencial da comunicação porque a mesma, que é instrumento de exclusão e estigma nos quais por muitas vezes me vi enquadrada, pode ser um portal de entrada para um universo de múltiplos saberes e formas de ver e entender o mundo.

Desde o meu processo de formação, atuo com cultura e pesquisa e passei parte significativa da minha experiência profissional buscando repertórios teóricos para contemplar minhas inquietações. E hoje me encontro atuando na encruzilhada de uma grande organização que flutua entre vários stakeholders e interfere na realidade social de forma tangível. Ser essa ponte é um desafio diário que me conduz para muito crescimento profissional e pessoal contínuo.

MM360 – Dentro da sua experiência hoje, o que você teria feito diferente e que pode servir de inspiração para outras mulheres negras que estejam entrando no mercado de trabalho ou que almejam um cargo de liderança?
Acredito que todas as escolhas que eu fiz – ainda aquelas que poderiam ser taxadas como “erradas” – foram importantes e decisivas para que eu me faça estar onde me encontro hoje. Sempre me fiz presente e resistente para questões que discordava de forma aberta. Por tal razão, as consequências e retaliações chegavam na mesma proporção. É necessário ter uma rede de apoio para poder se ancorar nos momentos de maior fragilidade.

A nossa rede de contatos é a maior oportunidade que temos para poder traçar caminhos, até porque o desenvolvimento e progresso apenas se faz real quando é coletivo. Entender essa força como um capital simbólico/instrumento de poder é estratégico para sobreviver e perseverar em contextos de escassez.

Ampliar o nosso campo de visão na medida em que trocamos com pessoas ao redor, não resumir nossa trajetória aos “nãos” e aos planos falidos, e reconhecer capacidades e habilidades que por vezes não foram valorizadas com a devida atenção onde você esteve, somos plurais e entender seus potenciais é extremamente necessário.

MM360 – Como é a sua atuação dentro da P&G com a pauta de equidade racial e de gênero?
Por trabalhar com Comunicação é necessário atingir a diversidade social de um país com proporção continental como o Brasil. Entender de qual forma podemos integrar os objetivos de business com responsabilidade social, dialogando de forma horizontal com a sociedade, garantindo que todxs se façam contempladxs pelos nossos produtos, nossas marcas, nossas comunicações e que para além do trabalho externo entendendo as pessoas que são atingidas de forma direta e indireta – enquanto consumidores, fornecedores, clientes, etc.

Devemos continuar internamente com ações intencionais para os colaboradores com a mudança de mindset, possibilitando que ações de reparação sejam efetivas no desenvolvimento das nossas pessoas e que o planejamento de projetos sociais sejam assertivos para coibir a reprodução de disparidades sociais nas mais diversas frentes de equidade e inclusão.

MM360 – Quais são as maiores urgências da população negra e como elas refletem na luta contra a eliminação da discriminação racial?
Não acho possível responder uma questão como essa na qual me prestaria o papel de representar um coletivo tão plural como esse. No entanto, compreendo que temos defasagens básicas como habitação, educação, saúde, entre outras áreas o que impedem que seja possível desenvolver um pleno diagnóstico de áreas chave.

A desigualdade acoplada de vulnerabilidade e marginalização são pontos iniciais para a defasagem de pessoas negras nos lugares de maior influência e interferência da realidade social, entendendo o racismo como um problema estrutural que condiciona pessoas negras a lugares de subalternidade, políticas afirmativas possibilitam mudanças visíveis como podemos observar nos últimos anos.

MM360 – Angela Davis disse que “Em uma sociedade racista não basta não ser racista é preciso ser antirracista”. Como podemos ter esse tipo de comportamento no local de trabalho e em nossas relações pessoais?
É notório a realidade racista na qual vivemos, a forma como os lugares estão separados e a leitura que podemos fazer por meio do demarcador racial para entender quem está em um lugar de destaque e prestígio, e quem ocupa um lugar de subalternidade.

O questionamento sobre o seu lugar social, a forma como utiliza o seu poder de intervenção da realidade e os privilégios. O que você enquanto pessoa física ou jurídica está fazendo para modificar isso? Quais são as pessoas com as quais se relaciona? Quem são as pessoas que você consome conteúdo? Qual é sua referência estética? Quantos autores negros você conhece? Quantxs professorxs negrxs teve durante a graduação? São perguntas básicas que podem trazer uma reflexão importante com base na sua própria vivência, o que deve ser complementado também com leituras e estudos teóricos.

MM360 – Como criar um ambiente mais inclusivo e que as ações de diversidade não sejam apenas parte do discurso, principalmente em um momento em que a Agenda ESG está em evidência?
Antes de qualquer planejamento, o esforço deve ser genuíno e a liderança deve ser empática para a garantia da efetividade das ações.

É necessário fazer um diagnóstico interno para compreender em que estágio a organização se encontra, buscar fóruns externos que possibilitem a troca ativa com entidades especializadas e/ou outras organizações privadas que estão na mesma jornada, buscando exemplos de práticas que podem ser replicadas – entendendo que a falha será inevitável porque cada organização e sua cultura são únicos – e criando planos de ação.

Os líderes e áreas como RH, Comunicação, entre outras são necessários estar na mesma página para garantir que a assimilação desse esforço esteja no escopo de trabalho de todos.

MM360 – De que forma as empresas podem atuar para identificar e eliminar os vieses inconscientes?
É muito importante trazer todos para o debate. Quanto mais se fala, mais confortável será para a organização abordar os temas. Ainda em conexão com a última pergunta, a revisão de todo material interno e externo devem ser feitas, compreendendo que se destoa a forma como nos reportamos sobre pessoas – não espelha a realidade demográfica do país. Provavelmente não estamos na mesma página com a diversidade de forma material, então, o imaterial, que é a cultura, o clima da organização entre outros termômetros, que dependem de um pilar ou área específica para mapear, também não estão. Implementação de cursos, busca de novos talentos para a oxigenação dos serviços, fóruns externos, estruturação de pilares, acredito que sejam passos necessários.

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