Antes do surgimento da Covid-19, em janeiro de 2020, as pessoas tinham o dinheiro em alta conta.
Não fosse assim, os japoneses não investiriam suas economias em títulos do governo com juros nominais negativos.
Ou seja, eles pagavam uma taxa, digamos, a título de custódia.
Como o iene se valorizava frente às demais moedas, esses “investidores” acabavam lucrando em dólares, euros, libras esterlinas etc.
Na Suíça acontecia a mesma coisa. Taxas de juros negativos nas obrigações de longo prazo, compensadas pela valorização do franco suíço.
A Suécia “remunerava” em zero por cento seus papéis e o Banco Central da Dinamarca chegou a fixar sua prime interest rate em – 0,75%.
Embora o FED (Federal Reserve Bank – Banco Central dos Estados Unidos) jamais tenha, por intermédio do FOMC (Comitê Federal de Mercado Aberto, nas iniciais em inglês), estabelecido uma taxa básica negativa, durante muito tempo eles pagaram juros abaixo da inflação.
Isso não impedia que o Banco Central da China (The Central Bank of the People’s Republic of China) mantivesse a maior parte de suas reservas em dólares norte-americanos.
E estamos falando em US$ 3 trilhões.
O Japão acumulava um trilhão e trezentos milhões de dólares.
Suíça: 870 bilhões; Índia: 540; Rússia 590.
Pessoas e países gostavam de acumular dinheiro, principalmente dólares e euros, mesmo que não rendesse nada ou rendesse uma merreca.
Eu mesmo, que tinha uma conta no Citibank em San Juan de Puerto Rico, onde depositara a grana que recebi da venda dos direitos cinematográficos do livro The Sunday Night Traders (versão em inglês de Os mercadores da noite) pus tudo em Treasury Bills do Tesouro americano.
Pois bem, a Covid chegou e mudou tudo.
Fábricas, shopping centers, supermercados, lojas, bares, restaurantes, casas de shows, tudo isso fechou as portas. Em todo o mundo.
A Olimpíada de Tóquio foi transferida de 2020 para 2021, com os estádios sem público.
Para que seus cidadãos não passassem necessidade, ou até mesmo fome, os países emitiram dinheiro e o distribuíram de graça para a população.
Em complemento, as taxas de juros foram fortemente reduzidas.
No Brasil, o COPOM (Comitê de Política Monetária do Banco Central) reduziu a taxa Selic para 2% ao ano, o menor nível desde sua criação.
Nos Estados Unidos, a taxa básica foi baixada para zero (mais precisamente para uma banda entre 0,00% e 0,25% ao ano).
A Covid passou (ainda existe um resquício, com mortalidade baixíssima) e o mundo voltou ao normal.
Nem tanto.
Para debelar um forte surto de inflação, causado pelo aumento do meio circulante, a maioria dos bancos centrais elevou brutalmente as taxas de juros.
Aqui no Brasil, saiu de 2% para 13,75% num espaço de 23 meses (entre janeiro de 2021 e março de 2023).
Nos Estados Unidos, a banda saiu de 0,00%/0,25% para 5,25%/5,50% em 28 meses.
Grande parte dos investidores, principalmente os investidores muito ricos, se voltou para ativos que não rendem absolutamente nada, com exceção da valorização.
Entre os alvos campeões dessa fuga, podemos destacar o ouro e o bitcoin.
Começando pelo primeiro, vale assinalar que o ouro vive um bull market de mais de meio século, desde quando, em 1971, o presidente Nixon pôs fim à paridade dólar/ouro, fixada no acordo de Bretton Woods (julho de 1944).
Desde então, a onça (28,3495 gramas) de ouro subiu de US$ 35,00 para US$ 2.200,00.
Se esse aumento fosse apenas resultado da inflação americana no período, o ouro estaria sendo negociado a US$ 270,00.
Claro que essa subida não foi linear, uma vez que houve várias ocasiões de alta e de baixa no período, tal como acontece em todo bull market de longo prazo.
Bitcoin é outro ativo que está dando grandes alegrias aos seus compradores.
A semelhança com o ouro é que também não rende nada. Só valorização, se houver.
Para mostrar que estamos vivendo uma nova época, vou citar outros investimentos (que nem mereciam esse nome) que deram um salto de preço nos últimos tempos.
Uma Ferrari 335 Sport Scaglietti, modelo do qual só foram produzidas quatro unidades, custa a “bagatela” de 35,7 milhões de dólares.
Um relógio Patek Philippe Grandmaster Chime foi recentemente negociado por um pouco menos do que a Ferrari: US$ 31 milhões.
Prova de que o dinheiro (cash) está despertando pouco interesse, é a alta das bolsas de valores dos Estados Unidos.
Tanto o índice S&P500, como o Nasdaq e o Industrial Dow Jones estão batendo recordes após recordes.
Então, poderia estar perguntando o caro amigo leitor, por que o índice Ibovespa não acompanha essas altas?
A resposta é simples: porque a taxa real de juros no Brasil é a maior do mundo. Só que ela está sendo reduzida aos poucos pelo Copom.
De repente, e acredito que isso acontecerá brevemente, haverá o estouro dos bulls.
Aí aqueles que estão de fora terão de correr atrás do mercado.
Um ótimo fim de semana para todos os caros amigos leitores.
Ivan Sant’Anna