Há duas semanas, o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes quebrou o sigilo da gravação de uma reunião ocorrida no palácio do Planalto entre o então presidente Jair Bolsonaro e seus ministros, além de diversos integrantes dos escalões mais altos do governo e de militares e civis de seu círculo mais íntimo. 

O evento aconteceu em 5 de julho de 2022, 91 dias antes do 1º turno das eleições presidenciais. Na gravação, fica óbvio que Bolsonaro queria dar um golpe de Estado, iniciando a ação com as declarações de Estado de Sítio e de Garantia da Lei e da Ordem – GLO. 

A reunião foi gravada (áudio e vídeo).  

Qualquer um dos presentes, com um mínimo de discernimento, perceberia a existência dessa gravação, já que as plaquinhas com os nomes e cargos dos participantes estavam viradas para a cabine de captação de imagem. 

Com toda a certeza, esse registro foi ordenado pelo presidente da República. Por sinal, um dos presentes, lhe indagou a respeito. Bolsonaro respondeu que só suas falas estavam sendo captadas pelas câmeras e microfones. 

Mais tarde, após a derrota eleitoral do capitão no segundo turno, e com Lula já empossado na Presidência, ocorreu a lamentável e fracassada tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023. 

Nas investigações que se seguiram, foi apreendido um laptop em poder do tenente-coronel Mauro Cid, que fora ajudante do ordens do presidente Jair Bolsonaro. O HD do aparelho continha a íntegra da reunião. 

O conteúdo é explosivo, quase inacreditável. O ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno, por exemplo, defendeu “virar a mesa”. Baseou-se na declaração de Bolsonaro de que Lula obteria fraudulentamente a vitória no primeiro turno. 

Jair Bolsonaro afirmou também que “vou descer a rampa (do palácio do Planalto) preso.” 

Não se sabe por que razão o tenente-coronel Mauro Cid guardou gravação tão comprometedora. Talvez com a intenção de mais tarde negociar uma delação premiada, já que se tratava de uma peça valiosíssima de comprometimento do alto escalão do governo Bolsonaro. 

Quando, há poucos dias, Alexandre de Moraes liberou a gravação, foi um grande escândalo. Mas as consequências se limitaram a isso: escândalo. 

Mas suponhamos que elas tivessem ido a público no dia do acontecimento, ou naqueles que o sucederam. Ou seja, em plena campanha eleitoral. E num dia útil, com a B3 e o mercado de câmbio funcionando. 

Teria ocorrido um crash

Qualquer pessoa que conheça um mínimo de história, história brasileira em particular, sabe que para que um golpe militar seja bem-sucedido é preciso que todas as unidades das Forças Armadas estejam envolvidas no movimento. 

A hipótese contrária é uma guerra civil. 

Em agosto de 1961, quando Jânio Quadros renunciou à presidência, seu vice, João Goulart, estava em visita à Mao Tsé-Tung, na China, em missão designada pelo próprio Jânio. 

Boa parte do alto comando militar não aceitou a posse de Jango. Mas não todo o efetivo. O general José Machado Lopes, comandante do III Exército, com sede no Rio Grande do Sul, estado cujo governador era Leonel Brizola, por sinal cunhado de João Goulart, mobilizou seus efetivos a favor da legalidade. 

Aliás, Legalidade foi o nome da cadeia radiofônica capitaneada pela Rádio Guaíba, de Porto Alegre, que passou a irradiar para todo o país o Hino do Soldado. 

Nós somos da Pátria a Guarda 
Fiéis Soldados 
Por ela amados. 
Nas cores de nossa farda 
Rebrilha a glória 
Fulge a vitória…

E por aí ia. 

Desta vez, com as bravatas da reunião no Planalto que a fita perpetuou, jamais o país esteve prestes a sofrer um golpe militar “defensivo”. Defensivo porque pressupunha impedir “a eleição fraudulenta de um regime comunista”. 

Mas a Bolsa de Valores se assustaria e sofreria um crash. 

Seria impossível Jair Bolsonaro continuar no cargo. Mas também seria muito difícil depô-lo. E poucas coisas são tão baixistas para o mercado de ações quanto a incerteza. 

Haveria outros agravantes: 

  • Diversos países, liderados pelos Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Espanha, Argentina e dezenas de outros não reconheceriam uma ditadura militar aqui no Brasil, sendo que vários deles chamariam seus embaixadores de volta para consulta, que é um dos passos de censura diplomática que as nações usam contra outra como condenação. 
  • A retaliação seguinte seria a ruptura de relações diplomáticas. 
  • Entidades como a OEA (Organização dos Estados Americanos) afastariam o Brasil de seus quadros. 

Por isso uso, no título desta crônica, a palavra crash

Alguém poderia argumentar que, em 1964, os militares depuseram o presidente João Goulart. 

Só que naquela época a situação era diferente. Os Estados Unidos morriam de medo do Brasil se “cubanizar” (Fidel Castro instaurara um governo comunista em Cuba, cinco anos antes). 

No meio da noite de 31 de março para 1º de abril de 1964, o presidente Lyndon Johnson reconheceu um novo governo em Brasília, mesmo sem que o chefe desse governo tivesse sido escolhido. 

Grande abraço, 

Ivan Sant’Anna 

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