Qual é a origem remota da desigualdade social?

Escrito pelo biólogo estadunidense Jared Diamond, o livro Armas, germes e aço – os destinos das sociedades humanas descreve a busca desse autor por respostas a perguntas difíceis: como a desigualdade começou? Por que os povos do Planeta avançaram de distintas formas em seu desenvolvimento? A investigação de Diamond, vencedor em 1998 por esta obra do Prêmio Pulitzer e do Prêmio Aventis de melhor livro científico, resultou em explicações robustas e fundamentadas.

Armas, germes e aço desapontará aqueles que explicam a desigualdade socioeconômica com base em atributos humanos: as condições geográficas das várias regiões do Planeta dos primórdios da humanidade fizeram a diferença. Não foi uma questão de diferenças de raça, cor e outras congêneres.  Viver em áreas onde a busca por alimento era bem mais fácil, em um tempo em que o ser humano ainda não dominava técnicas de agricultura, deu uma vantagem geográfica competitiva a alguns povos, que tiveram melhores condições de desenvolver tecnologias e criar armas usadas para a sobrevivência, e também para o domínio e mesmo para extermínio de outros povos. 

Adicionalmente, micro-organismos transmitidos por dominadores constituíram-se em uma segunda categoria de arma letal, ainda que involuntária. Exemplificando: nas Américas, a presença dos europeus culminou na exterminação de muitos nativos. Assim, não é admissível, segundo a visão de Jared Diamond, a tese de que os povos dominadores eram superiores em inteligência ou qualquer atributo pessoal em relação aos dominados. O que fez a diferença foram vantagens competitivas incidentais. Publicado originalmente em 1997 nos Estados Unidos, Armas, germes e aço abrange vários temas e originou um documentário com o mesmo nome; recomendamos ambos, livro e filme aos leitores.

Feitas estas considerações iniciais, cabe dizer que a redução da desigualdade é algo que não pode deixar de constar na agenda econômica de um país que pretenda ter uma democracia sólida e uma economia capitalista sob riscos consideravelmente reduzidos. Os motivos são vários, mas de forma não exaustiva, apontamos, neste breve artigo, que a forte desigualdade de um País:

  1. sob o prisma ético e social, expõe milhões de crianças e adultos a condições sanitárias sofríveis, que impactam sua saúde física e mental; por vezes, sem que se possa retroagir nos nefastos efeitos da pobreza extrema. Aliás, a erradicação da pobreza é o primeiro dos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU). Tal objetivo, se e quando for alcançado, implicará a diminuição expressiva da desigualdade socioeconômica no Planeta;
  2. sob o prisma político-institucional, pode favorecer esperanças e crenças em ideologias que não necessariamente conduzirão a uma melhoria significativa das condições de vida dos desvalidos, uma vez que seus líderes, mesmo pregando grandes e relevantes mudanças socioeconômicas, verdadeiramente têm outra agenda. No limite, pode-se chegar a rupturas democráticas com valor destrutivo incalculável para a evolução de um país;
  3. sob o prisma econômico, a desigualdade expressa uma polarização social baseada no direcionamento substancial de recursos do Estado a camadas economicamente favorecidas, em detrimento daqueles em condições de vida indignas. Neste ponto, lembra-se que a Sociologia clássica identifica uma luta de classes sociais, na qual perdedores existem em muito maior número do que os favorecidos, que monopolizam o aparato do Estado. Esta é a visão preconizada por Karl Marx, pensador alemão que, em conjunto com o francês Émile Durkheim e o também alemão Max Weber, formulou o pensamento que embasa a Ciência Sociológica (cada qual, com sua visão peculiar da sociedade e da economia – diga-se); e,
  4. por fim, e também sob o prisma econômico, a desigualdade brutal desperdiça um número incalculável de oportunidades de negócios, os quais poderiam ser originados a partir da inserção de bilhões de pessoas ao mercado de consumo. Conforme observa o professor C. K. Prahalad, especialmente na obra denominada “A riqueza na base da pirâmide”, os pobres representam um mercado não atendido ou parcialmente atendido por empresas, as quais têm falhado em ajustar seus modelos de negócios a esse mercado muito promissor, integrado por cerca de quatro bilhões de potenciais consumidores.

A redução da desigualdade é algo que deve ser perseguido, conforme bem expressou o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, em extensa entrevista concedida ao jornal Valor (7/6/2020). Discorrendo então sobre as crises econômica, sanitária (leia-se COVID-19) e sobre a desigualdade social, Fraga observou que esta última potencializa os riscos de uma profunda recessão – ou mesmo de depressão –, altamente ameaçadora para as finanças públicas. Ao mesmo tempo, Armínio Fraga enfatizou a redução da desigualdade social como grande oportunidade de retomada do crescimento econômico; este é, aliás, um dos pontos altos de sua entrevista.

Se o combate à forte desigualdade social – algo que, em suas origens, teve a ver com vantagens geográficas – é algo ético, que pode favorecer a estabilidade política e institucional, mitigar a chamada luta de classes de Karl Marx e, ademais, pode criar inúmeras oportunidades de novos negócios para muitos empreendedores, apresentamos aqui uma indagação: quais desafios a redução da desigualdade impõe no que diz respeito à sustentabilidade?

A resposta à pergunta anterior pode ser extensa, mas, neste breve artigo, priorizamos o desafio de inserir bilhões de pessoas excluídas do mercado consumidor a esse mercado, na linha do professor C. K. Prahalad. O Planeta suportaria a exploração de seus recursos de modo que toda a humanidade fosse suprida em suas necessidades materiais? Este talvez seja um dos mais relevantes desafios de sustentabilidade para os seres humanos. E provavelmente, a resposta estará, sim, em novos modelos de negócios, mas também e muito especialmente em modelos de gestão sustentáveis que:

  1. internalizem o conceito de sustentabilidade de forma inequívoca e como uma real necessidade planetária;
  2. utilizem massivamente tecnologias de forma inclusiva, em todas as frentes possíveis, a fim de possibilitar que a parte alijada da população mundial possa ter acesso a condições de vida efetivamente dignas; e,
  3. valorizem o desenvolvimento de habilidades digitais. A retenção de talentos e a busca por maior produtividade tornam os empregadores responsáveis pela capacitação digital de seus funcionários, com especial destaque aos treinamentos nas tecnologias de automação.

Sobre a valorização de habilidades digitais: em sua 23ª pesquisa anual com CEOs, a PwCconstatou que as preocupações com a disponibilidade de habilidades-chave são um dos principais problemas enfrentados pelos executivos. A requalificação rápida, em grande escala, de grandes segmentos da força de trabalho é uma demanda urgente.

Finalizamos observando aos nossos leitores que os desafios de redução da desigualdade social são grandes, mas que este é o caminho correto a ser trilhado, em prol de um sistema socioeconômico mais justo e seguro. É uma questão de ética? Sim, mas também de gestão de riscos.

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