Ao expor a história brasileira de racismo e cerceamento de espaços à população negra, que a jornalista, educadora e coach financeira, Mônica Costa, promove cursos e mentorias no Grana Pretta, com uma metodologia desenvolvida para mulheres negras.
É com exercícios de autoconhecimento e com a explicação de que há um sistema que tira o acesso da população negra a espaços e possibilidades, que começa o processo de retomada da autoestima desta mulher.
Mônica ressalta a importância de retomar suas raízes em todas as etapas e momentos de sua vida. Foi a avó que lhe mostrou a importância de guardar dinheiro – que não tinha conta bancária e separava as quantias em potes – e que dizia a ela ‘você pode ser tudo o que você quiser’.
Ela é casada, tem 48 anos. É mãe de Pedro, 18 anos, recém aprovado em economia na Unicamp, e de Ayana, 10, cujo nome significa Bela Flor na língua somali. Entre seus hobbies estão uma boa taça de vinho, um livro e muito samba de raiz.
O compartilhamento de ideias também acontece por meio do seu blog e por redes sociais, como o Instagram. Conheça um pouco mais sobre esta mulher negra que não fala só de grana na conversa que tivemos.
O Grana Pretta leva um slogan: se poder é bom, eu quero poder também. Por que o seu trabalho não trata só de dinheiro?
É mais que dinheiro, sim. A educação financeira é apenas uma ferramenta. Foi na minha trajetória como jornalista que entendi a importância de que a informação é validada somente com confirmação numérica e fontes e que eu não me sentia representada e não tinha as mesmas chances no ambiente de trabalho.
E quando eu fui buscar educação financeira pessoal eu também não me sentia representada, como uma mulher negra, mesmo com nível superior, os temas e as propostas abordadas não conversavam comigo. Também entendi que não encontra espaço por ser negra.
Estamos em um país construído com questões racistas e com a impossibilidade de a população negra ter acesso a todos os espaços (públicos, sociais, econômicos). Quando estamos num país que você não tem acesso a coisas de qualidade e conseguimos algo pequeno, achamos que chegamos longe demais.
O Dieese tem um cálculo que mostra que o salário-mínimo de hoje deveria ser cinco vezes maior. Então, quando
uma pessoa vive isso e passa a ganhar dois, acha que já está ganhando muito. A sociedade chegou em um nível de conformismo muito grande.
Quando começo meu trabalho trago este dado. Porque é comum acharmos que não ter dinheiro é culpa nossa. E eu mostro que há um sistema que nos tira esta possibilidade. Não exatamente que as mulheres negras não tenham consciência disso. Mas aí, neste ponto do trabalho, entra a retomada de autoestima e confiança em si. Eu trago números e isso abre uma janelinha. “A culpa não é minha por não conseguir proporcionar melhor qualidade de vida a minha família”.
Como são, na prática, seus cursos e seu trabalho de mentoria?
O Grana Pretta traz conteúdos antirracistas. Eu trabalho com mulheres negras que compõem 60 milhões de brasileiros, o equivalente a 28% da população de brasileiros. Grande parte deste público recebe 1 salário-mínimo. São mães solo, são responsáveis sozinhas pela casa. Muitas são empreendedoras, por necessidades, perderam o emprego, outras, por opção.
O meu trabalho está muito na casa do coaching financeiro, de construir uma estrutura financeira que permita elas realizarem os seus sonhos. Começo questionando se a pessoa está infeliz no lugar onde trabalhar. Mas peço que, se lhe pagam 1 salário-mínimo, não se fruste. O primeiro comportamento diante da frustração é gastar dinheiro com coisas desnecessárias. Por isso, é importante identificar o seu padrão de gasto e consumo.
A convido, dentro das atividades de mentoria, a se conectar com seus sonhos, que talvez estejam até esquecidos. A vida é maluca, é feita de faturas de cartão de crédito e boletos para pagar. E o exercício proposto é de reconexão com os sonhos, e a avaliação se eles são possíveis hoje. Talvez eles não sejam mais, neste momento, mas se há alguma forma de eles se transformarem e, no futuro, podem virar um empreendimento ou algo que possa dar sustento.
O curso tem cerca de 8 horas, no qual entrego as ferramentas. E depois podemos ter momentos de mentorias, que levam entre três e quatro meses, com o objetivo de olhar algumas questões mais de perto.
Tenho uma especialização em terapia financeira que tem como propósito entender a mentalidade das pessoas na relação com o dinheiro. Sai do escopo de só investir. Primeiro é preciso entender a sua relação com as finanças.
Como você chegou a este formato e o que lhe ajudou neste processo?
Eu me sinto à vontade falando com mulheres como eu, e sinto que uma forma de me conectar com elas é trazendo fatos de nossas ancestralidades. De nossa criatividade, de se permitir em falar de nossas vitórias, um viés que nos fortalece. Eu percebi que é um diferencial do meu trabalho trazer fatos históricos.
Por ser negra. Sei que as mulheres vão se conectar comigo. Que esse fato trará empatia. Eu me sinto confortável como educadora financeira. E os exercícios de autoconhecimento que sugiro ajudam as pessoas a encontrarem as suas potências. Quando não se sentem capaz, se conformam com o pouquinho que chega. Este conformismo se traduz em frustração. E é nesse momento que fazemos o consumo inconsciente, impulsivo, sem entender que preciso olhar para o meu interior. Ficam sensações de conformismo e falta de pertencimento.
Eu vivi isso, mas no meu caso, optei por migrar, buscar um outro caminho que trouxesse minha sanidade mental.
A educação financeira chegou como ferramenta. Montei um home office para continuar prestando assessoria de comunicação. Mas fui fazendo construções e cheguei ao Grana Pretta, que completará três anos no final de 2021, e é permeado por questões de finanças.
Eu gosto de mexer com o meu orçamento, projetar, saber que tenho dinheiro guardado. Não ter dinheiro me deixa mal-humorada. Quando eu comecei a entender como chegar a tudo isso, me deu muito prazer. E foi minha resiliência que me ajudou a chegar lá.
No meu processo de transformação, convive com um grupo de mulheres negras que me ajudou. Era um curso de inglês só para mulheres negras. Neste espaço tinham mulheres de vários níveis sociais. Inclusive engenheiras, advogadas. Compartilhávamos muitos momentos de exclusão e racismo. E com esta troca, neste lugar nos fortalecíamos.
Foto da capa: PUSHSP – Publicada em matéria do FFW.uol