A semana ultrapassada foi bastante rica na divulgação de dados importantes da conjuntura global, com muita informação a ser absorvida pelos investidores e melhora do otimismo. Aqui, dados de conjuntura ainda fracos, mas de certa forma já sinalizando que estamos atravessando o fundo do poço. Melhor ainda, terminamos a semana anterior com forte pressão política que se acelerou ao longo do final de semana, mas o presidente Bolsonaro foi muito feliz em sinalizar postura menos beligerante, acalmando toda sociedade.

No cenário externo, dois eventos maiores podem ser destacados. De um lado a decisão do BCE (BC europeu) sobre política monetária, e de outra, a divulgação do payroll americano de maio, dito como quase surpresa. No que tange a decisão do BCE, a decisão veio dentro do previsto, aumentado a aquisição de PEPPS (Pandemic Emergency Purchase Programme) em 600 bilhões de euros e elevando para 1,35 trilhão de euros, a manutenção de compras mensais de APPs de 20 bilhões de euros, taxa de depósito mantida em -0,50% e taxa de refinanciamento em zero. Também deram a garantia de manter essa política por largo tempo, e usarem mais ferramentas caso necessário. Apenas a fala da presidente Christine Lagarde foi pessimista e projetando contração do PIB de 8,7% em 2020, mas dizendo estar certa de já terem atravessado o pior momento.

Já sobre o payroll americano de maio, a surpresa foi enorme e os mercados reagiram ainda mais positivamente que em toda a semana, A expectativa era de destruição de cerca de 8 milhões de vagas no setor público em privado, e o número apresentado foi de criação de 2,5 milhões de vagas. O mês pode ser atribuído para a taxa de desemprego, onde a projeção era de alta para 19% (anterior em 14,7%), e o número apresentado foi de queda para 13,3, com queda de entre 1% no salário hora.

Função disso, o presidente Trump em campanha de reeleição capitalizou isso em coletiva, dizendo que a recuperação começou mais cedo que o previsto, que o próximo ano será o melhor da história para a economia, falou sobre os acertos da coordenação sanitária e estímulos concedidos e ainda espera a aprovação de mais estímulos no montante de US$ 1 trilhão. Trump também falou sobre a China e sua dificuldade em cumprir acordos firmados e que a China iria passar os EUA, mas agora, depois dos acordos, os EUA seguirão na frente.

Trump falou ainda sobre os protestos que ocorrem em todo o país por conta da morte de George Floyd por policiais dizendo que espera que os Estados façam uso da força nacional para debelar os protestos e saques que estão ocorrendo preservando a população. Seu vice-presidente Mike Pence também deu declarações sobre a reabertura da economia com segurança e payroll mostrando isso, e que corte de impostos da folha de pagamento vai impulsionar ainda mais a economia. Declarou que discutem novos estímulos.

A nota dissonante ficou ainda por conta da área diplomática tensa entre EUA e China, com ambos elevando o tom de discurso sobre responsabilidade da covid-19 e a China dizendo que vai tomar medidas necessárias em reação a lista negra elaborada pelos EUA.

A semana também foi de divulgação de indicadores de atividade PMI e ISM (EUA) referente ao mês de maio para diferentes países. Como regra geral houve boa melhora nos indicadores em todos os países, mas ainda transitando abaixo dos 50 pontos, o que significa contração da atividade (acima de 50 pontos significa expansão). Somente o Brasil teve pequena melhora para 27,6 pontos no indicador de serviços, e só a China mostrou o PMI Caixin (pequenas empresas) maior que 50 pontos, em 55 pontos.

Tivemos ainda larga expectativa com relação à reunião antecipada da OPEP+, inicialmente marcada para 4/6 e adiada para 6/6 por vídeo conferencia, para determinar a prorrogação dos cortes de produção e eventual ampliação, já contando com postura positiva da Arábia Saudita e Rússia, mas tendo que administrar posição do Iraque e Nigéria, principalmente no cumprimento dos cortes. Mas mesmo sob tensão, o petróleo no mercado internacional seguiu o rali de recuperação de preços, não sem muita volatilidade diária.

Tivemos ainda outros indicadores importantes sendo divulgados investimentos em construção de abril nos EUA com contração de 2,9%, as encomendas de bens duráveis em queda de 13% e estoques de petróleo em queda na semana. Além disso, nos EUA, as recuperações judiciais de maio cresceram 48% anualizada e o saldo comercial de abril mostrou superávit de US$ 49,4 bilhões. Na zona do euro, as vendas no varejo de abril caíram 11,7%, a maior da história. A taxa de desemprego subiu para 7,3% e o PPI (atacado) de abril teve deflação de 2%. Na Austrália, o PIB do primeiro trimestre em expansão de 1,4% e juros mantidos em 0,25%.

Mas o mais importante foi mesmo a postura dos investidores, trocando postura defensiva de aversão ao risco por apetite ao risco que perdurou desde o final da semana anterior e por toda a semana seguinte. Isso fez o dólar mais fraco no cenário internacional e acelerou fortemente a recuperação dos mercados acionários, inclusive a Bovespa que chegou a mostrar alta de mais de 10% em cinco pregões de junho.

No segmento local podemos considerar que tivemos alguma redução das incertezas políticas, com postura menos beligerante de Bolsonaro, pedindo inclusive que apoiadores não participem de manifestações no próximo domingo, depois dos problemas ocorridos no final de semana anterior. Bolsonaro também disse ter acertado com o ministro Paulo Guedes mais duas parcelas de auxílio emergencial. Porém, o Insper declarou que se houver prolongamento de alguns estímulos, o déficit primário pode explodir para R$ 1,3 trilhão, quando a estimativa oficial ainda está em R$ 708 bilhões.

Aliás, o déficit fiscal é uma das grandes preocupações dos economistas com o país, principalmente pela tradição de políticas anticíclicas ficarem por muito tempo em vigor. Também grande preocupação com a dívida bruta que começou a crise ao redor de 75% do PIB, e pode fechar o ano acima de 95%.

Apesar disso, não havia mesmo outra alternativa e os recursos estão demorando um pouco a chegar na ponta das empresas e Estados e Municípios. Para tanto, o Bacen está mudando algumas normas para crédito as empresas e os recursos para entes da Federação devem começar a aparecer a partir de 9/6.

O IBGE anunciou durante a semana que a produção industrial de abril encolheu 18,8% e no ano mostra queda de 8,2%, os piores dados da série. A queda de bens de capital foi de 41,1 em abril e veículos com -88,5%. Houve queda em 22 de 26 ramos pesquisados, O Tesouro nacional aproveitou janela favorável externa e captou US$ 3,5 bilhões para títulos de cinco e dez anos, com taxas menores, já visando dívidas que estão vencendo. Melhor, a demanda se situou próxima de US$ 18 bilhões e estão preparando nova emissão. A percepção é que não há problemas para captação de empréstimo de prazo curtos, mas a situação muda para prazos mais longos.

No mercado acionário, semana de forte alta em apenas cinco dias da semana o Ibovespa chegou a ultrapassar valorização de 10%, mais que em todo mês de maio. No ano, ainda mostra contração da ordem de 17% enquanto a Nasdaq já mostra recorde de pontuação novamente. O apetite ao risco beneficiou fluxo para emergentes que tinham sofrido muito, como o Brasil, e desde a semana anterior já vínhamos sentido isso. Investidores passaram a trocar dólar por outras moedas de maior risco e isso também beneficiou a cotação da moeda americana que rompeu para baixo o patamar de R$ 5%. Os investidores estrangeiros na Bovespa em três sessões de junho já tinham alocado recursos no montante de R$ 1,78 bilhões, mas o saldo líquido do ano ainda estava negativo em R$ 75,06 bilhões.

INDICADORES DA SEMANA

IBOVESPA +8,28% (946.370)

DOW JONES +6,80%

NASDAQ +3,42%

DÓLAR R$ 4,991 (-6,52%)

PERSPECTIVAS

É certo que os mercados possuem potencial de realização de lucros de curto prazo para ações e câmbio diante dos movimentos da semana anterior. Porém, tudo passa a ser uma questão de fluxo de recursos suficiente para absorver pressões vendedoras de curto prazo. Se o apetite para risco prosseguir, certamente a Bovespa deve seguir ainda em alta ajustando expectativas e o câmbio seguir fraco, já que as apostas no dólar derivaram para outras aplicações.

O cenário básico internacional segue sendo de melhora nas condições econômicas, notadamente de países desenvolvidos, que ainda elaboram novos programas de estímulos, como redução de impostos (folha de pagamentos) nos EUA, novos recursos na zona do euro e na Alemanha, especialmente. Além do mais, as reaberturas de economias estão sendo feitas com prudência e não existem relatos de uma segunda onda. Portanto, a tendência é de melhora geral, e com a liquidez forte, a ampliação de risco é quase inevitável.

Aqui o quadro é um pouco diferente por força de nossas contas públicas desalinhadas e em situação de risco. Além disso, temos sempre que considerar a possibilidade de incertezas na política que estressam os investidores. Do ponto de vista da covid-19, estamos procedendo a abertura da economia, mas em situação de maior risco já que seguimos batendo recordes de contágio e óbitos diários. Mas de qualquer forma seguimos sendo beneficiados pela liquidez de nossos segmentos de mercado que dão espaço para posicionamentos mais rápidos em ativos de risco.

Do ponto de vista da análise técnica há espaço para tentar buscar patamar próximo de 99 mil pontos, mas seria oportuno não perder aquela faixa próxima de 88 mil pontos ultrapassada com alguma facilidade.

Alvaro Bandeira
Sócio e economista-chefe do banco digital Modalmais
Fonte: www.modalmais.com.br/blog/falando-de-mercado

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