A semana incorporou grande desbalanceamento dos mercados de risco no mundo, com alterações entre e intraday nos diferentes segmentos do mercado. Ações, câmbio e juros; observaram bruscas mudanças de comportamento, ao sabor do noticiário. Alternamos momentos de aversão ao risco com outros de aumento da propensão, mas a tendência continuou indefinida para prazos mais longos.
No exterior, a contaminação por covid-19 segue assustando os investidores, em contraposição as boas notícias sobre o desenvolvimento de vacinas. Grande expectativa também com o primeiro debate entre Trump e Biden pela TV e com o pacote de estímulo fiscal discutido entre Republicanos e Democratas. As discussões sobre o Brexit e a União Europeia também permearam a tensão dos investidores. Aqui, claramente somos afetados por isso, na situação de emergente desequilibrado em finanças que somos, somado ao quadro de instabilidade política e todos os “balões de ensaio” lançados, como a fonte de recursos para colocar de pé o programa Renda Cidadã. Afora isso, os investidores ainda tiveram que assimilar todos os indicadores divulgados durante o período, e que não foram poucos.
No cenário externo, o pano de fundo das preocupações dos investidores é objeto da formação de preços dos ativos e, seguiu sendo o acompanhamento da contaminação por covid-19. A Europa padece com isso novamente, com a França batendo novos recordes de contaminação, assim como o Reino Unido, Espanha e Alemanha. A Espanha lançou novas restrições de contato social e obrigou a adesão de Madri, a Alemanha, de Angela Merkel, tenta fugir do “lockdown” e, o Reino Unido, segundo o primeiro-ministro Boris Johnson, entrou em espiral ascendente.
Tudo isso leva a que dirigentes como Trump forcem notícias positivas sobre vacinas que ainda estão sendo testadas. Todos correm para acordos com laboratórios, mas o certo é que a vacinação em massa ainda vai demorar algum tempo e a covid-19 segue assustando todos.
Tanto isso é verdade que, durante a semana, Trump anunciou que testou positivo para o vírus e vai seguir em quarentena, bem na reta final das eleições, faltando somente 32 dias. Destacamos ainda que o forte de Trump são os comícios que ele consegue movimentar o eleitorado.
Sobre o debate pela TV, não foi possível tirar conclusões. Trump interrompeu seguidamente Biden que, por sua vez, ficou intimidado. Pareceu mesmo estratégia de Trump para que isso ocorresse. Mais é fato que não se extraiu quase nada em termos de programas a serem desenvolvidos pelos candidatos e propostas concretas para o pós-crise e relançamento da economia.
Sobre a novela do pacote de estímulo fiscal, a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, esteve em contato direto com o secretário do Tesouro, Steve Mnuchin e, tudo indica que eles ainda estão longe de um consenso. Os Democratas aceitam reduzir o pacote para US$ 2,2 trilhões, enquanto Mnuchin fala em US$ 1,6 bilhão. Em 1/10, a Câmara americana aprovou estímulos de US$ 2,2 trilhões, que deve ser rejeitada pelo Senado, assim como foi feito com a proposta original de US$ 3,4 trilhões.
Sobre o Brexit, Reino Unido e União Europeia ainda estão longe de pactuarem um acordo, mas existe intenção de seguirem negociando. A União Europeia alega quebra do acordo de saída e o Reino Unido, como sempre, quer todos os bônus e nenhum ônus. A União Europeia quer negociar, mas respeitando alguns limites. Fato é que, todas as previsões de conjuntura feitas pela União Europeia contemplam a saída do Reino Unido sem um acordo.
Em indicadores de conjuntura, a semana trouxe a divulgação de PMI e ISM da atividade industrial em setembro para diferentes países. Como regra geral, melhorando e acima de 50 pontos, o que denota expansão da atividade. No Japão, subiu para 47,7 pontos, mas ainda mostra contração da atividade. Há a suposição que até o final do ano, o BOJ vai flexibilizar ainda mais a política monetária. Já no Reino Unido, houve queda para 54,1 pontos em setembro, mas permanece em expansão. Nos EUA, o PMI industrial subiu 53,2 pontos, mas o ISM industrial encolheu para 55,4 pontos.
No Reino Unido, o PIB do segundo trimestre trouxe encolhimento de 19,8%, mas a previsão era de contração de 20,4%. Nos EUA, o PIB do segundo trimestre em sua leitura final mostrou contração de 31,4%, mas o previsto era -31,7%. Lá, o lucro corporativo encolheu 10,5%, mas os dados vieram melhores que em leituras anteriores. O dado mais aguardado da semana nos EUA foi o Payroll, com a criação de vagas na economia em setembro, ampliando 661 mil vagas (setor público e privado), mas o previsto era a criação de 800 mil vagas. Porém, a taxa de desemprego caiu novamente para 7,9%, vindo de 8,4% no mês anterior e, ficando melhor que a previsão anterior de 8,2%.
A confiança do consumidor de Michigan subiu para 80,4 pontos em setembro e as encomendas à indústria com alta em agosto de 0,7%, de previsão de +0,8%. Ainda nos EUA, a semana foi marcada por inúmeras declarações de dirigentes regionais do FED, todos querendo e vendo a necessidade de novos estímulos fiscais para amparar a recuperação econômica, e não se fala na adoção de juros negativos. O BOE (BC inglês) diz estudar juros negativos, mas alega que existem outros instrumentos a serem utilizados dentro do arsenal de medidas.
No segmento doméstico, tivemos que conviver durante toda a semana com as inconstâncias do governo sobre fonte de recursos para lançar o programa Renda Brasil. Divulgaram que seria utilizado recursos do Fundeb e também de precatórios, mas a reação contra foi grande. Aparentemente, seria o mesmo que driblar o teto de gastos, já que o Fundeb está fora e os precatórios são de pagamentos certos e, com recursos já comprometidos. Seria a nova forma de “pedalada fiscal”.
Depois, o próprio ministro Paulo Guedes disse ser contra e o presidente voltou a afirmar que 99,9% da economia está com Guedes. Isso acalma um pouco aqueles que até intuíam a possibilidade de furar o teto (ainda que na teoria não), o Brasil pudesse ser rebaixado pelas agências de rating.
Ainda do lado político, tivemos declarações do presidente sobre o interesse externos na Amazônia (que sempre gera grande ruído e polêmica) e as constantes “brigas” de Paulo Gudes e Rodrigo Maia, que acabam dificultando a aprovação de matérias na Câmara. Também sobre críticas a indicação de Bolsonaro para a vaga do STF, de Celso de Mello em 13/10, com a indicação de Kassio Nunes.
Em indicadores de conjuntura, tivemos a concessão de crédito crescendo 1,9% em agosto para R$ 3,74 trilhões, a inadimplência no crédito livre encolhendo para 3,3% (de anterior em 3,5%) e spread médio no crédito livre em 22,3%, também em queda. Os juros do rotativo do cartão de crédito também encolheram, mas estão em 310,2%. O déficit do governo central em agosto foi de R$ 96,1 bilhões, com déficit em 12 meses de R$ 647,1 bilhões, algo com 8,96%. O déficit primário do ano está em R$ 571,4 bilhões e o nominal sobe para R$ 785,1 bilhões (algo com 16,7% do PIB).
A inflação medida pelo IGP-M de setembro ficou em 4,34%, gerando inflação em 12 meses de 17,94%. O saldo da balança comercial em setembro mostrou superávit de US$ 6,16 bilhões, acumulando no ano de 2020, US$ 42,44 bilhões. Já o fluxo cambial total do ano até 25/9 estava negativo em US$ 19,7 bilhões. No final da semana, o IBGE divulgou a produção industrial de agosto crescendo 3,2% (menor que o previsto de 3,7%, mas no ano, mostra contração de 8,6%. O IBGE, pela PNAD contínua do trimestre encerrado em julho, divulgou que a taxa de desemprego está em 13,8% e não mostra recuperação da PEA (População Econômica Ativa), com a população ocupada declinando 11,6 milhões em 1 ano.
No mercado, muita volatilidade e trocas de sinais durante as sessões, com julgamento pelo STF da venda de refinarias pela Petrobras, depois aprovada com placar de 6×4. O mercado de petróleo também esteve bem complicado, com fortes quedas em diferentes pregões. Já na Bovespa, no mês de setembro, os investidores estrangeiros voltaram a sacar recursos no montante de R$ 2,4 bilhões, deixando o ano de 2020 com saídas líquidas de R$ 87,75 bilhões, o dobro de todo o ano de 2019.
Indicadores da semana
BOVESPA -3,07% (94.015)
DOW JONES +1,87%
NASDAQ +1,48%
DÓLAR R$ 5,672 (+2,01%)
Perspectivas
A partir de agora, a situação local e internacional tende a ficar cada vez mais tensa. No ambiente externo, como cenário de tudo, a ampliação do medo pelo aumento de casos de covid-19 em contraposição ao desenvolvimento de vacinas, teste e aplicação na imunização das populações. Também a disputa eleitoral nos EUA vai trazer mais inconstância, principalmente depois de Trump ter testado positivo e ter que mudar sua estratégia de campanha pela quarentena e também os debates públicos. O próximo debate está marcado para 15/10.
Como coadjuvante em tudo isso, temos o imbróglio do pacote de estímulo fiscal para a economia americana, que teima em não apurar consenso entre Democratas e Republicanos. Além disso, a falta de acordo entre Reino Unido e União Europeia sobre o Brexit. Afora isso, vamos ter que avaliar os indicadores que saem durante o período que sempre provocam alterações momentâneas. Do lado diplomático, a situação tende também a estressar com a China sempre como alvo.
Aqui, a situação é só um pouco mais complicada, com todas as injunções políticas, eleições paralisando o Congresso Nacional, disputas e ataques entre Paulo Guedes e Rodrigo Maia e também Rogério Marinho. Seguimos alertando para a necessidade de o governo se posicionar de forma mais definitiva sobre reformas e ajustes, absolutamente necessário para que outras variáveis como câmbio e juros tomem alguma definição de curto e médio prazo, já que no longo, a situação parece uma melhora definida depois da alta.
Na Bovespa, chegamos a vazar para baixo da faixa de 94 mil pontos, mas até aqui, tem havido alguma luta para não perder esse patamar.
Caso perca, nos remeteria para a possibilidade de buscar algo ao redor de 90 mil pontos. Os investidores locais não demonstram a mesma urgência para trocar ativos, os IPOs (e follow-ons) estão sendo reestruturados e os investidores estrangeiros seguem sacando recursos.
Na postura mais otimista, de que o noticiário possa melhorar, teríamos que buscar 98 mil pontos e depois 100 mil pontos do Ibovespa, para sinalizar algo mais concreto.
Alvaro Bandeira
Sócio e economista-chefe do banco digital Modalmais
Fonte: www.modalmais.com.br/blog/falando-de-mercado