No dia 20 de novembro de 2022, Lisiane Lemos efetuou o seu check in de casa e apresentou-se diretamente junto ao portão de embarque, pois seu voo já estava sendo chamado. Apesar de ser domingo, o voo estava bastante cheio, tanto é que por algumas vezes os passageiros para foram chamados para despachar gratuitamente os volumes extras de bagagem de mão.
Começou o embarque. Foram embarcados primeiramente os passageiros com prioridade legal, e na sequência, o colaborador da companhia aérea dirigiu-se para a fila dos passageiros do chamado Grupo 1, aqueles com prioridade comercial.
Como Lisiane estava com bagagem de mão, resolveu ser a primeira passageira na fila dos passageiros de prioridade comercial. Pois bem. Quando o colaborador retirou a contenção retrátil para iniciar o embarque deste grupo, deu de cara com Lisiane. Sua reação foi imediata. Disse: “Moça, essa fila para passageiros com prioridade comercial.” Lisiane respondeu dizendo que sabia, e que justamente por este motivo estava ali.
Por que se dirigiram à Lisiane desta maneira? Simples e lamentável, ao mesmo tempo. Pois Lisiane é preta. É também executiva, conselheira, palestrante e atuante em algumas ONGs. Em função das suas atividades profissionais, viaja muito e detém a classe mais alta dos clubes de milhagens das companhias aéreas.
Passado o desconforto inicial, o que rendeu um sobressalto a quem organizava o embarque, Lisiane embarcou e logo acomodou-se no seu assento, o 1D. Fica na primeira fileira e é o mais confortável para cruzar as pernas, muito mais do que o assento 1C.
Os demais passageiros embarcaram e logo que todos estavam acomodados, antes de fechar a porta da aeronave, uma comissária pediu para ver o cartão de embarque de Lisiane, pois ela estava sentada em um assento conforto. Mais uma vez, Lisiane mostrou o seu cartão de embarque, e após receber um agradecimento, em outro tom de voz, recebeu um copo de água, tratamento dispensado aos passageiros das primeiras fileiras, juntamente com as boas vindas com indicação de seu nome, passageira frequente que é.
Tudo isso, gente, no dia 20/11/2022, o Dia da Consciência Negra. Quando é que as pessoas passarão a se dar conta de que não se tira nenhuma conclusão de ninguém com base na cor da pele de alguém?
Cada vez mais, empresas têm se alinhado às práticas ESG, que sempre enfatizam a importância da inclusão e diversidade, tanto interna quanto externamente. É preciso ser inclusivo com todos com colaboradores e com os clientes.
É óbvio que não é a primeira vez que Lisiane passa por isso. Mas, cada vez mais, a repetição de tais condutas dentro de uma sociedade que busca a inclusão e o respeito à diversidade, é inaceitável.
Onde estão os departamentos de recursos humanos e as políticas das empresas, que deveriam estar tratando deste assunto e buscando implantar mudanças de comportamento?
A Lisiane não é a única. Tenho um amigo em São Paulo, advogado e muito bem-sucedido, que sempre é parado no trânsito, pois dirige um automóvel alemão de primeira linha blindado. E tantos outros que passam diariamente por esse tipo de constrangimento no ônibus, no seu trabalho, na ida ao supermercado (claro, quando um preto dirige-se para uma área onde são encontrados produtos premium, em um supermercado, por exemplo, em seguida aparece um segurança para vigiar aquele cliente), em qualquer lugar.
Você, leitor, que se interessa pelo assunto, tanto que chegou até este ponto, deveria colocar-se no lugar da Lisiane e de tantos outros que passam por constrangimentos dessa natureza. Afinal, você gostaria de ser tratado assim?
Se não, o que você tem feito para que essa realidade seja alterada?
É preciso que todos possamos nos sentir como gente, com G maiúsculo, em primeiro lugar. Parece pleonasmo, mas não é. As empresas têm a sua responsabilidade corporativa, mas elas são dirigidas e administradas por pessoas físicas, exatamente como eu, você… E que tal se a sua remuneração variável estivesse atrelada a obter redução em comportamentos dessa natureza na sua empresa? Admita, mudaria algo na sua conduta?
O que lamentavelmente seguimos vendo acontecer é a banalização de algo que é crime. Sim, racismo é crime. Quanto tempo ainda irá levar para que você seja atuante na mudança dos comportamentos na sociedade e no mundo corporativo? Não esqueça. Todos nós estamos envelhecendo, dia a dia. Daqui a pouco, você estará no grupo dos idosos e, nesta condição, estará vulnerável ao etarismo (o chamado preconceito contra a idade). Então, faço o convite: que tal mudar já as suas condutas?