Todas as semanas, nesta coluna, costumo tratar de assuntos ligados ao mercado financeiro e à economia em geral.
Só que, desta vez, por solicitação de meus publishers, vou falar sobre a colisão do Airbus A-350-941 (uma das aeronaves mais modernas do mundo) da Japan Airlines com um De Havilland Canada DHC-8 da Guarda Costeira japonesa, ocorrida na terça-feira, 2 de janeiro.
Ao contrário do que poderia se supor, o desastre não aconteceu no ar, mas sim na pista C, que corre paralela e junto à orla da baía de Tóquio e se destina a voos domésticos.
Se o caro amigo leitor estranha eu ter sido requisitado a escrever sobre este assunto, gostaria de afirmar que, além de ser piloto, já publiquei quatro livros sobre acidentes aéreos: “Caixa-preta”; “Plano de ataque”; “Perda Total” e “Voo cego”.
Eu levo aproximadamente três anos (entre pesquisas e elaboração do texto final) para escrever um livro sobre tragédias aéreas.
No momento, por exemplo, estou trabalhando há mais de um ano na narrativa do acidente com o avião da Chapecoense, livro que pretendo lançar em 28 de novembro de 2026, quando o desastre completará dez anos.
Já sei quase tudo sobre o voo, mas falta agora entrevistar os sobreviventes para saber o que aconteceu no interior da cabine de passageiros, entre Santa Cruz de La Sierra (Bolívia) e uma montanha ao sul de Medellín (Cerro El Gordo) contra a qual o avião se chocou.
Para isso, viajarei este ano à Chapecó, Santa Cruz de La Sierra, Bogotá e Medellín.
Portanto, para escrever sobre uma tragédia que ocorreu há poucos dias, terei de especular um pouco sobre o que poderia ter acontecido. Mas isso não me impede de afirmar desde já, com profunda convicção, que houve falha humana. E não foi do piloto da Japan Airlines.
A cidade de Tóquio possui dois grandes aeroportos: Haneda, o mais antigo (foi inaugurado em 1931), e Narita, a 80 quilômetros de distância, que entrou em operação em 1978.
As torres de controle dos aeroportos só passam a cuidar dos aviões que chegam quando eles já estão próximos da reta final, para que não haja confusão entre as aeronaves que saem e chegam de aeroportos diferentes, como é o caso de Haneda e Narita.
Para quem possa pensar que as torres dos aeroportos se ocupam apenas dos aviões que estão no ar, é bom lembrar o alvoroço que reina em um aeródromo de grande movimento.
Enquanto uma aeronave corre na pista a mais de 200 quilômetros por hora, outra taxia a 30 km/h ali perto e uma terceira, empurrada por um trator, se afasta, de marcha a ré, do finger a 5 km/h.
Ao mesmo tempo, veículos os mais diversos se deslocam pelo aeroporto: ônibus trazendo e levando passageiros para aeronaves estacionadas em áreas remotas, caminhões-tanque, pequenos tratores rebocando carrinhos de bagagem, caminhões que levam e trazem os itens dos serviços de bordo, só para lembrar alguns.
Tudo isso é observado pela torre, que inclusive tem sob sua responsabilidade vigiar bandos de pássaros que sobrevoam a área com sério risco de colisão com as aeronaves, incidente que, por sinal, vive acontecendo.
Antes de entrar em contato com a torre de Haneda, o A-350 da JAL tinha seu voo monitorado pelo Centro de Controle da Área de Tóquio, que administra o espaço aéreo da região, que inclui aeroportos militares e pequenos aeródromos para aviões menores.
Tudo isso tem de funcionar como um relógio e geralmente funciona, inclusive nas ocasiões em que a região é assolada por temporais e nevoeiros.
Autorizado pela torre do aeroporto, o Airbus da Japan Airlines entrou na reta final de pouso e fez o touchdown (toque das rodas no solo) na pista C. Tão logo fez isso, se deparou com o DHC-8 da Guarda Costeira que, ao invés de ir até o final da pista de acesso (paralela à de pouso e decolagem), dirigiu-se, sem autorização da torre (repito: sem autorização da torre), à pista principal, por uma interseção intermediária, e chocou-se contra a cauda do Airbus da JAL.
Para sorte colossal dos passageiros e tripulantes do jato comercial, o avião seguiu em frente, mantendo-se no eixo da pista.
Movido pela inércia, o jato da Japan foi parar um quilômetro adiante. Só então a parte traseira, que sofrera o impacto do avião menor, começou a lançar fogo e fumaça para a frente.
Com um senso de profissionalismo fora do comum, a tripulação do A-350 conseguiu, em 90 segundos, e usando apenas as portas dianteiras, evacuar todos os passageiros e tripulantes, num total de 379 pessoas, sem nenhuma fatalidade.
Enquanto isso, dos seis ocupantes do avião da Guarda Costeira, cinco morreram, salvando-se apenas o comandante, que foi internado em estado gravíssimo.
Evidentemente que o senso de disciplina, típico dos japoneses, contribuiu para o êxito do salvamento.
Todos, inclusive as crianças, obedeceram às instruções dos tripulantes.
Um bom fim de semana e Feliz Ano Novo para todos.
Ivan Sant’Anna
Com a colaboração de José Inácio Pilar