Ao ler o título desta crônica, o caro amigo assinante leitor pode estar se indagando: o que uma coisa tem a ver com a outra?

Começo a explicação pelo final. Antes de mais nada, é bom deixar claro que não estou me referindo a algum famoso café da Big Apple, que esteja no auge da moda, mas sim ao mercado futuro de café negociado na ICE (Intercontinental Exchange), que está atravessando um formidável bull market.

Esse ciclo do touro é causado, principalmente, pela seca e pelas queimadas que afligem algumas das regiões cafeeiras do Brasil.

Nos últimos quatro meses, o preço da libra-peso de café subiu de US$ 2,0500 para US$ 2,6370. 

Como cada contrato futuro se refere a 37.500 libras, quem comprou, digamos, dez contratos em seis de maio, está ganhando US$ 220.125,00. Ou seja, US$ 3,75 por cada centésimo de centavo de dólar.

O café foi importantíssimo ao longo de minha carreira de trader. Negociando com ele, dei grandes tacadas e tive prejuízos assustadores, desses que fazem um operador de commodities pensar em mudar de profissão.

Vejamos meu primeiro trade de café:

Em 1985, eu operava apenas no mercado de ouro na Bolsinha (Bolsa de Mercadorias do Estado de São Paulo), importantíssimo naqueles tempos de hiperinflação, choques heterodoxos e tablitas, itens esses que eram o principal fundamento de todos os ativos negociados a futuro, sendo o ouro o principal deles.

Pois bem, um broker da Bolsinha me ofereceu uma operação na qual eu comprava um único contrato de café futuro com vencimento curto e vendia um contrato longo, ou “futurão”, como chamávamos naquela época.

Como era um comprado e um vendido, nem pensei direito sobre a oferta. Topei e me estrepei, como veremos a seguir:

Após vários dias com ambos os contratos batendo limite de alta, sem vendedores, chegou o momento em que eu temi tão logo fechei a operação e tive tempo de fazer contas. 

O “futurinho”, no qual estava comprado, passou a ter liquidez. Já o “futurão”, no qual vendera, continuou travado nos limites de alta, sem que eu pudesse fazer nada, já que cada dia ficava mais barato (porque o limite era menor do que a inflação) e eu, vendido.

Para não me estender muito no relato desse drama, acrescento apenas que eu perdia, em valores de hoje, R$ 100 mil reais por dia. Sim, gente. O equivalente a cem mil reais, em cruzeiros, moeda da época.

Desfecho: tive de pagar, por fora, vários limites de alta a um trader que aceitou dar liquidez em meu “futurão”. Nessa via dolorosa, perdi tudo que ganhara no mercado de ouro nos anos anteriores.

Evidentemente deixei de negociar com café, deve estar pensando o leitor. Quem achou que isso aconteceu, errou. Passei a “treidá-lo” em Nova York na então CSCE (Coffee, Sugar em Cocoa Exchange), situada no World Trade Center (na época, o pregão ainda era viva-voz).

Eu negociava café quase todos os dias, fazendo day trades ou operações de tiro curto. Ganhava mais do que perdia.

Em 1994, dei minha tacada mais certeira. Foi quando aconteceu a geada negra que destruiu, no Brasil, não só os frutos como também os pés de café. Ou seja, afetou os preços por vários anos.

Com minhas desculpas pela incorreção política, fui muito macho. A geada ocorreu no fim de semana e comprei contratos, para mim e para as carteiras que administrava, quando os preços abriram na segunda-feira com breakaway gap.

Comprei e corri para os abraços. Tanto eu como meus clientes ganhamos incontáveis limites de alta. Melhor: não pusemos sequer um centavo de margem, pois esta era inferior ao ajuste positivo do primeiro dia.

Nessa ocasião, eu já começara a escrever meu livro Os mercadores da noite. Tão logo liquidei as posições de café, viajei para Nova York, Chicago, Davenport (Ohio), Londres, Bruxelas, Paris, Lausanne e outros lugares onde Julius Clarence (o personagem principal) frequentou nas páginas do livro.

No primeiro semestre de 1995, dei mais uma tacada no café, tacada essa que me permitiu abandonar de vez a linha de frente dos mercados, trocando os números pelas letras.

De lá para cá, publiquei dezenove livros e escrevi incontáveis crônicas sobre o mercado. Nunca voltei a operar futuros, me contentando em aplicar minhas economias nos mercados de renda variável (principalmente blue chips) e Tesouro Direto (Tesouro Selic).

Isso não impede que continue acompanhando todos os mercados futuros, mesmo porque ele é um dos temas de minhas crônicas.

Com relação aos preços atuais do café, acho arriscado entrar agora nesse mercado. Trata-se de uma commodity de consumo elástico, que diminui muito quando o preço sobe.

Por outro lado, o que está ocorrendo agora é chamado, nos Estados Unidos, de weather market. Ou seja, se entrar uma frente fria chovendo abundantemente nos cafezais, os preços poderão cair.

Mas é bom acompanhar atentamente o que acontece no mercado de café. Pois ele, volta e meia, proporciona uma oportunidade ímpar de se ganhar dinheiro.

Muito maior do que apostar na mega sena ou em futebol.

Ivan Sant’Anna

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Investir sem um preço-alvo é acreditar apenas na sorte