Um dos clássicos imortais da MPB é a música Marina, de Dorival Caymmi, lançada em 1947.
Os primeiros versos são assim:
Marina, morena
Marina, você se pintou
Marina, você faça tudo
Mas faça um favor
Não pinte esse rosto que eu gosto
Que eu gosto e que é só meu.
Hoje em dia, a letra pode ser considerada machista pois infere que um homem possa ter domínio sobre a aparência de sua mulher ou namorada.
Esta semana, ao participar da live “Reunião de Caixa” da Inv Streaming de terça-feira, dia 23, relatei um encontro casual que tive, em princípios de novembro de 2008, com a então senadora Marina Silva, a bordo de um jato da British Airways, no trajeto Londres/São Paulo.
Estávamos sentados quase que de frente um para o outro, pois a classe executiva do Boeing 777 da British tem poltronas contiguas voltadas para a proa e para a popa do avião.
Trocamos apenas cumprimentos formais.
Ao final da corrida de decolagem, no aeroporto Heathrow, documentos que Marina trazia em uma pasta no colo caíram ao chão.
Instintivamente, ela desafivelou seu cinto de segurança para poder apanhá-los no carpete.
Mais do que depressa, prendi a papelada com meus pés (com a sensação de que, quem sabe, poderia estar colaborando um pouquinho com a salvação da vida no planeta) e comecei a recolhê-los, soltando eu o meu cinto.
Esse ato de “heroísmo” deu pretexto para que conversássemos um pouco, algo como vinte minutos.
Como eu estava vindo do Paquistão e do Afeganistão, ela se interessou pelo que eu falava. Mas disse algumas coisas também, coisas essas que me fizeram ter certeza de que ela só pensava naquilo (meio ambiente).
Marina Silva já era uma celebridade internacional. Tanto é assim que, quatro anos após essa viagem, ela seria uma das pessoas escolhidas para carregar a bandeira olímpica nos Jogos de Londres.
Nas últimas eleições presidenciais, Marina foi um ativo importante na campanha vitoriosa de Lula. Pode-se dizer que seu apoio foi decisivo no resultado, já que a vantagem do petista sobre Bolsonaro foi de apenas 1,5%.
Escolhida para ser ministra do Meio ambiente, o presidente agora procura uma forma de conciliar seu interesse de crescimento econômico do país com as exigências ecológicas de Marina Silva, a quem o Ibama é subordinado.
Em 2007, durante sua primeira passagem pelo ministério, ela vetou a construção das usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, porque colocavam em risco de extinção uma espécie de bagre migratório que passava por lá (rio Madeira) para se reproduzir.
A construtora que iria executar o projeto ofereceu construir um canal para passagem dos bagres mas ela recusou. Prevaleceu Lula, perderam o bagre e Marina que, mais do que depressa, pediu demissão.
Agora ela está de volta ao posto, num momento em que boa parte do mundo observa os acontecimentos na Amazônia: preservação da floresta, pureza das águas dos rios, condições de vida dos indígenas e proteção da fauna.
Enquanto Lula participava da reunião do G7, em Hiroshima, no Japão, o Ibama negou licença para testes, por parte da Petrobras, de exploração de reservas petrolíferas na foz do rio Amazonas, região próxima ao estado do Amapá, enfurecendo, entre outros, o senador Randolfe Rodrigues, líder do governo no Congresso e um dos três representantes daquele estado na Casa Alta.
Rodrigues imediatamente se desligou de maneira irrevogável de seu partido, Rede Sustentabilidade, fundado justamente por Marina Silva.
Pouco antes de embarcar no avião que o levaria de volta ao Brasil, Lula, conversando com repórteres, disse que o local que a Petrobras está explorando se encontra em águas profundas, distantes mais de 530 quilômetros da foz do Amazonas, nada tendo a ver com a floresta tropical.
De hoje, quarta-feira, dia em que escrevo este texto, até sábado, quando os amigos leitores o receberão, pode ser que o caso já tenha tido um desfecho.
Em meu juízo, os interesses da Petrobras vão acabar prevalecendo, mesmo que demore um pouco. Ali, onde eles estão fuçando petróleo, poderá haver uma das maiores jazidas subaquáticas do planeta.
Que o diga a Guiana, mil quilômetros a noroeste da região que interessa à Petrobras. Suas jazidas já extraem 500 mil barris diários. Trata-se do segundo país que mais cresce no mundo (+ 19% ao ano), só perdendo para o principado de Mônaco (+ 22,3%), sendo que este não chega a ser propriamente uma nação, mas sim um condomínio de alto luxo.
Se vencer a parada desta vez, Marina Silva sairá do embate muito fragilizada. Será combatida por inúmeros integrantes das bancadas do próprio governo nas duas Casas do Congresso, pelos dirigentes e funcionários da Petrobras e por diversas pessoas, como é o meu caso, que acreditam que o Brasil não pode se dar ao luxo de deixar de lado uma oportunidade que poderá ser de ouro.
Muitos analistas dizem que a era do petróleo está acabando, mas ouço esse papo desde os anos 1980 e só vejo consumo e produção mundial aumentarem.
Marina, morena, acho que mais uma vez você vai perder.
Um ótimo fim de semana para todos.
Ivan Sant’Anna