Para começar este artigo quero explicar por que escolhi Shackleton como referência. Ernest Shackleton foi um dos maiores exploradores britânicos da Antártida na primeira metade do século XX, inclusive seu modelo de liderar a tripulação com o foco nas pessoas e um forte senso de responsabilidade e credibilidade, podem ter sido a chave do sucesso para trazer toda sua tripulação sã e salva, após seu navio ter sido esmagado nas placas de gelo do continente Antártico, durante uma viagem de travessia em 1914.
Shackleton, após mais de um século, ainda é estudado em Harvard e seus ensinamentos aplicados em várias empresas de todos os continentes. O mais interessante é entender que neste mundo complexo que vivemos atualmente, a compreensão do que é ser um humano, do que é trabalhar em equipe, do que é um risco, do que é diversidade e inclusão reais, já existem há mais de 100 anos, já foram aplicadas com êxito em situações de extrema dificuldade e ainda nos perguntamos o que devemos fazer com respostas expostas a tanto tempo. Então vamos relembrar dicas do que fazer, porque o como fazer dependerá exclusivamente do contexto em que estaremos e de nosso comportamento.
O time de Shackleton
No momento da contratação de pessoas, Shackleton dizia que era necessário formar um time excepcional que traduzia por pessoas otimistas, com bom humor, onde cada um possuía seu talento único para o propósito da expedição, neste caso, e onde era possivel formar um grupo preparado para tarefas difíceis, resolução de crises, mas principalmente para trabalhar junto em termos de ritmo e entrega respeitando a singularidade de cada um. Este time tinha premissas importantes para sua formação: todos deveriam compartilhar o propósito e a visão sobre a expedição, além de terem o mesmo entusiasmo pela jornada.
No cotidiano, era fundamental que o ambiente fosse respeitoso, leve e atencioso. Qualquer trabalho atribuído aos profissionais, poderia ser realizado por Shackleton, e a equipe não era sobrecarregada além de suas possibilidades, exatamente para assegurar que entregassem com qualidade para o grupo e para si, o resultado de seus trabalhos. Inclusive o reconhecimento era parte integrante dos trabalhos bem-feitos, a fim de gerar bons exemplos. Um ponto importante, era jamais chamar atenção de qualquer pessoa em público, e as pessoas com menor elo emocional com Shackleton, ou maior risco para minar a equipe por suas características emocionais, eram as pessoas que Shackleton mantinha mais próximo a ele.
Credibilidade na equipe
No comportamento individual, Shackleton não tinha medo de mudar de ideia, ouvia sugestões de todos os seus colaboradores, mas tinha plena consciência de que a decisão final e responsabilidade pelo todo era dele. Por isto, no cotidiano trabalhava a independência dos grupos responsáveis por cada uma das tarefas e lhes passava constantemente a realidade sobre o risco que enfrentavam discutindo em conjunto os cenários de solução que poderiam aplicar e permitindo que os times o fizessem para que cada líder de equipe também tivesse seu empoderamento e demonstração de confiança por parte de Shackleton.
Entender o que cada líder de equipe fazia bem e reforçar o valor da atitude, assegurava a continuidade das diretrizes comportamentais de Shackleton caso ele precisasse se ausentar. Talvez, estas características fossem alguns dos fortes motivadores de cultura que Shackleton demonstrava: Comunicação clara e transparente, diálogo aberto, humildade para mudar de ideia quando entendia que seu plano não funcionaria, demonstração de confiança em público nos líderes de suas equipes e fortalecimento dos laços dos times na resolução de tarefas mais difíceis.
Shackleton não desperdiçava o tempo
A legitimidade que Shackleton transmitia a sua equipe quanto a confiança que tinha neles, sua preocupação com o bem-estar de todos e a responsabilidade com a mitigação de riscos, permitia que os profissionais ultrapassem seus limites por sentir segurança na liderança e no ambiente em que viviam. Todos podiam contar com todos, e principalmente, contar com a alta liderança em qualquer momento do dia ou da noite.
Uma estratégia comum que Shackleton aplicava na expedição era ocupar a equipe o tempo inteiro, quando não estavam operando o navio, estavam lavando suas roupas, limpando o navio, discutindo estratégias de melhorar a parte operacional e estratégias para validar se o propósito continuava claro para todos ou precisava ajustar algo na comunicação ou na execução.
Assim, não havia tempo para desperdício de energia com medo, fofoca, questionamentos infundados, inseguranças individuais ou ações que levariam o time a perder o foco do seu propósito. Shackleton costumava dizer: “Um homem precisa se voltar a um novo alvo, assim que o antigo vai ao chão”. Com esta premissa de liderança, Shackleton não deixava brecha para lamentações e reclamações. Realmente não havia desperdício do bem mais precioso chamado Tempo.
Planejamento e revisão de estratégias
Esta característica de Shackleton por vezes era percebida como inflexibilidade, porém toda sua equipe o respeitava profundamente, porque quando Shackleton não estava lendo, estava planejando e revisitando as estratégias já definidas frente os novos fatos e explicando as ordens ao time, mostrando-lhes que o objetivo maior era olhar para frente e rumar em direção ao propósito estabelecido e acolhido por todos.
A história de Shackleton é tão profunda em experiências de liderança, resolução de crises, motivação de equipe, gratidão, colaboração, respeito e trabalho duro que no livro “Shackleton, uma lição de coragem” existe uma passagem no final do livro onde Lord Zetland um dos maiores financiadores dos projetos de exploração de Shackleton diz o seguinte: “Liderança, afinal de contas, mais do que apenas atingir um objetivo, é incitar os outros a realizarem grandes coisas e dar-lhes os instrumentos e a confiança para continuarem realizando.”
Que líder você é ou quer ser?
Lendo esta última constatação sobre liderança realizada há mais de um século, será que estaríamos falando de doenças emocionais, necessidade de inclusão e diversidade, demanda por espaços seguros nas empresas, se tivéssemos aplicando os princípios básicos de Shackleton: ler para ganhar sabedoria, estudar riscos e ser humilde para discutir com a equipe soluções, trabalhar comunicação clara, diálogo aberto e respeitoso, demonstrar confiança nos profissionais com quem trabalhamos, oferecendo-lhes os instrumentos e carga de trabalho corretos para entregarem seu melhor, suportando-os quando necessário, mostrando-lhes que são do tamanho dos sonhos que querem realizar?
Para começar o ano vale revisitar o que estamos fazendo conosco e com as oportunidades ao nosso redor, porque como diria o Dr. Lawrence Palinkas, professor de medicina familiar e preventiva na Universidade da California, que treinou os americanos para trabalhar na estação espacial internacional da Nasa, seguindo o método de Shackleton: “Talvez a dimensão mais importante de um líder seja definida pela continua relevância de sua estatura no decorrer do tempo”. Que líder você é ou quer ser? Faça a sua escolha e siga em frente!
Por Renata Vilenky, formada em Tecnologia e Economia com especialização em IA e Robótica. Conselheira em Estratégia , Inovação e Transformação Digital, Membro da Academia Európéia da Alta Gestão com livros publicados nos temas de Inovação, Estratégia, Conselhos e Liderança; Consultora em Projetos de Inovação Aberta e Transformação Digital, Mentora de Startups e Executivos, Coordenadora do Comite de Empreendedorismo e Tecnologia do Insper, Professora de Estratégia e Inovação da FGV e Mentora em vários projetos de impacto em educação e saúde.