Por: Thales Paiva

O final de 2023 foi marcado pela promulgação, em 13 de dezembro de 2023, da Lei nº 14.754, que introduziu alterações significativas na tributação dos fundos fechados e dos investimentos offshores e, ainda, a inclusão de novas regras a respeito do pagamento de rendimentos isentos de imposto de renda dos fundos imobiliários.

Diante da complexidade da nova lei e dos impactos tributários nas atuais estruturas de investimentos, uma novidade, sem natureza tributária, não obteve o destaque merecido na mídia especializada e, aparentemente, passou desapercebida de boa parte do mercado. Tal novidade está prevista nas Disposições Finais da Lei, que, no seu artigo 42, alterou os artigos 7 e 12 da Lei nº 8.668/1993, que dispõe sobre a constituição e o regime tributário dos fundos de investimento imobiliário e dos Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro). Com essa mudança, a Lei nº 8.668/1993 passou a prever expressamente a possibilidade dos fundos imobiliários e Fiagros, por meio de seus recursos e representados por suas instituições administradoras, (a) constituírem quaisquer ônus reais sobre os seus imóveis e (b) prestarem fiança, aval, aceite ou coobrigarem-se sob qualquer forma, desde que as referidas hipóteses sejam para garantir obrigações assumidas pelo próprio fundo ou por seus cotistas.

A alteração legislativa para autorizar a constituição e a prestação de garantias pelos fundos imobiliários e Fiagros é muito bem-vinda e aguardada pelo setor, pois vai possibilitar aos gestores maior acesso ao crédito para novos investimentos e até para reestruturações dos fundos e, consequentemente, maior liberdade para realizar operações estruturadas (CRI e CRA, por exemplo) com juros mais atrativos, buscando, assim, melhorar o retorno dos investimentos aos seus investidores. Vale lembrar ainda que há interesse público na prestação de garantias no setor imobiliário, haja vista a própria Lei nº 9.514/1997, que dispõe sobre o Sistema Financeiro Imobiliário – SFI e instituiu a alienação fiduciária de coisa imóvel, além de outros inúmeros projetos imobiliários, dos mais tradicionais aos mais estruturados, em que a outorga de garantia é essencial para obter linhas de crédito mais vantajosas.

É claro, no entanto, que a novidade não deve ser vista como uma sinalização para qualquer tipo de operação de financiamento apenas para melhorar no curto ou médio prazo o retorno dos investidores, de modo que a análise técnica do cenário atual do fundo e dos potenciais investimentosdeve ser realizada com a maior diligência possível pelos gestores, observando sempre a política de investimento de cada fundo e os melhores interesses dos cotistas.

Outros fatores que contribuem para o momento propício da alteração trazida pela Lei nº 14.754/2023 são a sanção do Marco Legal das Garantias (Lei nº 14.711/2023) e a recente decisão do Supremo Tribunal Federal com relação à constitucionalidade do procedimento de execução extrajudicial da alienação fiduciária previsto na Lei nº 9.514/1997. Embora possam parecer atos isolados as recentes alterações legislativas e as decisões do Poder Judiciário, tais atos, em conjunto, contribuem para a segurança jurídica dos mercados de capitais e financeiro e do segmento imobiliário, corroborando para o contínuo desenvolvimento e crescimento econômico do mercado brasileiro.

A despeito da novidade da prestação de garantidas pelos fundos imobiliários e Fiagros estar prevista na Lei nº 8.668/1993, ainda será necessário aguardar uma outra etapa para os administradores e gestores dos fundos a colocarem em prática. Essa etapa é a manifestação da Comissão de Valores Mobiliários, que deve alterar a norma vigente de fundos imobiliários e adaptar o futuro anexo normativo do Fiagro à Resolução CVM nº 175/2022, objeto da Consulta Pública SDM nº 03/23, para refletir expressamente a alteração da Lei nº 8.668/1993, e, ainda, detalhar o procedimento ou requisito de especificidade a ser observado pelos prestadores de serviço essenciais, como por exemplo, a aprovação da prestação de qualquer garantia em assembleia geral de cotistas.

Apesar da necessária manifestação da CVM, a prestação de garantias pelos fundos não é nenhuma novidade para a autarquia e o mercado financeiro. A possiblidade do administrador, em nome do fundo, prestar fiança, aval, aceite ou coobrigar-se sob qualquer outra forma é assunto sedimentado nos Fundos de Investimentos em Participações, vez que tal possibilidade foi autorizada por meio da Instrução CVM nº 535/2013 (revogada), alterando a então vigente Instrução CVM nº 391/2003 (revogada), desde que o regulamento do fundo estabelecesse a possiblidade de prestação de garantia e aprovação mediante maioria qualificada dos cotistas (conforme definido em regulamento) reunidos assembleia geral. Além disso, vale ressaltar que os recentes normativos da CVM permitem a outorga de garantias nas operações de fundos de investimento, a exemplo dos fundos financeiros previstos na Resolução CVM nº 175/2022, trazendo como requisito, para os fundos distribuídos ao público em geral (artigo 86, §2º da parte geral da Resolução CVM n° 175/2022), a aprovação em assembleia e ampla divulgação dos riscos de tais garantias aos investidores.

Thales Paiva é Gerente Jurídico e Sócio da Rio Bravo Investimentos.

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