Janeiro costuma ser magro em notícias na economia, ressalvados os anos de mudança de governo, como foi o caso de 2023, ano especialmente complexo nesse quesito.

Dessa vez, contudo, a monotonia é absoluta. O recesso parlamentar não será atrapalhado por notícia velha ou por medidas pirotécnicas.

Mais ou menos nessas duas categorias, se encaixam:

  • a Medida Provisória 1.202/2023 de reoneração da folha de pagamentos, assunto considerado já resolvido pelo Congresso e no qual a insistência do governo parece um gesto teatral com o fito de acalmar suas tropas; e

(ii) a dita nova política industrial, também dando a impressão de ser destinada a agradar o acampamento de patriotas aglutinados ao redor do BNDES.

Não foi simples para a imprensa interromper as férias de algumas lideranças parlamentares para obter indicações de contrariedade com o Executivo com a MP 1202. Parecia meio óbvia a irritação e a mensagem de que o assunto não vai a lugar algum. O tema já foi objeto de derrubada de veto presidencial, a fixação no assunto é mais teatral do que real.  

O programa Nova Indústria Brasil atingiu seu objetivo de ocupar boa parte do noticiário ao longo do mês, uma demonstração eloquente e inequívoca da profunda falta de assunto nesse começo de ano. Há pouquíssima novidade no programa, dito de 300 bilhões, mas que, na sua quase totalidade, diz respeito a recursos que já seriam desembolsados pelo BNDES e pela FINEP.

Grosso modo, como 90% do programa já ia acontecer e outros 10% era uma coleção de pequenas novidades não muito polêmicas, na média, o Nova Indústria Brasil é simplesmente pouco relevante. A dúvida é sobre o imenso destaque dado ao anúncio pela comunicação governamental.

Parece muito clara a intenção de prestigiar Aloisio Mercadante e Geraldo Alckimin, bem como os patriotas ali acantonados esperando um chamamento que provavelmente não ocorrerá. A economia política interna do PT é reconhecidamente complexa, de tal sorte que esses gestos cenográficos têm mais importância do que se supõe.

 A ideia de “neoindustrialização”, o que quer que seja, conta com defensores aguerridos tanto na administração pública quanto no setor privado. Esse tipo de anúncio oferece um palanque e um momento de glória a esse grupo, cujo apogeu se deu com as falas de Mercadante e sua repercussão nas redes sociais.

A surpresa do grupo adveio da péssima repercussão do anúncio para o público em geral, especialmente no jornalismo econômico. É mais uma área em que tudo se transformou, aos olhos dos governistas, relativamente à última vez que o PT esteve no poder. As críticas vieram não apenas do terreno fiscal (de onde vem esse dinheiro?) como também sobre a natureza do programa (por que desse jeito e para esses fins?).

O ministro Mercadante elevou o tom em suas respostas, não saiu bem na foto e mais longe acabou ficando de Brasília.

Concretamente, não há medidas realmente importantes, nem grandes despesas. As confrontações ideológicas e debates estão todas no terreno da retórica e acerca do que o ministro falou sobre a indústria naval, entre outras minudências. Nada realmente relevante a interferir com os andamentos da macroeconomia.

Na verdade, é menos um programa que um estudo de intuito marqueteiro sobre o que já se faz em causas nobres e temas da moda. Tudo, no novo programa, serve à produtividade, à inovação e à sustentabilidade, e os seus seis eixos vão um tanto além da indústria: (i) cadeias agro; (ii) saúde (iii) cidades; (iv) transformação digital; (v) descarbonização e (vi) defesa.

Como se opor a algo tão bem-intencionado?

Houve muita solenidade no anúncio, como se fora algo realmente importante, apenas com a ressalva de que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não estava presente, tampouco pronunciou qualquer palavra em apoio ao colega presidente do BNDES.

Não é que o programa seja irrelevante, tais desígnios são nobres demais para essa qualificação. O adjetivo talvez mais próprio é “inofensivo” e seu propósito é assegurar a paz social dentro do PT, nada além.

Balanços de fim de ano

Janeiro costuma ser pobre também na apresentação de dados da economia, uma vez que boa parte das divulgações sobre o ano fechado que acabou de terminar é antecipada e discutida em dezembro, com os balanços de fim de ano.

A exceção a essa regra foi a publicação dos dados sobre o déficit primário para 2023, notícia meio velha, já que não houve bem uma surpresa: 230 bilhões (2,1% do PIB), divulgado junto com a observação pela qual cerca de 90 bilhões dizem respeito ao “meteoro” dos precatórios, conforme a expressão já consagrada do ex-ministro Paulo Guedes.

O número não é bom, e a forma do anúncio foi sestrosa, buscando navegar na ideia, popular em Brasília, que precatório é uma despesa “de segunda classe”. Ou ao menos, uma despesa que não pode ser alterada pelas ações da equipe ora no exercício dos cargos da economia. É como tentar argumentar que uma parte importante do resultado tem a ver com os governos do passado, o que é verdade, mas não é tão importante.

Entretanto, muita gente entende que precatório é como dívida pública, sobre a qual não poderia nem deveria haver contingenciamento, atraso, reestruturação, essas coisas. Não foi o que ocorreu, é verdade. O “calote do calote” foi, de fato, coisa da administração anterior: através das emendas 113 e 114 de 2021. Em 2024, o ministro Haddad parecia apenas preocupado em livrar-se da responsabilidade pelo estouro nas contas.

O tom do anúncio revelou nuances importantes do panorama brasiliense. Haddad se acomoda mais fortemente na postura fiscalista, o Antonio Pallocci da terceira presidência Lula, posição para qual foi empurrado pelo próprio PT, em virtude da sua habitual combatividade, bem como pela extroversão de Mercadante e seu grupo.

Pode haver, inclusive, alguma flexibilização da meta fiscal de zerar o primário para 2024, mas isso não será visto como falta de empenho do ministro no tema da disciplina fiscal.

Na verdade, Haddad pretende introduzir medidas tributárias pesadas ao longo do ano, usando a expressão (consagrada em 2023) ‘reforma tributária’ para impulsionar o seu programa de tributação progressiva da renda e do patrimônio.

No decorrer do ano de 2024, o governo terá de decidir se abraça mais explicitamente um programa de aumento de impostos, aí incluindo a tributação de dividendos, novas regras para a JCP, imposto dobre a renda, herança e mesmo grandes fortunas.

O destino do ministro fica associado a um aumento de impostos, o que acaba gerando certa ambiguidade em seus apoios empresariais. O ideal seria vê-lo comprometido com alguma redução na despesa, o que talvez se observe no decorrer de 2024.

Política monetária: só em março

A reunião do COPOM se deu no dia 31 de janeiro, com a queda na SELIC para 11,25%, sem qualquer resquício de surpresa. A política monetária voltará a ser assunto apenas em março e, mesmo assim, não se espera nenhuma novidade até meados do ano, com o gradual aumento do debate sobre os fatores que podem interferir no ritmo da queda de juros.

Por ora, nada indica que esse ritmo vá se alterar. O assunto da “taxa neutra”, ou da taxa terminal desse ciclo de baixa, ficará provavelmente para o segundo semestre. Teremos muitas avaliações pelas quais o IPCA, ou algum indicador de atividade, surpreendeu para cima ou para baixo, com implicações sobre o que o COPOM poderá fazer. Mas o debate sobre a taxa terminal será mais adiante, junto com a discussão sobre a escolha do sucessor, ou a antes impensável recondução, de Roberto Campos Neto no Banco Central.

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