No final dos anos 1960 e início da década de 1970, eu era operador de pregão na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro

Praticamente só trabalhava como day trader. Ou scalper, como se chamava nos Estados Unidos, nome esse que acabou pegando aqui, principalmente no pregão viva-voz da antiga Bovespa.

Naquela ocasião, eu raramente dormia comprado ou vendido em ações.

Como, no recinto de negociações, via o mercado se desenrolando ao meu redor, não me interessava saber o que acontecia no Brasil e no mundo. Bastava acompanhar quem estava comprando ou vendendo e se os lotes eram grandes ou pequenos.

Mal comparando, minha função equivalia a de um auxiliar de arbitragem (antes a gente chamava de “bandeirinha”), que não se interessa pelo andar da partida e sim acompanhar se o jogador mais avançado do time que ataca para o seu lado tem dois ou mais adversários entre ele e a linha de fundo.

O “bandeira” tem também a seu cargo a linha lateral e se manifesta quando uma falta acontece em suas proximidades.

Se você perguntar a um bandeirinha se o time A está jogando no 4/4/2 ou no 4/5/1 é provável que ele não saiba responder. Mas dirá com absoluta convicção que o centroavante Martinelson (se existe algum jogador brasileiro com esse nome, já vou logo pedindo desculpas, mas no Google não encontrei nenhum) não sai do impedimento. Ou é afobado ou não enxerga em três dimensões.

Pois bem, voltando ao meu pregão dos velhos tempos, eu me limitava a vigiar os parceiros das outras corretoras para ver se havia um grande comprador ou vendedor de determinado papel e ia na cola dele.

Raramente perdia.

Agora, ser day trader como “investidor”, ou mesmo como hobby, é perda na certa. A não ser que você seja bilionário e jogue uns trocados no mercado para se distrair.

Perde 100 mil hoje, 80 mil amanhã, ganha 18 mil depois de amanhã. Aí vale.

Há outro tipo de day trader. Aquele gestor que desenvolveu um programa de computador, altamente sofisticado, que detecta os movimentos de todo o mercado e, com sua inteligência cibernética, consegue descobrir as distorções atípicas (com minhas desculpas pelo pleonasmo) e compra, vende, stopa e realiza lucros sem que ele (o gestor em questão) precise fazer nada.

Já fez quando concebeu o programa.

Já entre os investidores normais (vamos chamá-los assim), existem os de curto, médio e longo prazo.

Os de curto prazo precisam acompanhar atentamente o que está acontecendo no mundo das finanças, da política e da meteorologia. Se for grafista, não pode tirar o olho dos gráficos diários e intraday.

Esta semana, por exemplo, teve Assembleia Geral das Nações Unidas, que costuma não afetar em nada as cotações. Mas houve reunião do FOMC (Federal Open Market Committee – Comitê Federal de Mercado Aberto do FED) simultaneamente à sua equivalente do COPOM (Comitê de Política Monetária do Banco Central do Brasil).

Esses dois eventos, sim, costumam mexer com os mercados. Principalmente as coletivas de imprensa de Jerome Powell, do FED, e Roberto Campos Neto, do BC, que costumam dar dicas sobre os movimentos seguintes.

Já os investidores de médio prazo, e por médio me refiro a seis meses, um ano, etc, esses têm de estimar se as sequelas da Covid-19 – desde a crise do subprime (2007/2010), não me lembro de nenhum evento que afetasse tanto os mercados – já estão esfriando e o mundo (inflação, principalmente) voltando ao normal.

Finalmente, há os investidores de longo prazo (os que compram ações para serem sócios das empresas), que costumam carregar posições não raro até a morte. Esses precisam estudar o futuro de cada setor da economia, as tendências de longo prazo das mutações meteorológicas, energéticas, cibernéticas, etc.

Em meus 83 anos de vida e 65 de mercado, fui de tudo um pouco (me refiro a especulações e investimentos, bem entendido): jogador, especulador, day trader, vendedor a descoberto de calls e puts até que, com o passar dos anos, sosseguei o facho.

Sou acionista de 12 empresas. Neste momento, estou ganhando em seis e perdendo em seis.

Felizmente lucro bem mais nas vencedoras do que perco nas perdedoras.

Se hoje eu fosse acometido de algum mal mentalmente incapacitante teria recursos para viver (com relativo conforto) até os 95 anos de idade. E duvido que chegue lá.

Costuma-se dizer, com razão, que o mercado é composto de ganância e medo.

Eu já padeci, e padeci em doses cavalares, desses dois sentimentos. Hoje não sou medroso nem ganancioso.

Tenho também meus dogmas particulares:

−− Não invisto em ações de empresas controladas pelo governo.

−− Não invisto em ações de empresas cujas tarifas são controladas pelo governo.

−− Não compro barganhas (tipo empresa que caiu de 10 reais para vinte centavos, embora tenha plena consciência de que ela possa dobrar de preço de um dia para o outro).

−− Não alavanco mais.

Por outro lado, em termos de renda fixa, aplico em estatais. Porque o governo não as deixa ficar inadimplentes. Compro, sem medo, títulos do Tesouro.

Um ótimo fim de semana.

Ivan Sant’Anna

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Investir sem um preço-alvo é acreditar apenas na sorte