A recente campanha de Luiza Trajano pedindo para as pessoas irem comprar, rapidamente, produtos parcelados no carnê, acabou virando meme e teve o efeito oposto, sendo considerada por diversas pessoas uma demonstração de desespero da varejista, porém, talvez isso represente um sintoma de algo maior: os juros de curto e longo prazo no Brasil não param de subir.

São diversos os motivos para esse movimento de alta: resiliência da inflação e da atividade econômica, principalmente no mercado de trabalho; alta de juros no mercados internacionais; alta do risco país que tem impacto principalmente na parte mais longa da curva; deterioração do quadro fiscal com as medidas populistas de Bolsonaro e com a maior probabilidade da vitória de Lula que já adiantou que irá abolir o teto de gastos; outros fatores técnicos mais secundários, como os efeitos dos leilões de títulos públicos prefixados num momento de maior volatilidade e menor liquidez.

Mas, vamos ao que importa, os efeitos disso: hoje, basicamente, a curva indica juros parando em 14,25% (mais uma alta de 50 pontos-base e mais duas de 25 pontos-base) e ficando parado até o fim do ano que vem quando aparecem quedas residuais. Mais do que isso, as taxas longas (com mais de 10 anos) também estão em patamares recordes, o que tem efeito direto no valuation das empresas, bem como nos custos de financiamento, capacidade de solvência do país e no nosso PIB potencial.

Isso torna o cenário muito mais desafiador para quem depende de crédito, afinal, o valor do carnêzinho é uma função direta das taxas de juros mais longas.

Alguns setores são mais afetados com a elevação da taxa de juros (como o de construção civil) por três razões:

Primeiramente, os consumidores dos produtos destas companhias usualmente precisam de crédito para financiar apartamentos que têm valores elevados e com juros altos, então, pessoas partem para a locação de imóveis e não para compra, bem como os investidores que muitas vezes preferem alocar o capital na renda fixa ao invés de comprar para locação.

O segundo aspecto é que essa taxa de juros alta foi puxada pela elevação dos preços dos materiais básicos, com isso, o custo de construção dos empreendimentos se elevou bastante ao longo dos últimos dois anos.

O terceiro ponto não se aplica a todas as empresas do setor, mas à grande maioria delas. As despesas financeiras aumentaram bastante de um ano para cá, pois a base dos empréstimos bancários que giravam a 4%, agora, estão por volta de 16%, prejudicando bastante os resultados dessas companhias.

Outro setor que terá dificuldades no atual cenário são as varejistas, principalmente aquelas ligadas aos eletroeletrônicos e eletrodomésticos cuja a alta deve inibir os consumidores de realizar novas compras de maior valor agregado mesmo quando parceladas em 10x, visto que o custo ficou muito mais caro, saindo de algo como 5% para girar na casa de 15% ao ano. As despesas financeiras também irão pesar nos balanços das varejistas que estiverem com alto endividamento.

Por outro lado, existem setores que sofrem menos com as taxas de juros elevadas, como é o caso do setor elétrico que tem suas receitas corrigidas pela inflação por força de contrato. Dessa forma, é possível ter uma maior previsibilidade de receitas e geração de caixa e os investidores em ações tendem a preferir empresas com essas características neste momento.

Outro setor que historicamente consegue se proteger muito bem da inflação são os bancos tradicionais. Acostumados a lidar com patamares de juros elevados, os cinco grandes bancos que detêm 85% do mercado de crédito brasileiro, já enfrentaram esse tipo de cenário por diversas vezes e, com o cenário atual, suas novas concorrentes (as fintechs) terão grande dificuldade de realizar novas emissões de ações para captação, com isso, o momento de taxas de juros elevadas facilita a consolidação atual e beneficia quem já é grande. 

Da Inv Publicações, Rodrigo Natali, estrategista-chefe, e João Abdouni, analista CNPI.

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