Uma pergunta pode mudar tudo. Essa é uma das premissas que norteiam o trabalho do Instituto de Pesquisa & Estudos do Feminino e das Existências Múltiplas que tem promovido o desenvolvimento pessoal e profissional de mulheres em várias partes do Brasil. Fundado em 2019, por Ana Tomazelli, após uma transição de carreira de 20 anos na área de recursos humanos, o Ipefem, por meio das frentes de Pesquisa, Educação e Terapia, ensina a identificar e interromper processos de violência socioemocional na família, nos relacionamentos e no trabalho.

“A contribuição do Ipefem se dá na medida em que fazemos o que chamamos de perguntas mobilizadoras. E, assim, seguimos, recebendo feedbacks concretos de mulheres que decidiram perseverar no Doutorado porque nós a ajudamos a entender que era possível. Ou aquela mulher que entendeu que não precisa dar conta de tudo sozinha e que o pai das três crianças tem obrigações que podem ser reivindicadas sem que diminua o valor dela. Ou aquela outra que tomou coragem para fazer um movimento de carreira e, finalmente, abraçar a profissão dos sonhos depois de 15 anos fazendo algo para agradar o pai – inclusive, reproduzindo a profissão dele”, diz Ana Tomazelli.

Em entrevista ao Movimento Mulher 360, a empreendedora conta mais sobre o trabalho do Ipefem e de que forma impulsiona as mulheres, além de falar sobre a importância de as empresas terem um olhar focado na saúde mental de seus colaboradores e o ganho que isso pode trazer para os negócios. Confira.

MM360 – Como surgiu o Ipefem e quais são as suas frentes de atuação?
Depois de 20 anos dedicado ao mundo corporativo como executiva de Recursos Humanos dentro e fora do país, decidi empreender uma transição de carreira em 2018 para me dedicar, exclusivamente, à carreira acadêmica como professora universitária e ao cuidado feminino.

Foi quando comecei a perceber que mulheres muito diferentes apresentavam as mesmas falas, os mesmos cansaços e questionamentos diante da vida. Decidi realizar uma pesquisa sobre Energia Vital Feminina e, surpreendentemente, o estudo foi um sucesso. Os resultados deram início a um movimento de cuidados em grupo que desencadeou uma série de outras ações de construção de autonomia feminina financeira, emocional, laboral e de pensamento crítico. E foi assim que o Ipefem nasceu. Reuni mais seis pessoas e decidimos criar uma ONG do nosso jeito, que fosse feminina, mas que abraçasse todas as pessoas. Nossa atuação está baseada em três pilares: Pesquisa, Educação e Terapia. Juntas, elas deram origem ao que chamamos de educação em saúde mental e são as frentes responsáveis por cuidar de 3.417 pessoas até o presente momento.

MM360 – De que forma o Instituto contribui para o desenvolvimento pessoal e profissional de mulheres?
A contribuição do Ipefem se dá na medida em que fazemos o que chamamos de perguntas mobilizadoras. Uma simples pesquisa pode ser uma ferramenta poderosíssima de autoconhecimento quando se aproveita do poder da pergunta para abrir portas internas que, muitas vezes, você nem sabia que estavam lá. Ou sabia, mas não queria ou não conseguia acessar por algum motivo. A partir do momento em que você vê algo, não é possível “desver” e uma luz se acende internamente.

No entanto, muitas vezes só a pergunta não é suficiente. É aí que entram as outras frentes, com a intenção de proporcionar contexto, histórico e informações relevantes para que você entenda do que é feita a sua angústia e em que processos de violência socioemocionais você está inserida, tanto internamente quanto externamente. Então, é possível trazer isso para um ambiente emocionalmente seguro e iniciar movimentos de transformação, que é o que fazemos com os grupos de Apoio Terapêutico e com os atendimentos individuais tradicionais com profissionais de psicologia e psicanálise.

É como se fosse uma espiral e, quando chegamos em algum novo lugar, fazemos novas perguntas para uma nova pessoa que é você, naquele novo momento. E, assim, seguimos, recebendo feedbacks concretos de mulheres que decidiram perseverar no Doutorado porque nós a ajudamos a entender que era possível e sugerimos algumas estratégias. Ou aquela mulher que entendeu que não precisa dar conta de tudo sozinha e que o pai das três crianças tem obrigações que podem ser reivindicadas sem que diminua o valor dela. Ou aquela outra que tomou coragem para fazer um movimento de carreira e, finalmente, abraçar a profissão dos sonhos depois de 15 anos fazendo algo para agradar o pai – inclusive, reproduzindo a profissão dele.

MM360 – “O que eu não sei que eu não sei?”, “Como eu faço o que eu não sei?” e “Por onde começo a construir quem não sei que posso ser?” são perguntas que norteiam os workshops que vocês ministram para tratar de temas ligados aos vieses inconscientes, linguagem neutra e gênero, saúde mental e diversidade. Como partir dessas questões ajuda a eliminar barreiras e a construir uma nova forma de agir que garanta um ambiente acolhedor para mulheres no mercado de trabalho e na sociedade?
Nós acreditamos que partir dessas questões, nos coloca num lugar, primeiro, de humildade: eu não sei tudo. E, se eu não sei tudo, deve ter um monte de coisa que eu não sei fazer também. E, se esse lugar desconhecido existe e nós partimos do princípio de que ele pode ser bom (esse é outro rompimento de lógica), eu não sei quem eu posso ser, mas eu já sei que posso ser algo muito melhor e que não preciso ficar circunscrita nessas paredes que me sufocam, me trazem angústia e me obrigam a ser alguém que me deixa desconfortável na minha própria pele, num tempo que não é o meu, por exemplo.

Então, desbravar um jeito diferente de ser, abraçando a experiência e sempre respeitando alguns acordos coletivos de convivência e respeito, passa a ser um caminho possível, concreto, respeitando os limites individuais de suficiência. No Ipefem, você não vai nos ouvir dizer “trabalhe enquanto eles dormem” ou “basta mudar seu pensamento e tudo muda”, por que não, não é verdade. Isso só troca uma opressão pela outra, porque você fica “caramba, as coisas continuam dando errado porque eu não consigo nem mudar meu mindset“, e a sensação de fracasso vai ficando cada vez maior e paralisa os movimentos em direção a melhores comportamentos.

É desse jeito que a gente constrói, além dos ambientes emocionalmente seguros, como eu chamo, os ambientes de coragem, porque nem todo lugar vai ser seguro no sentido de acolher nossas vulnerabilidades. E, se cada vez mais pessoas se engajarem nessa direção, chegaremos mais rápido ao resultado do centésimo macaco, quando um comportamento coletivo se transforma e temos uma modificação do status quo que beneficia todo mundo. Nós não vamos ver os problemas relacionados a gênero resolvidos na nossa geração, mas nós abrimos e pavimentamos o caminho para quem vem depois continuar o trabalho.

MM360 – O IPEFEM trabalha com o tema da saúde mental, questão que com a pandemia ganhou notoriedade, principalmente no mercado de trabalho. Qual a importância de as empresas estarem atentas a essa questão? Quais as melhores práticas a se adotar considerando que as mulheres estão cada vez mais sobrecarregadas em casa e isso acaba refletindo no trabalho?
É importante as empresas estarem atentas à questão de saúde mental, porque são elas que dificultam a vida das mulheres – e isso acaba refletindo em casa. Não são só as políticas públicas que devem mudar, mas as políticas particulares também em microcosmos profissionais, pessoais e afetivos.

Podemos discutir e colocar em prática questões imediatas, que parecem bobas de tão simples, mas que não são. Como, por exemplo, não marcar reuniões no fim da manhã, porque alguém tem que fazer o almoço. Evitar reuniões de “bom dia” às 8h da manhã, porque alguém precisa organizar o café e a entrada da criança na aula on-line. Não ficar pedindo tarefas após 19h, porque alguém tem que fazer o jantar, dar banho em criança, colocar para dormir, isso para não falar das questões de lazer e descanso. Não demitir quando voltar da licença-maternidade, além de flexibilizar o retorno em horas ou dias. Afinal, hoje é um tudo ou nada, o que impossibilita conciliar com qualidade. É preciso considerar os homens dentro desse contexto. As melhores práticas passam por incluí-los na conversa, com escuta ativa e assumindo o compromisso conjunto de mudar o cenário.

Sairão na frente as empresas que tiverem a coragem de desafiar o que já está estabelecido, unindo a capacidade de capitalizar de maneira sustentável a dinâmica de produção e humanizar as relações em todos os níveis e direções. Esse é o desafio.

MM360 – Como as empresas podem se tornar parceiras do IPEFEM?
As empresas podem se tornar parceiras do Ipefem ao comprar um dos nossos serviços de Pesquisa, Educação ou Terapia para seus times, além de convidar-nos para palestras, painéis e mesas redondas. Também é possível patrocinar nossas ações com foco nos cuidados da população egressa do sistema prisional, mães de crianças com deficiência física e mental, costureiras do Vale do Paraíba, entre outros projetos. Outra opção é doar para garantir a manutenção da nossa estrutura administrativa.

Publicidade

Investir sem um preço-alvo é acreditar apenas na sorte