Com a divulgação do dado oficial de inflação nos Estados Unidos em 1,3% ao mês, acumulando uma alta de 9,2% nos últimos 12 meses, não só os mercados reagiram de forma brusca: o dólar se valorizou pela expectativa de juros mais altos (duas altas nas próximas reuniões do Fomc de 75 pontos base), batendo a paridade com a moeda europeia (1 euro = 1 dólar) pela primeira vez desde 2002. Também, a curva de juros mais longa se inverteu nos vértices de 30 anos contra 2 anos, pela primeira vez desde 2007, precificando uma maior probabilidade de recessão econômica.

Poderíamos pegar o dado de inflação e destrinchá-lo, mostrando que em diversos setores, a alta foi a maior em décadas, mas vamos focar num aspecto importante e que tem impacto bem mais duradouro do que esse ciclo de alta: o provável resultado das eleições norte-americanas para o Congresso e o Senado em 8 de novembro. 

Desde sua eleição, o governo Biden tem tido uma queda vertiginosa na sua aprovação por diversos motivos, alguns ligados diretamente ao desempenho e características pessoais do presidente, outros ligados à insatisfação da sua base eleitoral com as políticas introduzidas. Outras, com a inflação que já vinha aumentando fortemente antes da invasão da Ucrânia, mas também com as promessas que têm sido constantemente não cumpridas com relação à intensidade e duração do fenômeno inflacionário. 

O número de hoje, mais uma vez contradiz o Fed, que havia dito que o pico inflacionário já tinha passado, trazendo uma sensação de descontrole para uma população e para uma economia que não está acostumada com esse tipo de movimento (diferente de nós) e que se sente perdida quando observa que seus líderes não estão à frente do problema consistentemente.

No cenário eleitoral, os números de aprovação de Biden já vinham caindo fortemente e havia um consenso silencioso de que os democratas iriam perder a maioria na Câmara e que poderiam perder no Senado. 

Esse cenário melhorou um pouco para eles quando começou o conflito entre Rússia e Ucrânia porque, tradicionalmente, o povo americano por ser patriota, tende a apoiar o presidente num primeiro momento. Como de costume, esse apoio depois de um tempo se transforma em rejeição como vimos em todas as guerras que os EUA se envolveram desde o Vietnã. 

Nesse caso, o fenômeno foi bem mais rápido, talvez por 3 motivos: a ausência de soldados americanos envolvidos diretamente na guerra, o fato de não estarmos falando de um aliado tradicional e o percebido alto custo local para a economia. Logo, os ganhos de popularidade foram breves e os índices de aprovação do governo democrata voltaram a despencar.

Então, veio o anúncio da Suprema Corte revertendo uma decisão dos anos 70 que aprovava o aborto em território federal. Essa decisão causou revolta na base democrata e os líderes aproveitaram o momento para tentarem convencer a base a se mobilizar e votar em massa para garantir a maioria nas casas, o que possibilitaria que uma lei constitucional fosse passada voltando a federalizar o direito ao aborto. Essa postura, apesar de amplamente promovida localmente, não fez muito efeito, e pesquisas recentes mostram que a preocupação principal da base continua sendo, em primeiro lugar, com a inflação e, em segundo, com a saúde mental do líder do Executivo.

Depois do dado de hoje, que deixa o Fed de mãos atadas e que quase garante mais sofrimento à população, é possível afirmar que os democratas devem perder a maioria nas duas casas legislativas, o que praticamente garante que nenhuma medida mais ideológica partidária passaria até o final do mandato de Biden, o que, consequentemente, deve irritar mais ainda a base atual que já está extremamente insatisfeita. Esse efeito, ameaça inclusive a recandidatura do presidente em 2024, o que o tornaria o primeiro presidente a não concorrer para uma reeleição desde Lyndon Johnson em 1969.

Por outro lado, olhando os efeitos de mercado, uma vez que as políticas atuais têm sido malsucedidas, alguns bancos como J.P. Morgan e Citi já fazem previsões que existe uma probabilidade razoável de termos um rally de fim de ano caso esse cenário se concretize. Logo, para nós brasileiros, talvez não seja um prognóstico ruim.

Rodrigo Natali, Estrategista-chefe na Inv Publicações.

Publicidade

Onde investir neste fim de ano?

Veja as recomendações de diversos analistas em um só lugar.