Muita gente está denominando a série de conflitos e arreganhar de dentes que está se espalhando pelo mundo de “Nova Guerra Fria”. 
 
Como testemunhei a primeira, posso garantir que esta é muito mais branda. Refiro-me ao conflito Israel/Hamas, à ameaça de guerra de grandes proporções entre Irã, Israel e Estados Unidos, à luta entre Rússia e Ucrânia e outros episódios que estão ocorrendo no planeta. 
 
Vou agora descrever como foi a Primeira Guerra Fria. 
 
Tudo começou em 16 de julho de 1945, quando os EUA, em guerra contra o Japão, explodiram uma bomba atômica no campo de testes em Los Alamos, um deserto no estado do Novo México, com resultado mais do que satisfatório. 
 
Vinte e um e 24 dias mais tarde, fortalezas voadoras americanas B-29 lançaram artefatos nucleares (um de urânio, outro de plutônio) sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, deixando um saldo macabro de aproximadamente 200 mil mortos, parte deles em função do calor provocado pelas explosões, parte por causa da radiação que se seguiu. 
 
Durante quatro anos, os Estados Unidos permaneceram como única superpotência do planeta. 
 
Acontece que no dia 29 de agosto de 1949 os soviéticos, municiados com segredos obtidos por espiões nos EUA, explodiram seu primeiro teste atômico, uma bomba de plutônio de poder similar à lançada em Nagasaki pelos americanos. 
 
Podemos considerar essa data como início da Guerra Fria. 
 
A partir dela, os Estados Unidos e a União Soviética passaram a ter armas de dissuasão. 
 
“Você me destrói, mas eu te destruo também.” 
 
Nos EUA, a maioria das pessoas acreditava que a guerra nuclear, mais cedo ou mais tarde, detonada por algum incidente, iria realmente acontecer. 
 
Centenas de milhares de casas, colégios, empresas e instituições governamentais construíram abrigos nucleares subterrâneos, com estoques de gêneros suficientes para que as pessoas pudessem ficar ali até que o ar na superfície se tornasse limpo, livre da radiação mortal. 
 
Nas escolas, as crianças eram ingenuamente orientadas a se proteger sob as carteiras como se isso adiantasse alguma coisa num ataque atômico. 
 
Continuamente, bombardeiros B-52 decolavam de uma base em Nebraska, levando a bordo bombas nucleares com ordens para despejá-las em alvos predeterminados na URSS. 
 
Para que um ataque não se consubstanciasse, teria de haver (e obviamente isso nunca deixou de ocorrer) uma contraordem no meio do caminho, caso em que o bombardeiro retornava. 
 
O ponto mais crítico da Guerra Fria era a cidade de Berlim, um enclave na Alemanha Oriental, dividido em quatro setores: soviético, americano, britânico e francês. 
 
Durante um ano (de junho de 1948 a maio de 1949) Moscou ordenou o bloqueio terrestre de Berlim e criou um espaço aéreo que passou a ser a única maneira dos setores ocidentais da cidade serem abastecidos de tudo, inclusive água potável. 
 
Foi a famosa Ponte Aérea de Berlim. 
 
Nesse tempo, mais de 200 mil voos foram realizados entre a Alemanha Ocidental e Berlim, sem que nenhum avião saísse da faixa de acesso, hipótese que poderia ser o estopim de uma guerra entre as duas potências. 
 
Os Estados Unidos continuavam efetuando testes nucleares de superfície, a maior parte deles no atol de Bikini nas ilhas Marshall (Pacífico Sul). 
 
Esses testes duraram de 1946 a 1958 e diversas vezes ultrapassaram o poder nuclear estimado, com a radiação se espalhando para ilhas habitadas e atingindo populações nativas. 
 
De seu lado, Moscou se interessava mais pelo aumento do poder destrutivo de seus artefatos, que ultrapassavam em muitos quilotons de potência os lançados em Hiroshima e Nagasaki. 
 
Ambos os países desenvolveram submarinos atômicos. Atômicos na propulsão e atômicos nos mísseis. 
 
Mesmo que, num cochilo da defesa de uma das duas potências, ela fosse totalmente destruída por um ataque nuclear do inimigo, esses submarinos (alguns escondidos sob as calotas polares) tinham poder de retaliação imediata e completa. 
 
Foi esse excesso de forças que garantiu que bombas atômicas e de hidrogênio jamais fossem usadas para valer. 
 
Certos países fabricaram artefatos apenas para se defender de determinado inimigo. 
 
Esse foi, por exemplo, o caso do Paquistão, que construiu uma bomba atômica apenas para se defender da vizinha (e inimiga) Índia, que já fizera a sua. Desde então, as guerras entre os dois países deram lugar a conflitos verbais e diplomáticos. 
 
Voltando aos tempos atuais, podemos afirmar que esta guerra fria é muito menos aterrorizante. Israel, por exemplo, só existe porque tem armas nucleares, embora não o confirme abertamente. 
 
Além disso, vai usá-las contra quem? Para destruir Beirute, para destruir Damasco, para destruir Teerã? O mundo todo se voltaria contra os israelenses, mesmo que o Irã esteja atacando com drones pontos específicos no território de Israel. 
 
Volta e meia o presidente russo, Vladimir Putin, ameaça a Ucrânia com armas nucleares táticas, ou armas “sujas”, como são apelidados os artefatos que destroem “apenas” dois ou três quarteirões. 

Se isso acontecesse, Pequim se voltaria contra Moscou, que juntaria um inimigo aos inúmeros que já tem. 
 
Um ótimo fim de semana para todos. 

Ivan Sant’Anna

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