Os movimentos pela governança corporativa e pela sustentabilidade
O movimento pela governança corporativa eclodiu nos EUA, nos anos oitenta, em função de desmandos corporativos de dirigentes organizacionais, que penalizavam acionistas não controladores (minoritários), em prol de suas agendas ocultas ou, por vezes, nem tanto. Lutando contra esses desmandos, insurgiram-se investidores institucionais, como fundos de pensão e fundos mútuos (Caso Texaco, 1984). Dos EUA, tal movimento ganhou o Planeta, em prol da adoção de práticas de condução de empresas mais responsáveis com pequenos sócios (inicialmente) e demais stakeholders (com o avançar do tempo).
Já o movimento pela sustentabilidade emergiu também nos anos oitenta, sendo a expressão desenvolvimento sustentável disseminada, globalmente, pela Comissão Mundial de Desenvolvimento e Meio Ambiente das Nações Unidas, com o significado de atender às necessidades das gerações atuais sem comprometer as necessidades das gerações futuras (Relatório Brundtland, 1987).
Nos anos noventa, ganhou força a compreensão de que o crescimento econômico deveria, de fato, ser mais justo em nível social, além de mais compatível com a preservação da base de recursos naturais. O conceito do Triple Bottom Line (TBL) emergiu, trazendo a ideia de desenvolvimento sustentável ao dia a dia das organizações e abrangendo as dimensões People, Profit e Planet, relacionadas, respectivamente, às esferas social, econômica e de preservação do meio ambiente (Canibais com Garfo e Faca: o triple bottom line do século 21, John Elkington, 1997, edição inicial).
O tempo passou e a visão de que governança corporativa e sustentabilidade são temas concatenados foi-se formando. Afinal, a sustentabilidade somente poderia ser alcançada se fosse embasada em governança corporativa robusta e dando sustentação à adoção de práticas mais responsáveis e capazes de respeitar um amplo conjunto de stakeholders. Incluindo-se, entre os mesmos, aqueles que ainda sequer nasceram: as gerações futuras. Afinal, conforme o que as gerações presentes fizerem, as chances de uma vida melhor para as gerações futuras poderão ser significativamente reduzidas.
Concatenando governança e sustentabilidade
O início de ações em prol de uma visão integrando governança e sustentabilidade foi tímido. Todavia, pressões de stakeholders conduziram à criação de índices, por meio dos quais se poderia avaliar empresas e, portanto, investimentos em seus ativos, bem como o seu comprometimento com a ética, as gerações presentes e futuras. Diversos Socially Responsible Indexes (SRI´s) emergiram, entre os quais destacamos:
- Dow Jones Sustainability Index (DJSI), o primeiro da série, criado em 1990, com base em indicadores econômicos, ambientais e sociais. Pode-se dizer que as empresas que integram o DJSI correspondem aos seletos 10% das empresas líderes mundiais em sustentabilidade. Para inclusão no DJSI, as empresas devem preencher um questionário detalhado, renovado anualmente e validado por auditoria externa.
- FTSE4Good, criado em 2001 e medido pela Financial Times Stock Exchange (FTSE) Russell, uma divisão da bolsa de valores de Londres. A elaboração do índice pela FTSE Russell é baseada em dados de domínio público e os critérios de seleção de empresas são rígidos.
- Socially Responsible Index (JSE SRI), criado em 2002 pela Johannesburg Stock Exchange (JSE), o qual tornou a África do Sul no primeiro país emergente a incorporar a sustentabilidade ao mercado de capitais.
- Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), criado em 2005 pela então Bovespa, atual B3, considerando empresas com ações negociadas em bolsa, com liquidez, que se destacam em responsabilidade social e sustentabilidade. O ISE tem o propósito de identificar em que medida uma empresa tem a sustentabilidade incorporada em seus modelos de negócios e estratégias e ora adota um questionário com sete dimensões.
Esses e outros índices têm feito mais do que gerar a qualificação e o reconhecimento de empresas líderes: eles também têm permitido a disponibilização de informações sobre práticas sustentáveis e de responsabilidade social, as quais servem de referência para outras organizações. E, a nosso ver, criaram concatenação entre governança e sustentabilidade.
Ao mesmo tempo, os índices supracitados não têm sido a única forma de concatenação. Relatórios de sustentabilidade passaram a ser publicados por diversas empresas e, com o tempo, seguindo padrões da Global Reporting Initiative (GRI), além de agregarem informações sobre inventários de emissões de gases de efeito estufa, os chamados GEE´s, por meio de GHG Protocols.
Um fato notável que tem impactado a trajetória do binômio governança corporativa-sustentabilidade é o estabelecimento, pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2015, de 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS´s), com grandes – para não dizer tremendos – desafios para os países e suas organizações. Destacamos a erradicação, até o ano de 2030, da pobreza e da fome no Planeta, o combate às desigualdades dentro e entre os países, a construção de sociedades pacíficas, justas e inclusivas, a proteção de direitos humanos, a promoção da igualdade de gênero e do empoderamento de mulheres e meninas e a proteção duradoura do Planeta e seus recursos naturais entre outros tópicos.
Em um contexto de pressões de investidores, clientes, fornecedores e da sociedade, e sob o impacto dos ODS´s da ONU, que criam desdobramentos para os países que integram as Nações Unidas, a ideia de ESG – Environmental, social and governance – emergiu, vem evoluindo e tem criado, até o momento, importante mudança no modo de atuar de parte das organizações. De que forma? Contemplando o compromisso com a adoção propriamente dita de práticas mais robustas de governança e sustentabilidade. ESG pode ser considerada como um conjunto de práticas mais avançadas do que o clássico Triple Bottom Line (TBL): além de incorporá-lo em sua formulação, agregou a governança corporativa como elemento fundamental para que se alcance o respeito às dimensões ambiental e social.
Governança e sustentabilidade têm evoluído de modo substancialmente assimétrico em âmbito global. Nem todos os governos ao redor do mundo estão sintonizados com a importância de mudanças práticas nas cúpulas de organizações, ou com práticas voltadas para mitigar riscos socioambientais. Ainda existem nações que não se integraram ao Acordo de Paris. E mesmo em nações cujos governos têm se comprometido com os ODS´s da ONU, a assimetria entre as organizações é considerável. Mesmo assim, avanços têm ocorrido, principalmente em organizações de maior porte e visibilidade.
A pandemia COVID
A pandemia COVID-19, que eclodiu no início de 2020 (ainda que já com sinais em 2019), e ainda não foi superada, tem imposto aos países e a uma infinidade de organizações a necessidade de grandes mudanças, de novas reflexões e práticas de trabalho. Muitas organizações têm mudado seus modelos de negócios, de gestão, estratégias e processos entre outros elementos. Uma onda de criatividade tomou conta de muitas, em busca de sobrevivência e resiliência; infelizmente, várias não têm sobrevivido. Nesse contexto, temos visto manifestações variadas de dirigentes e executivos de organização empresariais ou não, que atuam em diferentes setores econômicos, em prol de mais governança e sustentabilidade.
A nosso ver, a pandemia tem, sim, impactados as mentes e as visões de mundo de muitos líderes organizacionais. Por que? Primeiramente, por uma questão humanitária, já que a pandemia não teve como não criar uma onda de solidariedade. Em segundo lugar, em função dos riscos, que se elevaram exponencialmente. Lembrando que a pandemia COVID ainda não está dominada e que há riscos de outras pandemias globais, se o modus operandi de países e organizações não sofrer mudanças profundas. Por fim, a pandemia COVID, com toda a sua tragédia em vidas ceifadas e muito mais, mostrou que várias atividades podem ser desenvolvidas de um modo diferente, com forte ajuda da tecnologia. Uma revolução digital, que já se encontrava em curso, tem sido fortemente acelerada. Definitivamente, o mundo pós-pandemia será diferente. Ainda não se sabe exatamente como, mas será.
Reflexões finais
Quando examinamos o breve histórico aqui apresentado sobre governança corporativa e sustentabilidade, podemos falar em um processo de evolução. Os movimentos pela governança e pela sustentabilidade se encontraram. Os dois temas estão concatenados e mutuamente reforçados. Muito pode ocorrer, mas, para o momento, vislumbramos mais fortalecimento dessa concatenação, bem como o envolvimento de mais líderes organizacionais e organizações com governança e sustentabilidade, por questões de solidariedade, de gestão de riscos e das potencialidades que a tecnologia oferece. Se não for pela primeira razão, será pela segunda e terceira, não duvidamos.
E quanto a ESG?
Esta é um poderoso conjunto de boas práticas a serviço do binômio governança-sustentabilidade, com uma lógica de pensar e agir a ele subjacente. Ao agregar indicadores consistentes com os objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU, ESG tem grande potencial para ajudar organizações e países a adotarem melhores práticas de trabalho. Ao mesmo tempo, conforme dito, estamos vivenciando um processo global, que é dinâmico e assimétrico. O futuro nos mostrará sua evolução e seu desenvolvimento, imaginando-se, para o momento, o aparecimento de versões cada vez mais avançadas, contemplando a evolução do pensamento ético e organizacional. Não se descarta a possibilidade do surgimento de outras designações à nossa frente, sem perda de conteúdo e agregando novos elementos. Triple Bottom Line (TBL), Environmental, social and governance (ESG) e muito mais poderemos ver. O processo segue em evolução.